Análise do custo-benefício evita erros em decisões ambientais regulatórias
27 de agosto de 2016, 8h05
Exemplos dessa prática nefasta ocorrem em decisões burocráticas e intuitivas, não apenas do Poder Executivo federal, estadual e municipal no Brasil, mas do próprio Poder Judiciário. Enfim, aplica-se a lei, ou executa-se a medida, sem considerarem-se os custos dessa. Clássico exemplo é a aplicação dos princípios da precaução e da prevenção para a tutela do meio ambiente sem uma análise acurada do custo-benefício da medida.
A implementação do procedimento da análise do custo-benefício foi iniciada pelo governo Ronald Reagan com a criação da White House Office of Information and Regulatory Affairs (Oira) e a publicação da Ordem Executiva 12.291, de 1981[1]. Foi expedida pelo presidente Bill Clinton a Ordem Executiva 12.866, no ano de 1993, atualizando a regulamentação da matéria.
Ganhou maior importância o referido procedimento na administração do presidente Barak Obama que nomeou como diretor da Oira, o professor da Harvard Law School, Cass Sunstein, especialista em Direito Administrativo e práticas regulatórias, sendo um dos grandes defensores da análise do custo-benefício. Orientado por Sunstein, o presidente Barack Obama publicou a Ordem Executiva 13.563, de 18 de janeiro de 2011, com premissas básicas de análise do custo-benefício para serem observadas pelas agências federais e demais setores do governo[2].
Sunstein defende o compliance desse procedimento regulatório e o estímulo, armazenamento e circulação de informações dentro das agências federais norte-americanas nos processos decisórios. Agências federais não podem exercer o seu papel regulatório, em causas que envolvem elevadas somas em dinheiro, a menos que os benefícios da medida superem os custos e, também, que a medida regulatória seja capaz de maximizar os benefícios líquidos[3]. Observa-se, por outro lado, preocupação em humanizar o Estado Regulatório, pois existem valores que o dinheiro não pode quantificar (o direito à vida, à saúde, à dignidade humana e ao meio ambiente equilibrado, entre outros), sendo essa talvez, a mais consistente e justa crítica que pesa sobre a análise do custo-benefício[4] que possui versões fortes e fracas.
Referida Ordem Executiva minutada por Sunstein e sua equipe tornou possível, apenas para exemplificar, compelir a indústria americana a fabricar refrigeradores, máquinas de lavar louças, máquinas de lavar roupas e outros eletrodomésticos mais eficientes em termos energéticos e, de modo mais abrangente, limitar as emissões de poluentes do ar e dos gases de efeito estufa pelas usinas de energia, o que tem salvo milhares de vidas anualmente[5] e preservado o meio ambiente.
A Suprema Corte Norte-Americana reconheceu recentemente a constitucionalidade e necessidade da adoção do procedimento da análise do custo-benefício em matéria de regulações por parte da Environmental Protection Agency (EPA) em Administration of Environmental Protection Agency v. Eme Homer City Generation e, também, no caso Michigan et Al. v. Environmental Protection Agency et Al.
No último caso, a corte entendeu que embora o Clean Air Act determine que a Environmental Protection Agency (EPA) regule as emissões de poluentes do ar emitidos pelas usinas energéticas, esta regulação deve ser procedida apenas quando apropriada e necessária. A Suprema Corte considerou a conclusão da análise do estudo de impacto regulatório no sentido de que a estimativa do custo da regulação pretendida por parte das usinas de energia seria de US$ 9,6 bilhões por ano, e os benefícios da redução das emissões ficariam entre US$ 4 milhões e US$ 6 milhões. Os custos das usinas energéticas, deste modo, seriam de 1.600 a 2.400 vezes maiores dos que os benefícios quantificáveis com a redução das emissões dos poluentes do ar. Com base no resultado da análise do impacto regulatório, a Suprema Corte, por escassa maioria de 5 a 4 (em um dos últimos julgamentos de que participou o falecido justice Scalia), entendeu que a regulação não era apropriada e necessária[6].
