Fora do horário

Moro reconhece erro em grampo de Dilma e Lula, mas mantém divulgação

Autor

17 de março de 2016, 11h36

O juiz federal Sergio Moro, titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba, reconheceu a irregularidade no grampo que interceptou a conversa da presidente Dilma Rousseff e o agora ministro da Casa Civil Luiz Inácio Lula da Silva — feito depois do horário que determinou a interrupção. Apesar disso, o juiz considerou válida a divulgação da conversa.

"Determinei a interrupção da interceptação, por despacho de 16/03/2016, às 11:12:22 (evento 112). Entre a decisão e a implementação da ordem junto às operadoras, colhido novo diálogo telefônico, às 13:32, juntado pela autoridade policial no evento 133. Não havia reparado antes no ponto, mas não vejo maior relevância", escreveu o juiz 

Às 11h13 de quarta (16/3), Moro despachou que, como já haviam sido feitas “diligências ostensivas de busca e apreensão”, “não vislumbro mais razão para a continuidade da interceptação”. Por isso, ele determinou a interrupção das gravações. O delegado da Polícia Federal Luciano Flores de Lima e as operadoras de telefonia foram informados da suspensão dos grampos até as 12h18.

Só que a conversa em que Dilma avisa a Lula que ele vai receber o termo de posse como ministro da Casa Civil aconteceu às 13h32. A própria PF foi quem contou isso ao juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, onde corre a “lava jato” e as investigações sobre Lula. Em comunicado enviado à vara às 15h34, o delegado Flores conta a Moro sobre o conteúdo. Mesmo assim, às 16h21, Moro determina o levantamento do sigilo do processo inteiro, inclusive da gravação da conversa entre a presidente e o antecessor dela.

Grampo ilegal
Para especialistas, o diálogo foi captado de maneira ilegal, e não poderia ter sido divulgado. Mas Sergio Moro discorda dessa opinião. “Como havia justa causa e autorização legal para a interceptação, não vislumbro maiores problemas no ocorrido, valendo, portanto, o já consignado na decisão do evento 135 [que autorizou a divulgação da conversa]”, opinou o juiz da operação “lava jato”.

A seu ver, também não é “o caso de exclusão do diálogo considerando o seu conteúdo relevante no contexto das investigações”, conforme já tinha deixado claro na decisão em que deu publicidade às conversas telefônicas de Lula.

Nesse despacho, Moro havia argumentado que “o levantamento propiciará assim não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal. A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”.

Watergate
Para fortalecer seu argumento de que nem mesmo o presidente "tem privilégio absoluto" na proteção de suas conversas, o juiz Sérgio Moro citou o caso US vs Nixon, de 1974, em que a Suprema Corte dos EUA decidiu que o então presidente Richard Nixon não poderia se recusar a fornecer gravações de conversas na Casa Branca a outros entes do Estado.

O julgamento decorreu do caso Watergate, descoberto por repórteres do jornal Washington Post, que receberam a informação de que o presidente republicano Richard Nixon grampeou reuniões do Partido Democrata. O escândalo culminou com a renúncia de Nixon.

Na opinião do jurista Lenio Streck, a comparação de Moro entre o caso norte-americano e o brasileiro "não tem absolutamente nada a ver". "Nixon não foi grampeado, ele que estava grampeando os outros", explicou o colunista da ConJur.

Ao comentar a divulgação dos grampos, Lenio traçou um paralelo com o caso americano e apelidou o caso de Morogate. "A vingar a tese de Moro de que não há mais sigilo [em conversas envolvendo autoridades, desde que elas não tenham sido diretamente grampeadas], todos os segredos da República poderiam ser divulgados. Uma cadeia de contatos que exporiam todo tipo de assunto que o Presidente da República falasse com pessoas sem foro”, analisou. “Quem examinar esse fato à luz da democracia, dirá: Moro foi longe demais".

Foro privilegiado
Sergio Moro também voltou a alegar que não houve irregularidade no fato de ele, um juiz de primeira instância, presidir inquéritos que envolvem autoridades com prerrogativa de foro, como Dilma, os ministros Jaques Wagner e Nelson Barbosa, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e o deputado Wadih Damous (PT-RJ), uma vez que o investigado era Lula, então sem privilégios.

“A circunstância do diálogo ter por interlocutor autoridade com foro privilegiado não altera o quadro, pois o interceptado era o investigado e não a autoridade, sendo a comunicação interceptada fortuitamente”, sustentou.

Na visão de advogados ouvidos pela ConJur, o juiz não poderia ter tornado públicas gravações que envolvem autoridades, já que isso é de competência do Supremo Tribunal Federal.

No despacho, Sergio Moro lembrou que caberá ao STF decidir sobre a validade desses áudios. Com isso, ele ordenou que a secretaria prossiga no cumprimento da decisão anterior, e destacou que se for confirmado que Lula tomou posse como ministro da Casa Civil, os autos deverão ser remetidos para o STF.

Violação de prerrogativas
Moro também tornou públicas conversas entre Lula e seu advogado Roberto Teixeira, que defende o ex-presidente desde os anos 1980. No entanto, Moro diz, em sua decisão: “Não identifiquei com clareza relação cliente/advogado a ser preservada entre o ex-presidente e referida pessoa [Roberto Teixeira]”.

Como exemplo, o juiz aponta que Teixeira não está listado como advogado em um dos processos de Lula na Justiça Federal do Paraná. Ele ignora o fato de constar na mesma ação o nome do advogado Cristiano Zanin Martins, sócio de Teixeira no escritório.

O responsável pela operação "lava jato" na 13ª Vara Federal de Curitiba diz que “há indícios do envolvimento direto” de Teixeira na aquisição do sítio em Atibaia (SP), que é alvo de investigações, “com aparente utilização de pessoas interpostas”. O juiz federal se justifica: “Se o próprio advogado se envolve em práticas ilícitas, o que é objeto da investigação, não há imunidade à investigação ou à interceptação”.

Cristiano Martins, sócio de Teixeira e também advogado de Lula, afirma que a interceptação e divulgação de conversas entre cliente e advogado “é de uma gravidade sem precedentes”.

“Monitorar advogado significa jogar por terra a garantia ao contraditório e à ampla defesa e, também, coloca em xeque as prerrogativas profissionais e a atuação do advogado no caso. É um assunto que eu acredito que a OAB não pode se furtar a tomar todas as providências cabíveis”, diz Martins.

Advogados como Wadih Damous, que também é deputado federal (PT-RJ), Alberto Zacharias Toron, Pedro Serrano e Fernando Fernandes também criticaram os grampos das conversas entre Lula e Teixeira, apontando que isso fere a inviolabilidade da comunicação entre advogado e cliente  prevista no artigo 7º do Estatuto da Advocacia.

Clique aqui para ler a íntegra do despacho.
Processo 5006205-98.2016.4.04.7000

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!