Eleições no TJ-SP

"Hoje, o presidente do TJ-SP precisa agir como um alto executivo"

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26 de novembro de 2015, 17h00

TJ-SP
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O Tribunal de Justiça de São Paulo terá nova direção em 2016. O novo presidente será escolhido em votação que acontecerá no dia 2 de dezembro, das 9h ao meio-dia, no Salão dos Passos Perdidos, no Palácio da Justiça. Atualmente, a corte tem 356 eleitores. Juízes de primeiro grau e substitutos em segundo grau não têm direito de voto.

Em dezembro, termina o mandato de dois anos do desembargador José Renato Nalini na presidência da corte. Chega ao fim também a sua carreira no Judiciário, porque completa 70 anos no dia 24 de dezembro. Ao todo, dedicou quatro décadas à magistratura.

Na eleição do dia 2 de dezembro também serão escolhidos o vice-presidente, corregedor, o diretor da Escola Paulista da Magistratura (EPM), e os presidentes das seções de Direito Privado, Público e Criminal. Clique aqui para conhecer os candidatos.

Concorrem à presidência dois desembargadores: Eros Piceli, atual vice-presidente do tribunal; e Paulo Dimas Mascaretti, integrante da 8ª Câmara de Direito Público e que concorre pela segunda vez clique aqui para ler a entrevista com ele.

O desembargador Eros Piceli é paulista, tem 66 anos e 36 de magistratura. Atualmente, ele integra a Seção de Direito Privado. Antes de se tornar juiz, teve uma passagem de três anos pelo Ministério Público de São Paulo. Formou-se em Direito em 1973 na FMU e especializou-se em Direito Penal e Processual Penal na PUC-SP.

“Tenho um gênio conciliador, de aparar arestas, como um bombeiro que apaga incêndios”, define-se. Diz também que só se candidatou à presidência da corte porque vivenciou a vice-presidência, onde participou de decisões administrativas da corte e teve uma visão maior da complexidade do tribunal. “O esforço que deve mover todos os cargos de direção é deixar de lado a vaidade e partir para o bem do tribunal”, declarou em entrevista ao Anuário da Justiça.

Desde que assumiu a vice-presidência, defende que a prioridade do tribunal deve ser o fortalecimento da primeira instância. Tem a ambição de fazer um levantamento em todas as dez regiões administrativas para saber exatamente quais são os seus gargalos, o que falta, quais as possíveis saídas.

Piceli entende que o presidente da corte deve trabalhar em parceria com o corregedor para que, juntos, decidam os rumos da primeira instância, que é quem tem maior demanda e menor estrutura. É entusiasta do cartório do futuro — projeto que unifica o cartório de diversas varas em um só. O objetivo final é padronizar procedimentos e também fazer com que a equipe do cartório precise de menos servidores. Ao final, será possível transferir novos funcionários para a equipe dos juízes, que trabalham diretamente nas decisões.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais são os seus projetos para a presidência do TJ-SP?
Eros Piceli —
A eleição no Tribunal de Justiça tem uma característica própria. Na  campanha para o Legislativo e para o Executivo, os candidatos devem prometer, promover planos de governo. No Tribunal de Justiça, todos se conhecem. Os eleitores conhecem a vida profissional e pessoal de cada candidato. O que se pode prometer é ética, seriedade na condução dos trabalhos, imparcialidade na tomada de decisões, manter relacionamento cordial e amigável com os colegas e demais instituições. E isso não é nem promessa, é obrigação.

ConJur — O papel do presidente dentro da corte é mais administrativo?
Eros Piceli —
Sim. O regime presidencialista exige que o presidente arregace as mangas e vá enfrentar a parte administrativa. Hoje, o tribunal é muito complexo. São 44 mil servidores, sem contar os terceirizados, 2.100 juízes de primeiro grau e mais 360 desembargadores. O problema não é de grandeza numérica, mas de complexidade. Temos 12 secretarias e cada uma delas é um mundo, como uma empresa com administração, recursos humanos, informática. O presidente do tribunal não é mais um título honorífico. No passado, era mais como uma homenagem, era o ápice da carreira dos desembargadores mais antigos. Hoje o presidente tem de ser um alto executivo, ter assessores que possam auxiliá-lo, porque sozinho é impossível. Antes, quem centralizava todas as secretarias era o secretário-geral, que se reportava ao presidente.

ConJur — O tribunal não tem mais um diretor-geral?
Eros Piceli —
Não. Todas as secretarias se reportam diretamente ao presidente. É por isso que o presidente tem assessores, juízes que fazem um trabalho, digamos assim, de triagem. Mas tenho a ideia de que o presidente precisa ter contato mais direto com os secretários. Claro que não dá para fazer isso todos os dias. Mas essa aproximação é muito importante, porque muitas vezes problemas das secretarias não chegam ao presidente. A presidência não é um cargo de poder, mas de dever. Isso não é retórica. Tem muitas obrigações e é preciso ter disposição para enfrentá-las. Sou candidato porque a experiência como vice-presidente me permitiu viver a complexidade do tribunal. Se não, seria muito difícil me aventurar, pelo meu estilo, pelo tipo de juiz que sou. Participei das decisões e, com isso, tenho uma visão melhor do tribunal. Com a crise política e econômica no Brasil, quem for eleito vai enfrentar dificuldades, o que vai ser um desafio para otimizar a administração, enxugar, reduzir. O que talvez em outra ocasião a gente não enxergasse.