Pasmem, em outro caso, pretendeu-se evitar a criação de parque eólico no estado da Califórnia para pretensamente não se colocar em risco a vida de alguns pássaros e morcegos[7], não fosse o procedimento da análise do custo-benefício provavelmente a indústria poluente do carvão e do petróleo continuaria a ser responsável por essa parcela de produção energética.
Importante, com prudência e viés crítico, importar para o Direito brasileiro a ideia da análise do custo-benefício nas decisões regulatórias ambientais: legislativas, judiciais ou administrativas. Dificuldade para se proceder a análise do custo-benefício, no caso brasileiro, é a falta de dados e números para que se possa avaliar quantitativamente custos e benefícios, em especial, em matéria ambiental.
Importante que o Estado, talvez via ministérios do Meio Ambiente e da Fazenda, IBGE, Ipea e porque não do CNJ (quando a regulação depender de decisões judiciais), com participação da sociedade, faça a apuração desses números e os três poderes passem a contar com dados ambientais, sociais e econômicos robustos para um procedimento informado de tomada de decisão mais seguro, sustentável, menos intuitivo e liberto de nefastas heurísticas.
Feitas as críticas ao procedimento da análise do custo-benefício, não é nos dado o direito de ignorá-lo sob pena de tomarmos decisões enviesadas[8], “pró-ambiente”, “pró-desenvolvimento econômico” e “pró-misero” que, por certo, fogem da equilibrada definição de desenvolvimento sustentável construída, para além dos diplomas internacionais, pelo próprio Poder Constituinte de 1988, nos artigos 170 e 225.
Este, talvez, seja o grande desafio para o futuro de nosso país em matéria regulatória, preparar servidores públicos e juízes para uma análise do custo-benefício ambientalmente responsável e que respeite os direitos fundamentais nos processos decisórios, sem causar paralisia e estagnação econômica[9], além de notáveis retrocessos na proteção ambiental. Em suma, é essencial menos intuição e mais informação nos processos decisórios para que sejam alcançados resultados ambientais, sociais e econômicos positivos em um Estado rico em recursos naturais, mas com escassos recursos econômicos em virtude da permanente pobre e má governança.
[1] SUNSTEIN, Cass; HASTIE, Reid. Wiser: Getting Beyound Groupthink to make groups smarter. Cambridge: Harvard Business Review Press, 2015. P. 157-158.
[2] Idem. P.105.
[3] Idem. P. 140.
[4] Uma boa e consistente crítica sobre valores e bens que não podem ser monetarizados pode ser verificada em: SANDEL, Michael. What's money can't buy? The moral limits of market. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2012.
[5] SUNSTEIN, Cass. Simpler: The Future of Government. New York: Simon & Schuster, 2013.p.7.
[6] United States Supreme Court U.S. 14-46 (2015). Michigan et Al. v. Environmental Protection Agency et All. Fonte: http://supremecourt.gov. Acesso em: 5/8/2015.
[7] GERRARD, Michael. Save birds now or birds later. Columbia University: New York, 2015. Disponível em: http://web.law.columbia.edu/sites/default/files/microsites/climate-change/gerrard_sidebar_forum_2015_may-june_1.pdf. Acesso em: 20/8/2016.
[8] Ver: FREITAS, Juarez. Hermenêutica jurídica e a ciência do cérebro: como lidar com automatismos mentais. v. 40 n 130, ano 2013. Revista da Ajuris. Porto Alegre.
[9] Sobre os nefastos efeitos paralisantes de decisões, em especial na aplicação do princípio da precaução, ver: SUNSTEIN, Cass. The paralyzing principle. Chicago Law Review, 25 Regulation 32 (2003). Fonte: Http://object.cato.org/sites/cato.org/files/serials/files/regulation/2002/12/v25n4-9.pdf. Acesso em: 1/1/2016.
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