Mais efetividade

Procurador da "lava jato" defende que MP faça seleção das denúncias

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7 de outubro de 2015, 21h19

O Ministério Público deve ser mais seletivo e priorizar o oferecimento à Justiça de denúncias sobre ilícitos realmente prejudiciais à sociedade e que contam com maior chance de condenação. Foi o que defendeu o procurador Andrey Borges, que integra a força tarefa da instituição na operação “lava jato”, nesta quarta-feira (7/10), ao participar do XXI Congresso Nacional do MP, que acontece no Rio de Janeiro.

Ao falar sobre a duração razoável do processo e a eficácia da jurisdição penal, Borges disse que esses objetivos passam, necessariamente, pela diminuição da demanda do Poder Judiciário, pois “é inviável dar atenção aos casos relevantes, quando se está cheio de trabalho”. De acordo com ele, isso ocorre porque é impossível investigar tudo. “Não temos estrutura material para fazer a apuração de todos os casos”.

O procurador afirmou que dentre 10 ocorrências por roubo registradas em São Paulo, apenas uma resulta na abertura de inquérito. Na avaliação dele, esse dado já indica que a seleção vem ocorrendo na prática, mas não pelo Ministério Público. Na opinião dele, o MP deve tomar a frente do que deve ser ou não investigado.

Para isso, ele defendeu que o órgão faça um uso maior do princípio da oportunidade ao invés do da obrigatoriedade, que está implícito na legislação penal. “Este não é um princípio constitucional que nos deva guiar como se fosse o mais importante. E me parece que o MP nem precisaria mudar a lei para mitigar o princípio da obrigatoriedade”, afirmou.

Borges também defendeu mudanças com relação aos parâmetros usados para pedir abertura de ações penais ao Judiciário. Ele explicou que, pela legislação atual, as denúncias devem se embasar nas provas de materialidade e indícios de autoria. “Mas acho que temos que reinterpretar isso e oferecer a denúncia quando temos prognóstico de condenação. Por que oferecer uma denúncia se eu tenho dúvida quanto ao autoria do crime?”, questionou.  

A sugestão não foi bem-recebida por todos. O promotor Afrânio Silva Jardim, do Rio de Janeiro, que estava assistindo a palestra, se manifestou contra a uma maior utilização do princípio da oportunidade. Ele afirmou que “isso debilita a instituição”, pois “retira do MP uma ação mais eficaz do combate à criminalidade”.

“Há locais onde a oportunidade de não oferecer denúncia expõe o promotor. Acho isso preocupante. Algo que vai de acordo com postura liberal e privativa do processo penal. Não acho que seja bom para o MP. A lei diz o que é importante. Não é o MP que tem legitimidade para isso”, afirmou.

Borges respondeu dizendo que, de fato, o maior uso do princípio da oportunidade “não é melhor dos mundos”. “São duas escolhas ruins. Mas o que eu quis dizer é que já há essa seletividade. E é melhor que nós do MP a façamos do que deixar para que seja feita lá na Polícia ou por critérios transversos”.

À Conjur, o procurador defendeu que o MP deve priorizar as denúncias de crimes de colarinho branco. “Parece-me que no Brasil há uma análise muito micro da criminalidade. Determinados crimes têm uma repercussão social muito relevante, como os de corrupção, lavagem de dinheiro e os econômicos e financeiros. São os chamados crimes do colarinho branco, que a sociedade não vê o malefício por trás deles. Obviamente tem os crimes de sangue, mas os crimes de colarinho branco trazem efeitos macroeconômicos até mais gravosos que um homicídio, pois tira dinheiro de saúde e educação. Reverbera de maneira mais grave na sociedade”, afirmou.

Na avaliação do procurador, a escolha do que deve ser denunciado deve ser feita com base na Constituição. “É possível ver na própria Constituição uma pauta de valores. Então o MP, à luz dessa pauta, pode fazer determinadas escolhas. Na minha visão, o MP não está obrigado a processar todo e qualquer caso que não tenha a mínima repercussão ou no qual a culpabilidade seja muito pequena. Isso tem que ser visto no contexto do caso, mas é o MP que tem que fazer esse critério”.

O procurador sugeriu uma série de outras medidas para dar mais eficiência ao processo penal, principalmente os que tratam de corrupção. Uma delas é investir contra o patrimônio dos culpados. “Temos que fazer uma investigação patrimonial melhor. Podemos verificar, por exemplo, se o patrimônio declarado da pessoa é compatível com o patrimônio efetivo que ela tem. E ai pedir o perdimento [devolução] dessa diferença”.

Também participaram da palestra os procuradores Rui Cardoso, de Portugal, e Claude Girard, do Canadá. Eles explicaram o sistema de Justiça em seus respectivos países.

Presidente da Câmara
Questionado pela imprensa sobre situação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Borges disse que ainda é cedo para dizer se o parlamentar realmente cometeu o crime de manter conta não declara no exterior. De acordo com ele, nem todos os documentos remetidos pelo Ministério Público Suíço, que iniciou as investigações, chegaram ao Brasil.

“Não basta ter conta não declarada no exterior. O Supremo Tribunal Federa entendeu, no julgamento do caso do mensalão, que só é crime se houver mais de 100 mil dólares na conta no último dia do ano, ou seja, 31 de dezembro. Então, se ele tiver menos que esse valor, não vai poder ser denunciado por crime de manutenção de conta não declarada no exterior. E isso a gente ainda não sabe”, afirmou.

Borges disse que o MPF poderá ofertar uma nova denúncia contra o deputado se os documentos comprovarem indícios de envolvimento em crimes diferentes dos investigados até agora na “lava jato”. O procurador evitou emitir opinião sobre a possibilidade de o Ministério Público Federal pedir também o afastamento do presidente da Câmara de suas funções. Cunha declarou que não vai deixar o cargo.

“Não posso falar isso como sendo uma opinião da procuradoria-geral [da República]. Mas como doutrinador, já escrevi que o Ministério Público pode sim pedir o afastamento de mandatários eletivos, com base no Código de Processo Penal. O artigo 319 prevê uma medida que é afastamento de função pública. Entendo que a expressão função pública inclui mandatários eletivos. Na minha visão, tecnicamente é possível. Mas se no caso concreto terão esses elementos, isso vai depender muito do PGR e do Supremo. É difícil fazer essa avaliação”.

De acordo com ele, para fazer tal pedido, o MPF teria que provar que a permanência do deputado no cargo atrapalharia a investigação dos fatos. “Se houver elementos que demonstrem que ele está usando o cargo para prejudicar a persecução de alguma forma, me parece viável o afastamento. Temos que demostrar que a manutenção dele no cargo pode prejudicar de alguma forma a apuração dos fatos”, disse.

O XXI Congresso Nacional do Ministério Público segue até esta sexta-feira (9/10). O evento ocorre simultaneamente com a 5ª Conferência Regional da International Association of Prosecutors (IAP) para a América Latina. 

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