Deputados incluem abuso de autoridade em pacote anticorrupção
30 de novembro de 2016, 9h42
Com muitas mudanças, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quarta-feira (30/11), o projeto de lei com medidas contra a corrupção (PL 4.850/2016). A matéria, aprovada por 450 votos a 1, será enviada ao Senado.
O projeto aprovado é bem diferente texto original enviado pelo Ministério Público Federal. Das propostas do MPF, foram mantidas a tipificação do crime eleitoral de caixa dois, a criminalização do eleitor pela venda do voto e a transformação de corrupção que envolve valores superiores a 10 mil salários mínimos em crime hediondo.
Abuso de autoridade
Contudo outras foram inseridas pelos deputados em Plenário. Ao todo, 16 destaques foram aprovados, entre eles a responsabilização de juízes e de membros do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade. Entre os motivos listados está a atuação com motivação político-partidária. Integrantes da "lava jato" pressionaram contra, classificando a proposta como tentativa de "aterrorizar" procuradores, promotores e juízes.
Pelo texto aprovado, juízes poderão responder por crime de responsabilidade, nos seguintes casos: alterar decisão ou voto já proferido (exceto se por recurso); julgar quando estiver impedido ou suspeito; exercer atividade político-partidária; proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções; exercer outra função ou atividade empresarial; receber custas ou participação em processo; manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento.
Qualquer cidadão poderá representar contra magistrado perante o tribunal ao qual está subordinado. Se o Ministério Público não apresentar a ação pública no prazo legal, o lesado pelo ato poderá oferecer queixa subsidiária, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil e organizações da sociedade civil constituídas há mais de um ano para defender os direitos humanos ou liberdades civis.
Já os promotores podem responder por crimes de responsabilidade nos casos de emitir parecer quando estiver impedido ou suspeito; se recursar a agir; proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo; receber honorários, percentagens ou custas processuais; exercer a advocacia; participar de sociedade empresarial; exercer qualquer outra função pública, com exceção do magistério e exercer atividade político-partidária.
Pontos excluídos
A maior parte dos destaques excluiu diversos pontos do substitutivo aprovado na comissão especial. Um destaque do PSB suprimiu toda a parte do projeto relativa ao Programa de Proteção e Incentivo a Relatos de Informações de Interesse Público, o chamado "reportante do bem".
Pela proposta, qualquer cidadão que relatar atos ilícitos perante a administração contaria com proteção contra atentados a sua integridade física, além da possibilidade de receber um percentual de recursos que viessem a ser recuperados pelo Estado. A medida foi apelidada por deputados contrários de “incentivo a dedo duro”.
Por 317 a 97, também foi retirado do texto a parte que trata da extinção de domínio de bens e propriedades do réu quando provenientes de atividade ilícita ou usados para tal. Esse trecho do texto original facilitaria o confisco de bens provenientes de corrupção — o destaque foi apresentado pelo PR.
Outro destaque aprovado, de autoria do PT, retirou do projeto uma regra que condicionava a conversão de pena restritiva de direitos com a reparação do dano causado ou do valorizado. O texto do projeto condicionava, nos crimes contra a administração pública, que a progressão para uma pena mais branda ficaria condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.
As alterações propostas nas regras de prescrição de crimes também foram retiradas do texto. Entre elas estavam a que previa que a contagem do prazo para prescrição começaria a partir do oferecimento da denúncia e não do seu recebimento. Também foi aprovado outro destaque, apresentado pelo bloco PP-PTB-PSC, que retira do texto a tipificação do crime de enriquecimento ilícito e a decretação de perda estendida de bens de origem ilícita, a favor da União, se assim considerados por consequência da condenação transitada em julgado por vários crimes.
O Plenário aprovou, por 220 votos a 151, destaque do PSOL que retirou do projeto de lei todo o trecho sobre o acordo penal, que poderia ser formalizado após o recebimento da denúncia e até a promulgação da sentença, implicando a confissão do crime e a reparação do dano. Também foi aprovado, por 280 votos a 76, o destaque do bloco PP-PTB-PSC que retirou do projeto de lei texto no qual é suprimida a defesa prévia nas ações de atos de improbidade, permanecendo a regra atual prevista na legislação.
Também foi retirado do projeto de lei todos os artigos sobre reformulação das regras relativas aos acordos de leniência, após a aprovação do destaque do PT por 207 votos a 143.
