Opinião

Uma análise processual penal da situação do ex-presidente Lula

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17 de março de 2016, 16h22

No último dia 9 de março, o Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio dos promotores Cassio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique Araújo, denunciou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela prática dos delitos de falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Outras 15 pessoas também foram denunciadas, dentre elas o filho e a mulher de Lula.

Na mesma oportunidade, o parquet pleiteou, dentre diversas outras medidas, a decretação da prisão preventiva do ex-presidente.

O procedimento foi então submetido à apreciação do juízo da 4ª Vara Criminal do Foro Central da capital paulista, o qual, nessa segunda-feira (14/3), por entender que as questões centrais da exordial acusatória — ou seja, a de que Lula e seus familiares foram “beneficiados com um tríplex no Guarujá”, bem como de que a empreiteira OAS, por meio de seus membros, “comprou armários planejados para a cozinha e para a área de serviço tudo levado a crer que o modus operandi é, justamente, esse ocultar-se e beneficiar-se patrimonialmente” — terminam por lesar a União, determinou, com fundamento no artigo 76, incisos I e II, do Código de Processo Penal[1] e deixando inclusive de analisar a denúncia e o pedido de prisão preventiva  do ex-presidente, a remessa dos autos à 13ª Vara Federal de Curitiba,  da qual é titular o juiz federal Sergio Moro.

Durante essa última terça-feira (15/3), houve muita especulação, no mundo jurídico, sobre qual atitude seria adotada pelos representantes do Ministério Público Federal atuantes em Curitiba: ofereceriam nova denúncia de Lula? Iriam, da mesma forma como fizeram os promotores estaduais acima mencionados, pleitear, ao “cérebro” da operação “lava jato”, Sergio Moro, a prisão preventiva do ex-presidente?

Antes mesmo que, naquele momento, tais perguntas pudessem ser respondidas, a assessoria do Palácio do Planalto, nessa quarta-feira (16/3), confirmando boatos do dia anterior, anunciou que Lula fora nomeado ministro da Casa Civil, assim como consignou que a respectiva posse ocorrerá na presente data.

Com isso, a 13ª Vara Federal de Curitiba, antes mesmo de receber os autos da 4ª Vara Criminal do Foro Central da capital paulista, já não mais se manifestará, pelo menos até o momento em que as presentes considerações foram inicialmente escritas, em relação ao pedido de prisão preventiva de Luiz Inácio Lula da Silva, que, com a aludida nomeação para ministro de Estado, havia passado, nos exatos termos do artigo 102, I, “b” e “c”, da Constituição Federal[2], a ter foro espacial, ou seja, o direito de ser julgado pelos ministros que compõem a corte suprema.

Tal fato já foi, por si só, capaz de gerar imensa indignação pelo Brasil afora. Lula conseguira, até então, com a manobra, “escapar” das mãos de Sergio Moro e seria julgado por um tribunal que, há quem diga, teria tendência a lhe julgar de forma mais branda.

Horas depois, ainda no mesmo dia, um momento histórico na política nacional: Moro divulgou o teor das conversas obtidas por meio da interceptação do sigilo telefônico de Lula nos Autos de Interceptação Telefônica 054/2016. Dentre os diversos diálogos divulgados, a imensa maioria capaz de envergonhar qualquer cidadão brasileiro, um, em especial, ocupou com maior destaque os noticiários noturnos: trata-se de breve articulação, que abaixo transcreverei, entre Lula e a presidente Dilma Rousseff, na qual cada palavra proferida leva até o mais ingênuo a perceber que a nomeação do ex-presidente para o Ministério da Casa Civil teve, como precípua finalidade, impedir que o juiz Sérgio Moro viesse a analisar a decretação, ou não, da prisão preventiva do ex-presidente. Vejamos:

"DILMA: Alô.
LILS: Alô.
DILMA: LULA, deixa eu te falar uma coisa.
LILS: Fala querida. 'Ahn'
DILMA: Seguinte, eu tô mandando o 'BESSIAS' junto com o PAPEL pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o TERMO DE POSSE, tá?!
LILS: 'Uhum'. Tá bom, tá bom.
DILMA: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
LILS: Tá bom, eu tô aqui, eu fico aguardando.
DILMA: Tá?!
LILS: Tá bom.
DILMA: Tchau
LILS: Tchau, querida’"

Outra grave conversa interceptada é a que Lula manteve, no dia em que foi coercitivamente conduzido a depor, com o então ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, tendo o ex-presidente solicitado ao referido senhor que conversasse com a presidente Dilma Rousseff acerca da ministra Rosa Weber, relatora do feito que tramita no Supremo com a finalidade de tirar Sergio Moro da operação “lava jato”[3].

