Sigilo incômodo

Promotores pedem que jornal seja condenado por opinião de fontes

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13 de outubro de 2016, 19h05

Assim como a presunção de inocência e o sigilo profissional entre advogado e cliente, o sigilo da fonte, garantido constitucionalmente aos jornalistas, também parece estar na mira de promotores, procuradores e policiais.

Recentemente, o sigilo de alguns profissionais, como da revista Época e do jornal Diário da Região, foi quebrado na tentativa de descobrir quem repassou à imprensa informações consideradas sigilosas. Agora, esse direito é colocado indiretamente em xeque em uma ação de danos morais.

Os promotores de Justiça do Ministério Público de São Paulo Cássio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique de Moraes Araújo, que denunciaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pedem que o jornal Folha de S.Paulo indenize em pelo menos R$ 200 mil cada um.

Na ação, que tramita na 32ª Vara Cível de São Paulo, eles alegam que tiveram a honra ofendida ao serem "ridicularizados" em notícia publicada pelo jornal.

A reportagem em questão foi publicada no dia 12 de março, três dias depois de o MP-SP denunciar e pedir a prisão de Lula, sua mulher e outras 14 pessoas por crimes envolvendo lavagem de dinheiro e falsidade ideológica ao ocultar bens, como o famoso triplex em Guarujá.

Na notícia intitulada "Especialistas criticam as peças de acusação contra Lula", o jornalista Mario Cesar Carvalho se utiliza do sigilo da fonte logo no início do texto ao não identificar os professores de Direito e especialistas consultados que, entre outras coisas, classificaram a acusação como "um lixo" e chamaram os promotores de "três patetas".

Para os promotores, ao colocar essas informações sem especificar quem disse o que, cabe ao jornal responder pelas afirmações. "Não podem ser consideradas expressões provenientes de terceiros, se não foram eles identificados", dizem os promotores na petição inicial. A Folha diz que ainda não foi citada a respeito deste processo.

Para os integrantes do MP-SP, pensar diferente "permitiria que quaisquer ofensas ganhassem imunidade se mantido o anonimato de seus prolatores", o que é vedado pelo artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal.

Ao defenderem a condenação por danos morais, os autores alegam que jamais tiveram sua integridade e nome atacados de forma tão contundente e desrespeitosa.

"Não é difícil avaliar o constrangimento dos autores diante da maneira como eles e o trabalho que desenvolveram foram desqualificados, tendo sua imagem, nome e carreira maculados perante outros profissionais do Direito, além de amigos, colegas e de toda sociedade", diz a petição, assinada pelos advogados Paulo Rangel do Nascimento e Elaine Cristina Rangel do Nascimento Bonafé.

Denúncia criticada
Ao denunciarem o ex-presidente Lula, os promotores afirmaram que sua prisão era necessária porque ele demonstra “ira contra as instituições do sistema de Justiça”, inflamando a população e reclamando de medidas judiciais. Dizem ainda que a prisão do ex-presidente seria fundamental para a "garantia da ordem pública", pedindo que o Judiciário, caso determine a preventiva, deixe que eles cumpram o mandado, "tudo a fim de obter a melhor forma de operacionalização das medidas".

Na ação que pedem indenização por danos morais, os promotores afirmam que o trabalho por eles desempenhado foi elogiado por colegas, inclusive em reunião do Conselho Superior do Ministério Público no dia 15 de março. No entanto, a acusação foi muito criticada por advogados e professores de Direito.

Além da Folha de S.Paulo, outros veículos publicaram notícias com críticas às acusações e aos integrantes do MP-SP. O jornalista Ricardo Noblat, por exemplo, em texto publicado no jornal O Globo chamou os autores da acusação de "três jovens e tolos promotores públicos de São Paulo, à procura dos seus 10 minutos de fama e — quem sabe? — de uma nota de rodapé em futuros livros de História".

Além disso, ao criticar a denúncia, afirmou que "a peça produzida pelos três não é apenas uma peça jurídica que, por medíocre, desmorona à medida em que a leitura avança. É vazia, embora apenas prenhe de adjetivos barulhentos e inócuos. É panfletária. E sequer disfarça a má vontade que seus autores devotam a Lula".

Na ConJur, diversos especialistas consultados também criticaram a denúncia feita. O advogado Lenio Streck, professor de Processo Penal e ex-procurador de Justiça, classificou o pedido como temerário. "Parece que a legalidade cedeu lugar à apreciação moral no Brasil. O artigo 312, ao que consta, não foi revogado", afirma. "Estamos perigosamente corrigindo o Direito pela moral. Estamos esticando a corda ao máximo. Parcela dos juristas brasileiros está auxiliando para o esgarçamento do Estado Democrático. Princípios constitucionais deram lugar a valores contingentes", afirmou, na ocasião.

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