"Blindagem" a operadoras

Desembargadores acham proteções do Marco Civil da Internet excessivas

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18 de agosto de 2016, 7h15

Apesar de ter criado uma base legislativa para a magistratura, o Marco Civil da Internet trouxe problemas ao priorizar, no artigo 19, a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos, como os direitos da personalidade. A opinião é dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo Carlos Teixeira Leite Filho e Francisco Eduardo Loureiro.

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Para o desembargador Francisco Loureiro, o artigo 19 do Marco Civil da Internet é uma "involução" e dá uma espécie de blindagem às operadoras de internet.

Em evento promovido pela Federação das Indústrias do estado de São Paulo (Fiesp) nessa terça-feira (16/8), que apresentou a visão das cortes sobre o Marco Civil da Internet, os julgadores destacaram algumas discrepâncias geradas pelas normas que regem o tráfego na rede.

Carlos Teixeira afirmou que é preciso proporcionalidade nas decisões, pois nesses casos há choques de direitos fundamentais que devem ser preferidos ou preteridos, dependendo de cada caso. "São direitos iguais", disse.

A responsabilização civil dos provedores de internet na causas foi outro problema citado. O Marco Civil determina, em seu artigo 19, que um provedor só poderá ser responsabilizado depois de notificação judicial. Antes do código de normas, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça era clara ao determinar que uma notificação extrajudicial não cumprida já serviria como fato gerador de responsabilidade civil.

Para Francisco Loureiro, o artigo 19 é uma "involução" e concede uma espécie de blindagem às operadoras de internet. O desembargador pondera que até certo ponto essa proteção é benéfica para manter a infraestrutura de transmissão de dados em rede, que poderia perder investimentos pela judicialização excessiva.

Porém, ressalta o desembargador, a partir de um estágio, a "blindagem" favorece o crescimento de manifestações de ódio ou com outras ilicitudes. "É um sistema não lógico, que afronta o princípio da responsabilidade civil", disse Loureiro, questionando também quem será responsabilizado pela brecha temporal deixada entre a abertura do processo e a decisão judicial que vincula a responsabilização. "Ação não é efeito, mas requisito da responsabilidade civil."

Escolha do responsável
Já Alexandre Pacheco, coordenador do Grupo de Ensino e Pesquisa em inovação da escola de Direito da FGV-SP, argumentou que o artigo 19 do Marco Civil da Internet apenas legitimou o Judiciário como o ator responsável para analisar causas envolvendo remoção de conteúdo. Segundo ele, a escolha foi correta, pois as empresas raramente acertam ao retirarem um conteúdo da rede.

Disse ainda que o Judiciário foi constitucionalmente escolhido para resolver conflitos, ao contrário das companhias. "A empresa nem sempre é o ator adequado para remover o conteúdo", disse, exemplificando o argumento com um caso em que a foto de dois índios seminus que participavam de um ritual indígena foi retirada das redes sociais após denúncias de que aquele conteúdo seria impróprio e envolveria pornografia.

O professor Tiago Zapater complementou o raciocínio ressaltando que a jurisprudência do STJ impede os provedores de censurar previamente comentários ofensivos, o que aumenta a necessidade de o Judiciário solucionar as questões, seja por meios judiciais ou extraordinários — conciliação, por exemplo.

Por outro lado, afirmou Zapater, o artigo 19 do Marco Civil da Internet apenas gera indenizações, pois não tem um caráter preventivo, o que seria o ideal. "A legislação deve impedir o ato, ou continuaremos enxugando gelo", disse. Para Pacheco, as particularidades dos casos envolvendo a internet e as inovações constantes dificultam a prestação jurisdicional e a pacificação de jurisprudências. "Sistema vai exigir uma interpretação sofisticada dos magistrados", opinou.

Novo filão da advocacia
Além das questões envolvendo o artigo 19, Pacheco e Zapater se mostraram preocupados com as deficiências da advocacia em ações envolvendo provedores de internet. Pacheco questionou o fato de somente os portais de buscadores serem acionados na Justiça, deixando de lado, por exemplo, os provedores de hospedagem dos sites.

"Os advogados não citam toda a cadeia solidária no pedido", complementou Zapater. O profissional, que também atua no escritório Trench, Rossi e Watanabe, citou ainda que muitos advogados não apresentam ações contra o ofensor por não saberem quem é. Porém, segundo o advogado, o fato de a vítima desconhecer o autor do delito não impede o ajuizamento da ação contra o ofensor.

Essa deficiência, no entanto, pode ser um fator positivo no longo prazo. Marcel Leonardi, diretor de Relações Institucionais do Google, afirmou no evento que a privacidade na internet é um "novo filão" da advocacia. "Não existem muitos profissionais especializados na área atualmente", disse.

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