Opinião

Uso de estatística pelo Judiciário é perigoso e pode ser danoso à Justiça

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22 de junho de 2016, 12h54

*Artigo publicado originalmente nesta quarta-feira (22/6) no jornal Folha de S.Paulo com o título "O perigoso jogo dos números". 

Faz algum tempo o Poder Judiciário passou a basear-se em números para justificar pedidos e decisões. Prática duvidosa que começa a ganhar corpo. As questões de aplicação do direito, em especial as decisões judiciais, diferentemente da política criminal, devem pautar-se tão somente pelo direito posto.

A estatística no mundo do direito é muito bem-vinda. Trata-se de prática antiga em outros países ou campos do conhecimento. Atividade que, seguindo premissas, dogmas e metodologias desenvolvidas pela ciência, se torna importante mecanismo de compreensão.

Mais importante que os números obtidos, todavia, são a metodologia e o caminho percorrido. Únicas formas de verificarmos a autenticidade e legitimidade.
Mesmo sem conhecer a metodologia utilizada, é possível questionar tanto a pesquisa que embasou a execução penal provisória, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), quanto a suposta conformidade das instâncias superiores em relação às decisões do juiz federal Sergio Moro, repercutidas diariamente.

Quanto ao primeiro ponto, o ministro Roberto Barroso apresentou pesquisa empírica com números muito parecidos com os da Procuradoria-Geral da República.

Surge uma dúvida de maneira apriorística. Todos sabemos que muitas das questões em direito criminal não passam por recursos, mas sim pelo habeas corpus. Estaria ele contabilizado no estudo?

Isto sem contar o efeito jurisprudencial que atinge milhares de pessoas nas demais instâncias. Uma decisão favorável, do STF ou STJ (Superior Tribunal de Justiça), pauta decisões monocráticas de milhares de pequenas e grandes comarcas pelo país. Números incalculáveis, pesquisa inexequível, mas plenamente real. Sem esses dados, de nada adiantam os percentuais jogados ao vento.

Dizer que apenas 3,9% dos habeas corpus na Operação Lava Jato tiveram sucesso é, no mínimo, uma meia verdade. Fala-se ainda que apenas 17 dessas ações, num total de 432, tiveram a ordem concedida.

Como contraponto aos números apresentados, a taxa média de decisões favoráveis em habeas corpus no STJ é de 27,86%. Ou seja, mais de um quarto das revisões são favoráveis ao acusado. Dados desse tribunal indicam ainda uma taxa de sucesso de 29,30% nos recursos ali julgados.

Estariam na conta apresentada pelo ministro Barroso o número de ações não julgadas por questões técnicas e os julgamentos favoráveis à defesa estendidos a corréus?

Uma única decisão favorável do ministro Teori Zavascki foi aproveitada por mais oito corréus. Um aumento de 47% em relação à conta de padeiro divulgada. Não é pouco.

Qual a metodologia usada para dar uma certeza científica? A matemática é, muitas vezes, refém dela mesma.

Existe um ditado que muito bem ilustra a presente questão: "há três tipos de mentiras: mentiras, mentiras terríveis e estatística".

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