Nem todo contato entre concorrentes visa a cartelização
6 de outubro de 2016, 8h00
A resina de PVC (policloreto de vinila) é o único material plástico não originário 100% do petróleo, pois contém, em peso, 57% de cloro (derivado do cloreto de sódio — sal de cozinha) e 43% de eteno (derivado do petróleo). O cloro é obtido a partir do sal marinho, pelo processo de eletrólise, reação química resultante da passagem de corrente elétrica por água salgada (salmoura). O processo relativo ao petróleo é mais longo: da destilação do óleo cru obtém-se a nafta leve, que passa pelo processo de craqueamento catalítico (quebra de moléculas grandes em moléculas menores com a ação de catalisadores para aceleração do processo), gerando o eteno. Da reação do cloro com o eteno, ambos na fase gasosa, chega-se ao DCE (dicloro etano) e, posteriormente ao MVC (mono cloreto de vinila), unidade básica do polímero; polímero esse que se forma pela repetição da estrutura monomérica. Finalmente, as moléculas de MVC são submetidas ao processo de polimerização, ou seja, elas ligam-se, formando molécula muito maior, conhecida como PVC (policloreto de vinila), que é um pó de cor branca, muito fino e totalmente inerte.
O processo acima descrito, por ser capital intensivo, é realizado por grandes empresas petroquímicas, pois, para que o processo de produção seja econômico, os reatores necessitam funcionar em toda a sua plenitude, o que torna o processo produtivo pouco flexível e dispendioso. Isso explica a agressividade mercadológica dos produtores, que tem como meta a venda de tudo o que é produzido.
As características da produção e da demanda mundiais da resina de PVC, bem como a necessidade de comprar para atender o mercado existente, aliada à necessidade de exportar a produção excedente, em suma a lei da oferta e da procura, cria um mercado nervoso e oscilante. Daí ser o tempo decisivo e a volatilidade grande. A pressão é dada, tanto, pelos volumes disponíveis para venda e necessidades de compras; quanto por outros fatores que interagem no processo, complicando sobremaneira o mercado internacional. Nesse tocante o exemplo brasileiro é paradigmático.
O mercado brasileiro de resina de PVC possui uma demanda anual de, aproximadamente, 1,33 milhão de toneladas de resina. Sendo sua produção interna de 900 mil toneladas ano, o mercado interno terá que importar 430 mil toneladas. Ademais há problemáticas internas, como: direitos antidumping, que oneram as importações dos EUA, Coreia etc.; necessidade de antecipar impostos para nacionalizar a mercadoria importada; e o fator mais impactante, atualmente, a taxa do dólar. Lembre-se que, de janeiro a setembro de 2015, a alta do dólar, no Brasil, foi de 45%.
Outro aspecto importante, na análise do mercado de resina de PVC, reside nas barreiras tarifárias e na taxa do dólar.
Continuemos a focar o caso brasileiro, como exemplo. Em 2014 e 2015, estima-se que o preço do barril de petróleo no mercado internacional, em dólares, manteve tendência de queda; o preço internacional da resina de PVC, em dólares, caiu no mercado internacional; enquanto que a taxa de câmbio do dólar, no Brasil, subiu. Isso resultou na elevação dos preços brasileiros da resina, enquanto que nos mercados internacionais os movimentos eram todos de baixa de preços. Por isso a dificuldade de apresentar e convencer os clientes e produtores que usam a resina de PVC, apesar da tendência mundial, os preços no Brasil subiram vertiginosamente.
Quem mais consome PVC é a construção, cuja movimentação se liga, intimamente, às perspectivas da economia e a fatores externos, como inverno rigoroso, por exemplo. As perspectivas, no mercado global, para a construção civil, de 2015 a 2020, situam-se em patamar de risco elevado, o que, certamente, influenciará as perspectivas para o mercado de construção brasileiro; tanto mais que, em processo econômico recessivo a construção civil é a primeira a parar e a última a reativar-se.