Menos de duas horas após assumir o cargo de ministro da Casa Civil, o ex-presidente foi surpreendido com a notícia de que o juiz federal Itagiba Catta Preta proferiu, liminarmente, decisão que suspendeu a referida nomeação, bem como qualquer outra que conceda à Lula prerrogativa de foro. 

Quase que paralelamente ao proferimento da decisão abordada no parágrafo acima, o juiz Sérgio Moro, que, com o fim da prerrogativa de foro de Lula, voltou a ser competente para apreciação dos crimes atribuídos ao ex-presidente, reconheceu erro no grampo que interceptou a conversa entre Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff acima narrada. Com relação aos também graves e vergonhosos outros diálogos interceptados, está constatado, pelo menos até o presente momento, que a quebra de sigilo ocorreu em observância aos ditames contidos no Código de Processo Penal e na Carta Magna.

A fim de discutir, sob a ótica do Direito Processual Penal, a possibilidade de vir a ser decretada a prisão preventiva do ex-presidente Lula, tecerei, abaixo, algumas breves considerações.

Muito embora a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal que atualmente compõem a corte pareçam ter esquecido, a liberdade, em nosso ordenamento jurídico, é a regra, de onde se depreende, contrario sensu, que a prisão é exceção.

Assim, conforme dispõe o artigo 312 do Código de Processo Penal, somente poderá haver a decretação da prisão preventiva em prol da “garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria’’.

Por conveniência da Instrução Criminal, nos dizeres do professor Eugenio Pacceli de Oliveira, “há de entender-se a prisão decretada em razão de perturbação ao regular andamento do processo, o que ocorrerá, por exemplo, quando o acusado, ou qualquer outra pessoa em seu nome, estiver intimidando testemunhas, peritos ou o próprio ofendido, ou ainda provocando qualquer incidente do qual resulte prejuízo manifesto para a instrução criminal. Evidentemente, não estamos nos referindo à eventual atuação do acusado e de seu defensor, cujo objetivo seja a da instrução, o que pode ser feito nos limites da própria lei’’.

Diversas, nos últimos anos, têm sido as decisões em que as cortes superiores, muitas vezes baseadas em elementos muito mais abstratos do que os tratados no presente caso, mantém a segregação do réu em nome, justamente, da chamada conveniência da instrução criminal[4].

Parece-nos, assim, que, no caso em debate, envolvendo Luiz Inácio da Silva, há de ser decretada a prisão do ex-presidente.

O teor das gravações é nítido em demonstrar como Lula, com suas articulações, conseguiu, quando sua prisão já era dada como certa, fazer manobra que, ao menos, adiou uma ainda possível decretação de prisão preventiva em seu desfavor, sendo possível admitir que a gravação da conversa do ex-presidente com Dilma Rousseff, se tivesse sido obtida de forma lícita, o que, segundo Sergio Moro, não ocorreu,  prejudicaria, inclusive, a aplicação da lei penal.

O fato de Lula ter solicitado a Jaques Wagner, em uma das conversas licitamente interceptadas que foram divulgadas nessa quarta-feira, que ele e a presidente Dilma precisariam conversar sobre eventual intervenção do Planalto junto à ministra Rosa Weber, relatora do feito no qual é solicitado o afastamento do juiz Sergio Moro da operação “lava jato”, também demonstra que o ex-presidente, se mantido em liberdade, poderá continuar articulando planos que, para dizer o mínimo, colocam em risco a conveniência da instrução criminal, daí mais um motivo pelo qual entendemos que a prisão preventiva Lula deve ser decretada.

Resta saber, agora, qual será o posicionamento dos representantes do Ministério Público da 13ª Vara Federal de Brasília acerca do caso, bem como e, principalmente, qual será a decisão a ser proferida pelo juiz Sergio Moro.

Em resumo, tudo pode acontecer! E que esse filme dramático representado não só pelo Poder Executivo, mas também pelo Judiciário e pelo Legislativo, numa clara e nítida falência estatal, possa terminar com final feliz.


[1] “Art. 76.  A competência será determinada pela conexão:
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas”.
[2] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
(…) b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;
[3] "(…) Lula: Eu acho até importante você falar com a Dilma. Eu acho que eles quiseram antecipar o pedido nosso que tá na Suprema Corte que tá na mão da Rosa Weber.
Jaques Wagner: Entendi.
Lula: Sabe, eles estão tentando antecipar, como eles ficaram com medo que a Rosa fosse dar, eles estão tentando antecipar tudo isso.
Jaques Wagner: Entendi.
Lula: Porque ela poderia tirar ele do Lava Jato então o Moro fez o espetáculo para comprometer a Suprema Corte."
[4] ASTJ, HC 287.502/SP

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