Os deputados aprovaram, na última votação da madrugada, destaque do PR ao projeto de lei que mantém na legislação dispositivo que prevê a responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes partidários somente se houver irregularidade grave e insanável com enriquecimento ilícito decorrente da desaprovação das contas partidárias. O texto aprovado ainda exclui do Decreto-Lei 201/1967 o crime atribuível ao prefeito que se apropriar de bens ou rendas públicas ou desviá-los.
Novos crimes
De acordo com o texto, do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), o caixa dois eleitoral é caracterizado como o ato de arrecadar, receber ou gastar recursos de forma paralela à contabilidade exigida pela lei eleitoral. A pena será de reclusão de 2 a 5 anos e multa. Se os recursos forem provenientes de fontes vedadas pela legislação eleitoral ou partidária, a pena é aumentada de um terço.
A possível anistia ao caixa dois foi um dos temas que mais gerou polêmicas no projeto. Chegou a circular um rumor de que seria apresentada uma emenda ao projeto para promover a anistia. Contudo, ela não foi apresentada. O eleitor que negociar seu voto ou propor a negociação com candidato ou seu representante em troca de dinheiro ou qualquer outra vantagem será sujeito a pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa.
Vários crimes serão enquadrados como hediondos se a vantagem do criminoso ou o prejuízo para a administração pública for igual ou superior a 10 mil salários mínimos vigentes à época do fato. Incluem-se nesse caso o peculato, a inserção de dados falsos em sistemas de informações, a concussão, o excesso de exação qualificado pelo desvio, a corrupção passiva, a corrupção ativa e a corrupção ativa em transação comercial internacional.
Pena maiores
O projeto aprovado em Plenário também prevê a pena escalonada para vários crimes, conforme a vantagem conseguida com o ato ou o prejuízo causado à administração pública. Estão nesse caso os crimes de peculato, inserção de dados falsos em sistemas de informação, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa e corrupção ativa em transação internacional.
Para valores iguais ou maiores que 100 salários mínimos, a pena de reclusão será de 7 a 15 anos. De 1 mil salários ou mais, será de 10 a 18 anos; enquanto os valores de 10 mil salários mínimos ou mais darão pena de 12 a 25 anos. O texto aprovado também exclui do Decreto-Lei 201/67 o crime atribuível ao prefeito que se apropriar de bens ou rendas públicas ou desviá-los.
Sem troca
Para evitar decisões de juízes que optam pela comutação da pena restritiva de liberdade por penas restritivas de direitos, possível quando a pena mínima for inferior a quatro anos, foi aumentado o limite mínimo da pena de vários crimes para quatro anos. Entram nessa lista os crimes de peculato, concussão, inserção de dados falsos em sistemas de informações, excesso de exação, corrupção passiva, corrupção ativa e corrupção ativa em transação internacional.
No caso do estelionato, a pena de reclusão é ampliada de 1 a 5 anos para 2 a 8 anos, mas novos agravantes são criados: se o crime for cometido contra entidade de economia popular, assistência social, de beneficência, organização da sociedade civil de interesse público ou fundo de pensão.
Se o estelionato for cometido contra a União, os estados, o Distrito Federal ou os municípios e a administração indireta, haverá uma progressão: 4 a 10 anos para vantagens de 100 salários mínimos ou mais; de 6 a 12 anos se for de 1 mil salários ou mais; e de 8 a 14 anos para valores de 10 mil salários mínimos ou mais.
Ação popular
O texto aprovado amplia o conceito de ação popular para permitir a isenção de custas judiciais e de honorários de sucumbência e aumentar o leque de temas sobre os quais pode versar. Qualquer cidadão poderá apresentar ação popular para anular ato lesivo ao patrimônio público ou entidade da qual o Estado participe relativo ao meio ambiente, à moralidade administrativa e ao patrimônio histórico e cultural. As ações populares poderão atingir também contratos de qualquer destinatária de recursos públicos, inclusive concessão, autorização ou convênio.
Se o pedido de ação popular for julgado total ou parcialmente procedente, o autor terá direito a retribuição de 10% a 20%, a ser paga pelo réu, e incidente sobre o valor da condenação por perdas e danos, das custas e despesas processuais e das multas impostas, e qualquer valor que venha a ser ressarcido aos cofres públicos em razão da nulidade ou anulação do ato lesivo, a partir de 120 salários mínimos.