A dinâmica dos quatro pontos verificados, que interagem fortemente — pouca flexibilidade no processo produtivo, oferta e procura, barreiras tarifárias/taxa do dólar e variáveis externas incontroláveis —, criam milhares de possibilidades e caracterizam o mercado de PVC, como difícil e pouco previsível. Por isso, florescem empresas de serviços e consultorias de análises de preços e condições, logística, mudanças estratégicas de produção, influências do câmbio etc., para servir a cadeia do PVC. Tal situação potencializa-se, por ser o insumo de produção — a resina de PVC — integrante de outra cadeia de custos.
Os profissionais brasileiros, que trabalham na cadeia do PVC, são a todo momento desafiados, por circunstâncias novas e imprevistas. Assim, é usual conversas entre concorrentes, sem que isso, de per si, signifique acordos e/ou ações combinadas que alterem o livre desenvolvimento do mercado do PVC.
É normal e usual que empresas tenham contato entre si, para os mais variados fins, de que as conversações para realizar um consórcio em licitação, é um exemplo[1]. Os contatos entre empresas concorrentes em um mesmo segmento, por vezes, são necessários. A problemática, entretanto, reside no fato de a concertação de um cartel também ser engendrado por meio de contatos entre empresas. Daí, a necessidade de extremo cuidado por parte das autoridades e os operadores do direito e da economia, em separar o joio da trigo, pois obviamente nem todos os contatos podem ser tidos como acordos colusivos.
Simule-se agora, o estudo de um caso. Suponhamos que, com base em acordo de leniência, o Cade instaure processo administrativo contra meia dúzia de empresas e cerca de dez pessoas físicas, todas do ramo de PVC. Obviamente a suposta participação e envolvimento no fato, tanto das empresas quanto das pessoas físicas, é sempre diferenciada.
A primeira observação de cunho genérico a se ter em mente, é que a delação, em si, não constitui prova bastante; sendo imprescindível cabal corroboração individualizada dos fatos, com referência a cada empresa e a cada pessoa física. Por ser a leniência estratégia de defesa, ela não é, de per si, prova da existência real de cartel. Antes que se possa fazer um julgamento, impõe-se que o declarado por ocasião da delação premiada, seja confrontado e sopesado com outras declarações, indícios e documentos disponíveis.[2]
Como, normalmente, a participação é diferenciada, há que se verificar o papel de cada empresa e de cada pessoa física nas condutas. Somente depois disso poder-se-á concluir pela culpabilidade ou não; e, em caso positivo, qual o respectivo grau.
Um procedimento administrativo com tantas empresas e pessoas envolvidas é demorado e custoso, o que já se constitui em pena, mesmo que sobrevenha a improcedência. Por outro lado, nem sempre há, por parte da autoridade, a verificação, previamente à instauração do processo, de que há indícios realmente robustos, para fundamentar o indiciamento de cada pessoa jurídica ou física.
Finalizando o caso simulado ora em estudo, imaginemos haver dentre as várias pessoas jurídicas indiciadas, cuja participação nos fatos se limite a uma única comunicação eletrônica, que não tenha conteúdo colusivo e possa ser justificada pelas características e circunstâncias próprias do mercado de PVC. Como já houve o indiciamento, impor-se-ia, agora, o arquivamento do processo administrativo em relação a ele; ou, ao menos, em juízo sumário, sua liberação desde logo do processo. Com isso, o custo Brasil será menor e diminuir-se-ão os danos,com relação à pessoa em si e à economia nacional.
1 Ver Rodas, João Grandino, Falta de segurança jurídica desestimula consórcios em licitações. Revista Eletrônica Consultor Jurídico, 28 de janeiro de 2016.
2 Ver Rodas, João Grandino, Acordos da ‘lava jato’ propiciaram tomografia de um suposto cartel. Revista Eletrônica Consultor Jurídico, 18 de junho de 2015.
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