Judiciário não cumpre Marco Civil da Internet, dizem operadores do Direito
19 de agosto de 2016, 9h09
A questão sobre a regulação de aplicativos de comunicação e outros serviços da internet não passa pelo aumento da presença estatal nesse campo, mas pela real e devida aplicação da legislação existente. A opinião é do desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, e da procuradora especializada em crimes digitais Melissa Blagitz, do Ministério Público Federal, que palestraram na terça-feira (16/8) em evento promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
“Não precisamos de mais acesso, precisamos garantir o que está na lei”, disse Melissa, afirmando que em muitas ocasiões o Ministério Público não consegue acessar dados mesmo com disposição em lei porque as empresas se impõem frente à Justiça brasileira, muitas vezes argumentando que estão fora da jurisdição do país. “Isso, para nós, é um desrespeito ao Judiciário, ao Congresso Nacional e à sociedade.”

Para De Sanctis, as empresas são desrespeitosas ao negarem os dados pedidos. “[As empresas] Se acham no dever e na arrogância de tratar isso em nome de um princípio natural, que é a liberdade disso e daquilo.”
Segundo o desembargador federal, o setor privado não pode se autorregular porque seu objetivo é o lucro, que impactaria diretamente nas respostas necessárias à sociedade. “A autorregulamentação não cabe mais em um ambiente de negligência e esbanjamento, que é o ambiente corporativo.”
Como exemplo dessa autorregulação defeituosa, o desembargador citou um caso ocorrido com ele, que, ao tentar fechar uma página falsa no Facebook que levava seu nome, teve de apresentar diversos documentos e justificativas à companhia, que acatou sua solicitação sem uma decisão judicial.
Essa autorregulação foi citada em palestra anterior do evento. Alexandre Pacheco, coordenador do Grupo de Ensino e Pesquisa em inovação da escola de Direito da FGV-SP, citou que a escolha pelo Judiciário para dirimir esses conflitos foi correta porque as empresas raramente acertam ao retirar um conteúdo da rede.
Ele exemplificou sua opinião citando episódio em que a foto de um ritual religioso indígena foi retirada de rede social porque as pessoas fotografadas estavam seminuas, o que feriria as políticas da companhia.
STJ e STF atrapalham
De Sanctis e Melissa também opinaram quase em coro ao citar os problemas trazidos pelas cortes superiores no combate à criminalidade digital. O desembargador destacou que as cortes superiores, na maioria das vezes, anulam bloqueios impostos pela própria Justiça aos comunicadores eletrônicos usando preceitos constitucionais. “Quase não vi decisões que abordam o Marco Civil”, disse.

Felipe Sampaio/SCO/STF
Para o desembargador, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça falam demais em liberdade de expressão ao reformar decisões de primeiro e segundo grau sem considerar as nuances de cada caso. Ele afirmou que isso é reflexo de um problema cultural brasileiro.
“Os juízes, de um tempo para cá, resolveram invocar os princípios constitucionais e esqueceram da lei”, criticou, complementando que “é complicado um país em que a lei não se aplica, e não se aplica pelo Judiciário”.
Já Melissa ressalta que isso ocorre porque o caso concreto não é levado em consideração na decisão. “Adoro esses casos de foro privilegiado, porque os tribunais superiores sentem na pele o que é ser primeiro grau”, disse. Essa questão foi criticada pelo ministro Barroso, que vê o Supremo sobrecarregado porque, entre outros fatores, atua como juízo de primeira instância em alguns casos.
De Sanctis disse ainda que o bloqueio só é imposto como última medida jurisdicional. “O bloqueio não é o juiz que quer dar, é a lei que diz assim.” Segundo ele, se essas decisões fossem mantidas por seis meses, as empresas teriam tomado outro rumo em vez de dar respostas arrogantes, como, por exemplo, que é preciso um MLAT (acordo entre Brasil e EUA para troca de informações criminais) para obter as informações.

Melissa concordou com o desembargador e afirmou que os bloqueios, mesmo para empresas fora do Brasil, são previstos pelo Marco Civil da Internet. Disse ainda que a necessidade de uma empresa ter sede aqui para ser autuada pela Justiça “é uma bobagem” e que muitos países estão adotando práticas no sentido contrário.
A essencialidade dos serviços prestados por aplicativos de comunicação também foi questionada no evento. A procuradora do MPF argumentou que essa é uma questão que precisa ser resolvida, pois facilitaria as medidas judiciais. Segundo ela, se a atividade for essencial, ela deve se enquadrar em uma legislação nacional que, além de regulá-la, irá impedi-lá de parar de oferecer o recurso de uma hora para outra.
“Se o Orkut era um serviço essencial, o Google não poderia tê-lo desligado”, exemplificou a procuradora. Já De Sanctis afirmou que esses serviços não têm nada de essenciais, ainda mais porque existem muitas empresas que os fornecem, ou seja, se uma fechar, outra assumirá seu lugar.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!