O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu analisar a constitucionalidade de um dispositivo que classifica como crime o ato de um motorista fugir quando se envolve em acidente de trânsito. O tema teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual da corte.

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O recurso discute a validade do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro, que fixa pena de seis meses a um ano de detenção em caso de fuga, e envolve um homem acusado por ter deixado o local em que colidiu com outro veículo. Ele chegou a ser condenado em primeiro grau a 8 meses de detenção — pena substituída por restritiva de direitos —, mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu absolvê-lo, sob o entendimento de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si.
Segundo o acórdão do TJ-RS, o dispositivo do CTB é inconstitucional, pois a simples presença no local do acidente representaria violação da garantia de não autoincriminação, prevista no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal. Os desembargadores também consideraram que, no caso dos autos, não houve omissão de socorro, prevista no artigo 304 do Código de Trânsito.
O Ministério Público estadual levou o caso ao Supremo, argumentando que o dispositivo constitucional não representa obstáculo à imputação do crime de fuga, pois os direitos à não autoincriminação e ao silêncio permaneciam incólumes.
De acordo com o recurso, a permanência do condutor no local em que ocorreu o acidente não se confunde com confissão de autoria ou reconhecimento de culpa, pois tem o objetivo de proteger a administração da Justiça, já que é determinante para a apuração dos fatos e identificação dos envolvidos.
Para o relator do caso, ministro Luiz Fux, “a matéria transcende interesse das partes envolvidas, sendo relevante do ponto de vista social e jurídico, porquanto mister se faz debruçar sobre tema, no afã de traçar os limites dos direitos constitucionais ao silêncio e ao de não produzir prova contra si”.
Fux apontou que os tribunais de Justiça de São Paulo e de Minas Gerais, além do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, já têm decisões considerando inconstitucional o dispositivo do CTB. O relator apontou que controvérsia semelhante já foi submetida ao STF em 2015 pela Procuradoria-Geral da União, sob relatoria do ministro Marco Aurélio.
Na Ação Declaratória de Constitucionalidade 35, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma que o código de trânsito não impede que o motorista fique em silêncio nem o obriga a assumir eventual responsabilidade civil ou penal. Segundo ele, faz sentido que, ao dar permissão para dirigir, o Estado cobre contribuição com as autoridades para a apuração dos fatos ocorridos. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
RE 971.959
Comentários de leitores
5 comentários
Respeito os posicionamentos contrários, porém...
Paulo Moreira (Advogado Autônomo - Civil)
Tal qual o MP, não vejo autoincriminação em permanecer no local do acidente. Se ninguém obrigou o agente a assumir a culpa pelo desastre ou coisas do gênero, não vejo prosperar autoincriminação.
Princípio Constitucional acima do Clamor Público
Ademir Coelho da Silva (Defensor Público Estadual)
Discordo totalmente do colega "Palpiteiro da Web" quando diz que "os juízes tem que tomar vergonha na carga...".
O Poder Judiciário tem que decidir em conformidade com a lei, principalmente, da Constituição Federal.
Com devida venia, se a decisão for que o motorista não pode se deslocar do local do acidente, ficará evidente que o Judiciário se curva, sim, ao "clamor popular", ao contrário do que apregoa historicamente em matéria de Direito Constitucional e Penal.
Respeito aos Princípios Constitucionais
Ademir Coelho da Silva (Defensor Público Estadual)
Se analisarmos a questão sobre a ótica jurídica, ou seja, sobre o prisma da atual Constituição Federal e de seus princípios, o STF deverá ratificar as decisões das instâncias inferiores: de que se o motorista sair do local do acidente estará exercendo um direito que lhe é assegurado por um PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. No entanto, se o STF mudar o entendimento, como o fez ao julgar o HC 126.292, estaremos diante de mais um caso de "Espetáculo do Populismo Penal Midiático". Com devida venia, penso que se os nobres ministros do STF decidirem a questão em conformidade com a Carta Magna, as decisões proferidas pelas Cortes inferiores serão mantidas.
Comentários encerrados em 23/08/2016.
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