Processo Familiar

Instituto jurídico do aconselhamento emocional deve ser privilegiado

Autor

  • Jones Figueirêdo Alves

    é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e coordenador da Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

11 de dezembro de 2016, 7h03

Um Direito de Família mais avançado tem instituído, recentemente, por diversos normativos legais, inclusive pelo novo Código de Processo Civil, um novo instituto jurídico que se apresenta em lugares privilegiados para a consecução dos seus próprios fins. É o aconselhamento emocional, como instituto jurídico edificante de soluções dirigidas a dirimir os conflitos familiares de forma personalizada.

O “Emotional Counseling” reclama sua teorização jurídica como um processo em virtude do qual os envolvidos aprofundam as razões subjacentes dos seus conflitos, em busca de construir resultados positivos de superação.

Mais precisamente, o “Counseling” enquanto técnica situacional de psicologia servindo a um processo de tomada de decisões, notadamente nas relações interpessoais, com diálogos e reflexões, tem incursionado no mundo jurídico a serviço da eficiência processual, ganhando foros de juridicidade pela moldura jurídica que contempla a sua atividade. Vejamos:

1. Mediação
Exemplo significativo situa-se no emprego da mediação e na figura do mediador exaltados pelos artigos 694 e 165 parágrafo 3º do Código de Processo Civil quando nas ações de família todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para mediação e conciliação, colocando-se o mediador como o instrumento apto aos interessados para, por si próprios, compreenderem e solucionarem as questões e os seus interesses em conflito.

Bem a propósito, a mediação familiar “é um espaço de confiança e liberdade para partilhar emoções e identificar necessidades, que permitam estruturar o futuro mais equilibrado e harmonioso para cada família” (Quintanilha, 2016)[1] e, no ponto, a atuação mediadora envolvendo atividade de acolhimento emocional que capacita os participantes conflitantes a resolverem uma situação de conflito que os envolvem, exercita, a tanto, técnicas de aconselhamento emocional.

Importa assinalar, nesse alcance, a recente Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, quando dispõe no seu artigo 4º, parágrafo 1º, que “o mediador conduzirá o procedimento de comunicação entre as partes, buscando o entendimento e o consenso e facilitando a resolução do conflito”. O ajuste emocional das partes, em tal desiderato, implica exigir atitude dialogal conselheira da qual se reveste o mediador. Dir-se-á humanitude, a ideia/força do aconselhamento, em apetrechamento emocional, para os fins da distensão de ânimos das partes litigantes, facilitando o consenso e a dissolução do litigio por elas mesmas.

Demais a mais, quando se trata de ações de família, compreenda-se em primazia da audiência de mediação e conciliação que esta poderá dividir-se em tantas sessões quanto necessárias para viabilizar a solução consensual, conforme a dicção do artigo 696 do CPC. Nessas sessões, por certo, insere-se o aconselhamento, como técnica dissuasória do conflito.

2. Alienação parental
No âmbito da Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, uma vez caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, uma vez declarada a ocorrência, poderá o juiz advertir o alienador (artigo 6º, inciso I, in fine).

Urgente observar, todavia, que a advertência, como instrumento processual punitivo, em seara vestibular como primeira medida dissuassória à alienação parental existente, somente poderá ser eficaz mediante o devido manejo de aconselhamento emocional adequado aos níveis de gravidade do caso. Bem é certo admitir que a advertência não poderá ser resumida a um mero aviso judicial, sob pena de frustração de êxito ao seu objetivo, cumprindo para os seus devidos efeitos o emprego do “Counseling”.

Em menos palavras, o genitor alienador estará sempre sujeito ao necessário aconselhamento, sob pena de não alcançar qualquer efeito prático a advertência legal. Ao revés, a ausência do aconselhamento, nada obstante a advertência que seja feita, poderá conduzir ao agravamento dos atos alienadores. Há de se compreender, pois, que a aplicação da medida de advertência, envolve, em sua razão de ser, o devido aconselhamento emocional, em audiência especial a ser designada, com a participação de psicólogo e do alienador.

Lado outro, quando dentre outras medidas, o reportado artigo 6º também situa a hipótese, acumulada ou não, de determinação de acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial (inciso V), bem se percebe que como destinatário da medida não será apenas o alienado, mas o próprio alienador, em controle ou restrição dos seus atos.

3. Violência de gênero
No âmbito da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), a previsão expressa do artigo 35, inciso V, da criação e promoção de centros de educação e de reabilitação para os agressores, como poder-dever da União, Distrito Federal, estados e municípios, no limite de suas competências, traz ínsita a necessidade do aconselhamento emocional daqueles que vulneram, por seus atos, a dignidade do cônjuge ou companheira.

Anota-se, às expressas, que a mulher envolvida em um relacionamento íntimo de afeto é sempre vulnerável, para os efeitos da “Lei Maria da Penha” e essa vulnerabilidade revela-se “ipso facto”, por sua condição de mulher, a tanto que irrelevante a sua condição pessoal, a exemplo de ser uma figura pública renomada ou dotada de outros indicativos sociais. Nesse sentido, a presunção de hipossuficiência da mulher é pressuposto da validade da Lei 11.340/2006, pressuposto este que “é ínsito à condição de mulher na sociedade hodierna”.

Esta é a leitura jurisdicional da lei, nos termos de julgamento do Superior Tribunal de Justiça, tendo por relator a ministra Laurita Vaz, uma das mais notáveis magistradas do país e atual presidente daquela corte, onde se deixa assente, para os devidos fins legais, que “a mulher é vulnerável no tocante a constrangimentos físicos, morais e psicológicos em âmbito privado”. (STJ – 5ª Turma, REsp. 1.416.580-RJ, julgado em 1 de abril de 2014).

