Justiça Tributária

Depósitos bancários, movimentação financeira e o Imposto de Renda

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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1 de fevereiro de 2016, 7h00

Spacca
São muito comuns lançamentos de Imposto de Renda com multas e juros com base em extratos bancários. Há casos em que o próprio contribuinte fornece os dados ao Fisco, e a apuração resulta de requisição a instituições financeiras.

A Lei Complementar 105 de 10 de janeiro de 2001, regulamentada pelo Decreto 4.489 de 28 de novembro de 2002, que trata do sigilo bancário, deu oportunidade a interpretações equivocadas. 

A lei concede ao Executivo a autorização para disciplinar os critérios para que as instituições financeiras informem ao Fisco as operações de seus clientes. O Decreto 4.489 determina que a Secretaria da Receita Federal edite instruções para a execução dessas normas.

O Fisco intima o contribuinte para comprovar a origem e a aplicação de todos os valores apurados. Isso alcança também os cartões de crédito.

Mesmo que sejam prestadas informações, surgem autos de infração nos quais os valores dos depósitos são considerados receitas omitidas e tributados com acréscimos de multas, juros e correção monetária.

Em 2 de maio de 2011, sob o título Contribuinte pode se recusar a entregar extrato, analisamos que não é obrigatório o fornecimento de extratos bancários ao Fisco. Registramos que:

“Os extratos bancários não são documentos no sentido legal do termo. Não há lei que obrigue o contribuinte a conservá-los. Aliás, desses papéis invariavelmente consta a expressão ‘extrato para simples conferência’, o que por si só revela que se trata de um papel que não cria obrigações nem gera direitos. Tanto assim que, se alguém tiver um lançamento em seu extrato feito de forma equivocada, isso não o transforma em credor ou devedor da quantia lançada”.

Com relação a informações contidas nos cartões de crédito, também não podem ser utilizadas como base de lançamento.

Ao utilizar extratos bancários e faturas de cartão de crédito para o lançamento, o Fisco usa provas obtidas por meios ilícitos que o texto constitucional diz, expressamente, que são inadmissíveis.

A Lei 9.311/96, artigo 11, parágrafo 3º, com a redação da Lei 10.174/2011, diz:

“§ 3º — A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no artigo 42 da Lei 9.430 de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores”.

Além de tudo, em relação aos extratos e faturas obtidos pelo Fisco por meio das “requisições” fornecidas pelas instituições financeiras, o contribuinte deve ser previamente intimado sobre as diligências, para que tenha a oportunidade de questioná-las.

Sempre que houver uma diligência para apuração de fato que interesse ao cidadão, ele tem ser intimado para poder examinar documentos e contraditá-los. Sem isso, há um ato administrativo NULO de pleno direito. Nesse sentido, é a decisão datada de 27/2/2007 do Supremo Tribunal Federal, no processo 26.358-0 (medida cautelar em MS) em que foi relator o ministro Celso de Mello.

Ainda que a autuação se baseie em supostos sinais exteriores de riqueza, o fato gerador do Imposto de Renda, na forma do artigo 43 do Código Tributário Nacional, ocorre apenas se houver ACRÉSCIMO PATRIMONIAL. Isso depende da análise das declarações do contribuinte, a menos que este não as tenha apresentado.

Em parecer publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, (vol. 137, pág. 108-117), Ives Gandra da Silva Martins ensina:

“Ao determinar o legislador que os proventos são acréscimos não compreendidos na renda, definiu que, tanto para o inciso I, quanto para o inciso II do artigo 43, o acréscimo patrimonial é que determina o que seja aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica e provoca a concretização da hipótese de imposição do imposto previsto no inciso III do artigo 153 da Constituição Federal. Sem acréscimo patrimonial não há, pela Constituição e pela lei complementar — que define o fato gerador do imposto sobre a renda — renda ou provento tributável”.

Diversos juízes federais decidiram no sentido de ser inviolável o sigilo para lançamento de tributo com base em movimentação financeira. Dessas decisões, destacam-se os seguintes trechos:

“… A possibilidade de o Fisco poder acessar os dados bancários dos administrados seria o retorno ao Estado policialesco, em virtude do qual todos estaríamos submetidos à vontade do administrador” (juiz federal Heraldo Garcia Vitta, da Justiça Federal de Bauru, Proc. 2001.61.08.003700-1).

“… Entendo estar viciado de inconstitucionalidade o dispositivo da Lei 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174/2001, que autoriza a utilização das informações bancárias sigilosas relativas à CPMF, para o fim de instauração de procedimento administrativo de verificação de outros créditos tributários porventura existentes. Por consequência, concluo pela ilegalidade do ato que exige do impetrante a entrega dos extratos bancários” (juíza federal Noemi Martins de Oliveira, da 10a Vara da Justiça Federal em São Paulo, Proc. 2001.61.00.012071.0).

O STJ (Recurso Especial 11.351, relator ministro Pedro Acioli) adotou a Súmula 182 do antigo Tribunal Federal de Recursos:

“É ilegítimo o lançamento do Imposto de Renda arbitrado com base apenas em extratos bancários”.

Portanto, o auto de infração baseado em extratos bancários ou cartões de crédito não pode prosperar caso inexista prova de acréscimo patrimonial. Não cabe ao contribuinte provar que não sonegou. A prova cabe exclusivamente ao Fisco.

Quando o Fisco lavrar auto de infração com base nos fatos aqui descritos,  ele não pode prosperar. Para isso, deve o contribuinte defender-se, inclusive no Judiciário.

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  • é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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