Dolo não comprovado

Desconhecer pedido do MP não configura recusa para fornecer dados

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31 de dezembro de 2016, 14h45

O artigo 10 da Lei 7.347/85 tipifica criminalmente as condutas de recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil pública, quando requisitados pelo Ministério Público. No entanto, para configuração do delito, é indispensável que a recusa, a omissão ou o retardamento ocorra de modo doloso, com o intuito de obstar, frustrar ou atrasar o fornecimento dos dados ou documentos solicitados pelo agente do MP.

A prevalência desse entendimento levou a 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a absolver o ex-presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental do RS (Fepam) Carlos Fernando Niedersberg, denunciado por retardar e dificultar o acesso de documentos essenciais à abertura de procedimento administrativo cível, elemento instrutório de possível ação civil pública.

Nesse expediente, instaurado em junho de 2011, o Ministério Público Federal gaúcho visava obter elementos para periciar as águas localizadas no campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a fim de identificar eventual presença de resíduos químicos ou poluentes oriundos de seus laboratórios.

O relator dos embargos infringentes, desembargador Márcio Antônio Rocha, acolheu o fundamento expresso na sentença e que absolveu o ex-dirigente: falta de comprovação de que o réu tivesse lido os ofícios do MPF, o que seria imprescindível para responsabilizá-lo pelo delito. Sem ‘‘ciência inequívoca’’, Rocha considerou inviável enquadrar a conduta ao tipo penal descrito no artigo 10 da Lei 7.347/85. Afinal, o dispositivo envolve responsabilidade penal pessoal, pelas ações ou omissões da própria autoridade, e não objetiva — por todas as ações ou omissões praticadas pelo órgão destinatário dos ofícios.

O caso chegou até a 4ª Seção porque o MPF pediu a prevalência do voto minoritário, que condenava o réu, expresso pelo desembargador Leandro Paulsen. O colegiado, entretanto, se alinhou ao voto do desembargador João Pedro Gebran Neto, que o absolvia. A votação foi tão apertada que chegou a ser decidida pelo voto de minerva do vice-presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, na sessão do dia 10 de novembro.

O processo
Segundo o MPF, diante da falta de resposta ao primeiro ofício com pedido de dados, no prazo fixado, novos ofícios requisitórios foram encaminhados à Fepam nos meses de agosto e setembro de 2011. Tudo em vão. Em manifestação à Justiça, após a instauração da ação penal, Niedersberg afirmou que a demora se deu pela falta de recursos humanos técnicos e de meios materiais para atender com eficiência os pedidos formulados. Informou, ainda, que o exame pericial requisitado pelo MPF não integra as atribuições legais da Fepam.

O juiz substituto Gustavo Chies Cignachi, da 3ª Vara Federal de Santa Maria, disse que, de fato, houve demasiado atraso na resposta ao ofício do MPF, caracterizando o delito capitulado no artigo 10 da Lei 7.347/85. Embora a constatação da materialidade, não se convenceu da sua autoria, pois não ficou comprovado, nos autos, que o réu tivesse ciência dos ofícios encaminhados à instituição. É que nenhum dos avisos de recebimento correspondentes aos ofícios lhe foi entregue ‘‘em mãos’’ ou ‘‘pessoalmente’’, na qualidade de diretor-presidente da Fepam. Nem mesmo as servidoras que assinaram os avisos souberam informar se os documentos foram lidos pelo presidente.

Em apoio à sua decisão, Cignachi citou precedente da 4ª Seção da corte — que uniformiza a jurisprudência da 7ª e 8ª turmas. ‘‘Manifestando-se o Ministério Público Federal pela inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, é de se acolher a promoção ministerial pelo arquivamento da investigação. Hipótese em que não há prova da entrega dos ofícios requisitórios pessoalmente ao Secretário da Saúde investigado e já foram prestadas as informações solicitadas.’’

‘‘Assim sendo, não há prova segura de que o acusado efetivamente tenha recebido qualquer notificação, a qual deve ser pessoal, dirigida ao representante legal da empresa para haver a responsabilização pelo crime do art. 10 da LACP. Portanto, conclui-se não haver nos autos prova suficiente para a condenação de Carlos Fernando Niedersberg, pela prática da conduta tipificada no art. 10 da Lei nº 7.347/85, e impõe-se a absolvição do réu’’, escreveu na sentença.

Apelação aceita
Em sede de apelação, o MPF contestou a sentença, pedindo a sua reforma. O relator do recurso na 8ª Turma, desembargador Leandro Paulsen, acolheu o recurso, por entender que a negativa reiterada em cooperar e prestar esclarecimentos requeridos constitui ‘‘óbice injustificado’’ ao exercício do poder investigativo do Ministério Público. Caracteriza, pois, crime, conforme narra a denúncia.

Para o relator, não resta qualquer dúvida de que a requisição do MPF foi dirigida ao denunciado, assim como os dados solicitados visavam ao ajuizamento de uma ação civil pública. Ou seja, estavam preenchidas as elementares do delito imputado na inicial. ‘‘Tivesse o réu respondido à primeira solicitação em tempo razoável e já apontando para a possibilidade de vistoria e tais exames, a presente persecução sequer teria iniciado. Todavia, o réu inicialmente não respondeu e, após reiteração, negou-se a cumprir requisição legítima do Ministério Público Federal, utilizando pretexto inoponível, pois é fato notório que a Fepam possui qualificado corpo técnico que poderia auxiliar na investigação promovida pelo MPF’’, escreveu no voto.

Conforme Paulsen, o excesso de trabalho ou deficiência estrutural da instituição não pode servir para autorizar o desrespeito a ordens de autoridades. No mínimo, o réu teria de informar as providências tomadas ou, então, acenar com um prazo razoável para cumprimento da ordem. ‘‘Não cabe à parte a quem o Ministério Público dirige uma requisição opor obstáculos ao seu cumprimento por período de prazo tão longo, aproximadamente 7 meses após a primeira solicitação, deixando de responder ou, ao menos, oferecer uma justificativa plausível para tanto. Necessário ainda referir que o apelado, quando se dispôs a responder, alegou argumento inoponível, que denota descaso com as requisições ministeriais’’, justificou. A pena, fixada em um ano de prisão, foi convertida em prestação de serviços à comunidade.

Divergência
A decisão, no entanto, foi por maioria, pois o desembargador João Pedro Gebran Neto se alinhou às razões do juízo de primeiro grau, negando provimento à apelação. Para Gebran, os autos não trazem prova segura de que o acusado, efetivamente, tenha recebido qualquer notificação. E, mesmo que houvesse ciência inequívoca, não ficou claro que a negativa ao prestar as informações tenha decorrido de conduta deliberada em obstaculizar a ação do MPF.

‘‘Além disso, o tipo penal previsto no art. 10 da Lei nº 7.347/85 pressupõe que a omissão ou o retardamento do agente ocorra de modo doloso; ou seja, que haja de forma deliberada a frustrar a diligência pelo órgão competente, não se inserindo neste contexto o desencontro de informações decorrente da deficiência da estrutura administrativa’’, arrematou no voto.

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