Arguição de suspeição

TJ-RS anula processo porque juíza "se sentiu feliz" com tese fraca da defesa

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11 de junho de 2016, 17h42

Juiz que manifesta sentimento de felicidade pela precariedade da tese defensiva, ao proferir sua sentença, torna-se suspeito, pois deixa escapar inclinação psicológico-afetiva pela tese acusatória. Com isso, compromete a posição de equidistância que se espera de um juiz imparcial.

O entendimento levou a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a decretar a nulidade de um processo-crime julgado pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Sapucaia do Sul (região metropolitana de Porto Alegre), a partir da audiência de instrução. Agora, os atos processuais serão todos renovados, mas sob a presidência de outro magistrado.

O imbróglio processual ocorreu porque a juíza Taís Culau de Barros registrou na sentença a seguinte frase, em arremate à sua fundamentação: ‘‘Felizmente, a tese defensiva não prospera, tendo a caracterização do crime previsto no artigo 180 caput do Código Penal restado perfectibilizada’’. O réu, atendido pela Defensoria Pública do estado, acabou condenado por receptação dolosa, com pena de um ano e dois meses de prisão, em regime semiaberto.

A desembargadora Jucelana Pereira dos Santos, que atuou como revisora na análise da apelação, não viu nada demais. Na sua percepção, o uso da expressão não é motivo suficiente para reconhecer a suspeição da juíza. ‘‘É verdade que a escolha da palavra foi equivocada, mas isso não significa que ela estivesse demonstrando sentimento de felicidade, tampouco evidencia ‘carga de compromisso’ dela com a tese acusatória, até porque, assistindo à mídia da audiência presidida pela sentenciante, não se percebe nenhum tipo de comportamento que possa apontá-la como parcial’’, justificou no voto. Entretanto, a revisora ficou em posição isolada, pois foi vencida pelos desembargadores Carlos Alberto Etcheverry e José Conrado Kurtz de Souza, que atuou como relator.

Vinculação subjetiva com a acusação
Segundo Kurtz, o sistema acusatório adotado pela Constituição de 1988 trouxe para o processo penal a ‘‘triangulação subjetiva processual’’, composta pelas duas partes, em pé de igualdade, e pela figura do juiz. Este último é um ente equidistante — independente e imparcial —, que tem a missão de garantir a tramitação do processo dentro dos limites impostos pela lei.

O relator também citou a doutrina de Aury Lopes Júnior, para quem o sistema acusatório assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado. Com isso, complementou, é possível evitar que algum abuso estatal se manifeste na figura daquele juiz que, ‘‘apaixonado’’ pelo resultado do seu trabalho, se esquece dos princípios básicos da Justiça e trate o suspeito como condenado desde o início do processo.

‘‘A expressão ‘felizmente’, utilizada pela magistrada para concluir que ‘a tese defensiva não prospera’, permita-se aqui a ênfase repetitiva, não repousa apenas no campo semântico, mas vai bem além, traduzindo-se em inequívoca expressão emocional de vinculação subjetiva — psicológico-afetiva —, ab initio, à tese acusatória, o que é incompatível com a isenção interna e psicológica do julgador, isenção exigida basilarmente pela Constituição Federal’’, arrematou o relator. O acórdão, por maioria, foi lavrado na sessão do dia 12 de maio.

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