Assim, em construção de um modelo de maior eficácia da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), e para além disso, nas próprias relações privadas, em admissão da vulnerabilidade da mulher, atente-se pela indispensável prática do aconselhamento emocional aos ofensores.

Trabalhar, portanto, a reabilitação dos agressores implica, por isso, no curso do processo judicial, medida protetiva de urgência (não nominada) em favor da própria ofendida, em interpretação expansiva do parágrafo 2º do art. 19 da lei de regência, quando interessa à sua proteção venha o ofensor ser submetido ao aconselhamento emocional imposto para a cessação de atos de violência de qualquer espécie.

A esse propósito, bem posicionou a questão a promotora norte-americana Cindy Dier, ex-diretora do Departamento de Justiça dos EUA, ao expressar que “terapia para marido agressor é igual a tratamento anti-drogas”. De efeito, enquanto apenas programática se apresenta a criação de centros de reabilitação para os agressores familiares, a inserção destes em grupos de reflexão com aconselhamento emocional qualificado, formados nas próprias Varas de Violência Doméstica ou em Centros de Apoio Psicossocial, existentes na esfera judiciária, se apresenta como medida imperativa e indispensável de ordem processual.

Afinal, tratar-se-á de constituir uma Gestão de Conflito, o que importa, urgentemente, ser feita para regular melhor as relações dos casais em crise. Cuida-se de instrumento mais apropriado em busca da prevenção, a desenvolver, sobremodo, o raciocínio eslético, ”processo utilizado para a obtenção de conhecimento que considera o envolvimento construtivo das partes na elaboração de respostas, soluções, ou novos entendimentos” (o “Constructive Engagement”, tal como delineado por Edward de Bono), em resolução eficaz das pessoas protagonistas do conflito. Nesse contexto, o aconselhamento emocional também se coloca como elemento decisivo para a referida gestão de conflito.

Bem é dizer, trabalhar a violência doméstica é trabalhar o agressor, em remontagem da família e criando um espaço de reconvivência, onde quem verdadeiramente manda é o respeito. Importa mais preparar técnicos e conselheiros para uma recomposição de vida dos casais, antes de preparar o socorro médico ou estritamente judicial.

4. Guarda compartilhada
No âmbito da guarda compartilhada dos filhos do casal parental, a Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014, ditou ao parágrafo 3º do artigo 1.584 do Código Civil a redação seguinte: “Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe”.

Nessa toada, mais uma vez se constata, dentro dos ritos processuais, o necessário recurso a outros profissionais e equipes indisciplinares, pontuando a psicanalista Giselle Groeninga, em sua elevada cátedra, que enquanto a lei tem sua importante função de acompanhar as mudanças nos paradigmas sociais, mais se demonstra a tendência da atuação de outros profissionais, para além do profissional do direito, nas questões relativas ao exercício da parentalidade, como sucede ocorrer em todas as partes do mundo.[2]

De tal sentir, também nas hipóteses de disputas de guarda dos filhos ou do exercício regular e pleno do poder parental por aquele genitor não guardião, mais se apresenta necessário, pronto e expedito, diante da complexidade das questões, o aconselhamento emocional aos litigantes, como política judiciária de melhor solução dos casos, prestigiando, demais disso, a tutela protetiva e integral dos filhos menores.

Como se observa, nos quatro eixos acima citados, o “aconselhamento emocional” (“emotional counseling”) objetiva reflexão, reeducação (ressocialização) e responsabilização, no elevado acervo casuístico dos problemas de família, em sede das ações judiciais recorrentes.

Em bom rigor, as atividades adequadas de aconselhamento emocional assumem, dentro do processo judicial de família uma função libertadora/transformadora, não apenas capaz de proporcionar apoio e ajuda, confiança e motivação aos aconselhados, bem como, precipuamente, de resolver o conflito, como meta-síntese da jurisdição de resultados.

O aconselhamento nas situações litigiosas de processos de família, no gênero, e naqueles onde presentes a alienação parental ou a violência doméstica, nas suas espécies, se apresenta como um suporte emocional suficiente a dirimir os conflitos, tudo em garantia do melhor êxito da prestação jurisdicional. Traz consigo uma práxis educativa, fundada em significados, princípios e valores, cujo resultado a ser obtido, inulidivelmente, se apresenta em proveito dos ligtigantes. Afinal, como tenho afirmado, a jurisdição de família não apenas resolve os processos judiciais de sua competência, antes resolve pessoas.

Pois bem. A institucionalização jurídica do “Counseling”, que se extrai do aporte e emprego de inúmeros dispositivos normativos da ordem jurídica existente, deve ser o chamamento de sua prática nos devidos fins de melhor contribuir para a rapidez e a eficiência de resultados nas ações de família.

Instrumento dialogal necessário e eficaz, o aconselhamento emocional está a merecer, com maiores aprofundamentos, a sua moldura juridica aperfeiçoada como instituto jurídico privilegiado. Ingressa ele, agora, no Léxico de Família.

 


[1] Anabela Quintanilha. Mediação Familiar. Uma solução para o Conflito Parental? In: I Congresso de Direito da Família e das Crianças. Coord. Paulo Guerra. Coimbra: Edições Almedina, 2016, 327 p.; pp. 157-170.

[2] Gisele Groeninga. Guarda compartilhada e relacionamento familiar. Algumas reflexões necessárias. Web: http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/155509493/guarda-compartilhada-e-relacionamento-familiar-algumas-reflexoes-necessarias-por-giselle-groeninga

 

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    é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e coordenador da Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

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