Matéria processual

A inconstitucionalidade da Medida Provisória 703, sobre acordos de leniência

Autor

  • Octavio Orzari

    é sócio do escritório Machado de Almeida Castro & Orzari mestre e doutorando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca.

9 de janeiro de 2016, 10h50

A Medida Provisória 703, de 18 de dezembro de 2015, que dispõe sobre acordos de leniência, contempla uma flagrante inconstitucionalidade: a revogação do parágrafo 1º do artigo 17 da Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa), que vedava acordos, transações ou conciliações em ações de improbidade administrativa.[1] A referida lei visa a coibir atos de enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e de ofensa a princípios da administração pública.

A revogação da proibição de acordos em improbidade administrativa (passando, assim, a ser admitidos) promovida pela medida provisória chama atenção porque a vedação se inseria na parte processual da Lei de Improbidade.

Tal norma existia para que não ocorressem negociações acerca de interesses públicos indisponíveis e excluía da matéria de improbidade administrativa, considerando a gravidade das condutas, a possibilidade de celebração de termos de ajustamento de conduta extrajudiciais ou judiciais, que podem oferecer tutela preventiva e reparatória específica em outras áreas, tais como direito do consumidor ou ambiental.[2]

Independentemente dos aspectos práticos relativos à medida provisória, a vedação de tais acordos é norma de natureza processual e a Constituição da República é expressa em vedar medidas provisórias que disponham sobre matéria processual.[3]

Ademais, as medidas provisórias necessitam dos requisitos constitucionais de relevância e urgência, que não se coadunam com alterações de regras processuais.

Diante da clareza da disciplina constitucional das medidas provisórias, mostra-se descabido eventual argumento de que a medida provisória é discutida no Congresso Nacional na forma de um “projeto de lei de conversão”, e que tal discussão, ainda que abreviadíssima, sanaria a direta inobservância da vedação de dispor sobre matéria processual.

O que a Constituição quis evitar é a imediata intervenção, por ato do Poder Executivo, em questões processuais (como faz em outras matérias no parágrafo 1º do artigo 62), já que a medida provisória tem força de lei e entra em vigor imediatamente. Ou seja, a Constituição protege a sociedade de bruscas alterações legislativas que entrem em vigor da noite para o dia. Não é impertinente lembrar que o Poder Executivo tem amplo poder de iniciativa legislativa, inclusive em regime de urgência.

Assim, além da vedação constitucional em questão e dos requisitos de relevância e urgência para as medidas provisórias, o que está em jogo é a independência dos poderes e a primazia do Poder Legislativo na elaboração das leis, uma vez que este poder discute as normas jurídicas que devem reger a sociedade por meio das regras abertas do processo legislativo.


[1] ORZARI, Octavio. Compromisso de ajustamento de conduta: eficácia de proteção de interesses transindividuais. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2004.

[2] Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:

(…)

b) direito penal, processual penal e processual civil;

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