Para ter direito à retribuição, o autor da ação deve ter sido, comprovadamente, a fonte primária e original das informações sobre os fatos, apresentando-as anteriormente ao conhecimento público. Se os fundamentos da ação popular forem idênticos aos apurados em investigação ou processo administrativo ou ação judicial anterior, o autor não terá direito à retribuição.
Acusação temerária
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) também é modificada pela emenda aprovada para prever como crime a proposição de ação contra agente público ou terceiro beneficiário com ato classificado como “temerário”. A pena é aumentada de detenção de 6 a 10 meses para reclusão de 6 meses a 2 anos.
Uma emenda prevê ainda que, nas ações civis públicas “propostas temerariamente por comprovada má-fé, com finalidade de promoção pessoal ou por perseguição política”, a associação autora da ação ou o membro do Ministério Público será condenado ao pagamento de custas, emolumentos, despesas processuais, honorários periciais e advocatícios.
Comissões parlamentares
O texto do relator, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), muda ainda a lei dos crimes de lavagem de dinheiro (9.613/98) para torná-lo um crime contra a ordem econômico-financeira na atividade eleitoral ou partidária. As comissões parlamentares de inquérito também poderão pedir dados que envolvam a quebra ou transferência de sigilo, mas a regra valerá inclusive para pedidos com base em outras leis.
O descumprimento das ordens de liberação do sigilo sujeitará a instituição financeira a multas de R$ 1 mil a R$ 10 milhões, calculadas pelo juiz em razão da relevância do caso, da urgência das informações, da reiteração da falta e da capacidade econômica da empresa. A multa será revertida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos.
Responsabilização de partidos
Para responsabilizar os partidos políticos por atos contra a administração, o projeto modifica a lei sobre responsabilidade de pessoas jurídicas. Entre os atos listados estão prometer vantagem indevida a agente público, financiar a prática dos atos ilícitos, usar outra pessoa para ocultar seus reais interesses, fraudar licitações e contratos e dificultar a investigação ou a fiscalização.
A culpa dos partidos, nos âmbitos administrativo, civil e eleitoral, também será julgada por arrecadar ou receber recursos de caixa dois ou de doadores proibidos de doar.
A responsabilidade incidirá sobre a direção envolvida nos ilícitos, de acordo com a circunscrição eleitoral, subsistindo no caso de fusão ou incorporação. Nesses casos, a responsabilidade será limitada à obrigação de pagamento de multa e à reparação integral do dano causado até o limite do patrimônio transferido.
A multa será de 5% a 20% do valor de repasses de cotas do Fundo Partidário referentes ao exercício no qual ocorreu o ato. Os descontos ocorrerão nos novos repasses dos exercícios seguintes ao da condenação. O valor da multa não deve ser inferior ao da vantagem obtida, quando for possível estimá-la.
Quando da condenação, o partido terá também de publicá-la em meios de comunicação de circulação nacional e em sua página na internet. O processo e o julgamento da responsabilidade dos partidos políticos serão de competência da Justiça Eleitoral e obedecerão ao rito da Lei Complementar 64/90.
Caberá ao Ministério Público Eleitoral propor a ação. Se necessário, o procedimento investigatório deverá ser concluído em 180 dias, prorrogáveis por igual período.Os estatutos dos partidos terão de conter mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades; e código de ética e conduta de seus filiados.
Para as licitações, o texto define abuso de preço quando houver a cobrança do setor público, sem justificativa razoável, de valor superior ao praticado pela empresa junto à iniciativa privada. Para comprovar a regularidade do preço segundo as condições de mercado, o réu poderá apresentar notas fiscais de comercialização ou livros fiscais, podendo requerer a realização de perícia contábil.
Regras processuais
O projeto aprovado também altera ainda regras para os embargos de declaração, criando a possibilidade de sua apresentação para corrigir erro material. Entretanto, poderão ser propostos uma única vez em cinco dias. Após apresentado, o juiz intimará a outra parte para se manifestar caso o acolhimento do recurso implique a modificação da decisão. Após isso, terá mais cinco dias para julgar o embargo.
Em relação ao pedido de vista, o texto determina que, se o magistrado não se considerar habilitado a proferir imediatamente seu voto, poderá pedir vista por um máximo de dez dias, após o qual o recurso será reincluído em pauta para julgamento na sessão seguinte à data da devolução. Com informações da Agência Câmara e Agência Brasil.
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