Uso de grampo entre Dilma e Lula divide opiniões de profissionais do Direito
19 de março de 2016, 17h30
A interceptação telefônica envolvendo a presidente Dilma Rousseff (PT) e seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva foi analisada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, na decisão liminar que suspendeu a nomeação de Lula para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, nesta sexta-feira. A decisão final caberá ao Plenário da corte, que só volta a se reunir no dia 30 de março.
A nomeação de Lula é questionada por ser vista como uma manobra para tirar da competência do juiz Sergio Moro o processo a que responde na 13ª Vara Federal de Curitiba, no âmbito da "lava jato", e transferi-lo para o Supremo Tribunal Federal, por conta da prerrogativa de foro.
O objetivo prático seria evitar um eventual decreto de prisão de Moro contra Lula. No diálogo interceptado, a presidente Dilma faz referência a um termo de posse que seria enviado a Lula, para ser usado em "caso de necessidade".
Em sua decisão, o ministro Gilmar Mendes reconheceu que a validade do grampo é contestada por ter sido feito após ordem judicial do juiz Sergio Moro para determinar a suspensão dos procedimentos. "No momento, não é necessário emitir juízo sobre a licitude da gravação em tela. Há confissão sobre a existência e conteúdo da conversa, suficiente para comprovar o fato", ponderou. O ministro menciona que a conversa foi admitida em uma nota oficial e no discurso de posse do ex-presidente Lula na Casa Civil.
"Há uma admissão pessoal da existência da conversa e da
autenticidade do conteúdo da gravação", escreveu o ministro em sua decisão, que continua: "Estamos diante de um caso de confissão extrajudicial, com força para provar a conversa e seu conteúdo, de forma independente da interceptação telefônica. Aplicam-se, aqui, o art. 212, I, do Código Civil combinado com o art. 353 do Código de Processo Civil, vigente por ocasião das declarações."
Contraponto
O jurista Lenio Streck, colunista da ConJur e professor do programa de pós-graduação da Unisinos, tem opinião oposta. Entre suas objeções, a primeira é que o próprio juiz Sergio Moro já admitiu que a escuta foi ilegal, porque foi feita depois que ele havia determinado a suspensão. Streck argumenta que Moro disse eufemisticamente que a prova foi irregular e esta admissão basta para torná-la nula.
Além disso, aponta que o delegado da Polícia Federal responsável cometeu um crime ao enviar ao juiz uma escuta feita de forma ilegal. "Ou isso, ou a culpa será do estagiário da empresa de telefonia, que ficou fazendo grampo depois da interrupção determinada por Moro à Policia Federal. Mas isso, no máximo, tiraria o dolo da ação da polícia, mas jamais teria o condão de transformar a ilicitude em licitude".
Streck também argumenta que o juiz, assim agindo, divulgou o produto de uma ilicitude e, portanto, está sujeito às sanções do Código Penal e do artigo 17 da Resolucão 59 do Conselho Nacional de Justiça. E complementa: "Vejam que sequer estou discutindo a impossibilidade de Moro, juiz de primeiro grau, ouvir, mesmo que fortuitamente, uma conversa de quem tem prerrogativa".
Quando foi detectado que a presidente da República aparecia nas gravações, Lenio Streck explica que Moro deveria ter lacrado o conteúdo e enviado para o Ministério Público investigar a escuta ilegal. Isso porque sua ordem havia sido desobedecida e "toda a PF, o MPF e o juiz Moro sabem o que é um grampo proibido".
"De todo modo, uma coisa é certa: a conversa jamais poderia ser divulgada. Parece óbvio isso. A operação castelo de areia mostrou como uma interceptação ilícita pode anular um processo. O STJ e o STF sabem bem o que é isso. Chama-se fruto da árvore envenenada", conclui Streck.
Repercussão
Em reportagem deste sábado, o jornal O Globo repercutiu os desdobramentos do diálogo entre Dilma e Lula com outros especialistas. Para Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, o Supremo deveria criar uma jurisprudência para casos que possam vir a acontecer futuramente, independentemente da questão do uso ou não da prova.
“Vivemos um momento muito delicado e temos uma situação perigosa, onde uma escuta tomou contato não só com uma pessoa de foro privilegiado, mas simplesmente com a presidente da República”, disse ao jornal.
Ainda segundo ele, foram vagas as justificativas de Moro para divulgar os áudios, com base no interesse público. “O juiz é um escravo da lei. Ele sabia que havia a voz da presidente ali e teria que ter enviado aquele conteúdo para a análise do Supremo. E não divulgar logo na sequência”, diz Serrano.
Outros especialistas ouvidos pelo jornal discordam dessas teses. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, afirma que Moro, como responsável pelo processo, justificou devidamente a sua decisão de divulgar os áudios envolvendo a presidente da República. “Se o governo acha que há crime, deve representar ao Ministério Público para que avalie se houve uma conduta ilegal ou não”, disse.
Segundo o professor César Dario Mariano da Silva, da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, haveria a necessidade de envio ao STF caso fosse detectado que a pessoa com foro privilegiado, no caso a presidente, estivesse participando de um crime. A respeito dos indícios de que Dilma estava agindo para obstruir a Justiça, ele complementa que "esse crime de responsabilidade sequer existe formalmente". "Seria uma infração política, que teria de ser analisada pelo Senado, num eventual processo de impeachment", afirma.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!