ConJur — Quais são as suas expectativas em relação à eleição?
Eros Piceli —
O meu concorrente, o desembargador Paulo Dimas, é um candidato muito bom, gosto muito dele. Trabalhamos juntos na Associação Paulista de Magistrados. Não estou falando isso para agradar, não. Inclusive, trabalhei pela campanha dele na Apamagis. Nós somos amigos. É uma disputa muito amigável, com tratamento de alto nível. Conversamos muito, trocamos ideias. Vai ser uma disputa difícil.

ConJur — Cada um tem sua própria visão sobre o tribunal…
Eros Piceli —
O esforço que deve mover todos os cargos de direção é deixar de lado a vaidade e partir para o bem do tribunal. Quando falo sobre o bem do tribunal, estou me referindo ao bem da sociedade, porque nós somos prestadores de serviço. Somos prestadores de serviço jurisdicional, prestamos serviço por meio das decisões nos processos. Cada vez que conseguimos atender com mais rapidez e sem atraso, estamos prestando um melhor serviço. Melhorar o tribunal significa melhorar a prestação de serviços para a sociedade. Em uma frase, essa é a minha visão sobre o tribunal.

ConJur — Como melhorar a prestação de serviços para a sociedade com milhões de processos em tramitação?
Eros Piceli —
Costumo brincar que essa é a luta do rochedo contra o mar. Quer dizer, isso vai durar enquanto houver essa litigiosidade do povo brasileiro. Nas pesquisas, o Judiciário está sempre para baixo perante a sociedade. No entanto, essa mesma sociedade se socorre do Judiciário de uma maneira absurda. É paradoxal. Mas é possível entender se analisarmos que, depois a Constituição de 1988, o acesso à Justiça foi facilitado. E não houve preocupação por parte do Estado em aparelhá-la para atender essa nova demanda. O orçamento do Judiciário depende do Executivo. Então, temos essa luta permanente. Como resolver? A informatização é uma das saídas. Até o final do ano o processo eletrônico estará implantado em todo o estado. Até mesmo, se Deus quiser, nos processos criminais. Estamos investindo também na conciliação. Já são 145 Cejuscs [Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania], que tentam a conciliação antes ou depois de iniciado o processo.

ConJur — Os resultados têm sido bons nos Cejuscs? As partes têm feito acordos?
Eros Piceli —
Nos Cejuscs, sim. Mas o volume de processos não para de aumentar. Temos de contar com outro fator, que é a crise econômica. Nessas épocas, a tendência é haver cada vez mais litígios. As pessoas deixam de pagar o financiamento do carro, da conta de água, do cartão de crédito. Por meio dos Cejuscs, o tribunal tem se aproximado de grandes credores, como a Sabesp, por exemplo, numa tentativa de que as empresas aceitem acordos e parcelem as dívidas. Essa iniciativa reduz a quantidade enorme de processos de pequena significação econômica, de dívidas de R$ 100, R$ 200.

ConJur — Há conciliações nas execuções fiscais também?
Eros Piceli —
A maior parte dos processos na Justiça é de cobranças de tributos dos municípios e do estado. O problema é que o município transfere a cobrança para o Judiciário, como se fôssemos cobradores. Alguns, inclusive, fornecem pessoal para manusear os processos. A tendência é que eles informatizem a parte deles e nós estamos trabalhando para isso também. A partir daí fica mais fácil de selecionar os processos, dividir por grupos de devedores e atacá-los de uma forma mais racional.

ConJur — As empresas, quando estão no polo passivo dos processos, têm se aberto para as tentativas de acordo?
Eros Piceli —
Sim, nós vamos atrás e tentamos. Nem sempre a gente consegue, porque a visão empresarial é totalmente diferente. Nós queremos solução de processos. Muitas vezes, para as empresas, vale mais a pena perder 1% do faturamento em um processo do que tentar resolver o problema. É uma questão econômica, financeira. A presidência desenvolveu um projeto para diminuir o litígio com planos de saúde e em relação aos pedidos de medicamentos. A ideia é montar um núcleo para que, antes de entrar com a ação, como se fosse uma conciliação prévia, a pessoa possa conversar com o plano de saúde.

ConJur — É preciso aumentar a estrutura da Justiça para atender a demanda da população?
Eros Piceli —
Não acredito que a solução seja aumentar o número de cargos, varas. Temos de otimizar os nossos recursos. Tenho a ambição de continuar o cartório do futuro, que concentra cinco varas em uma só estrutura. Vai depender de estudos, da movimentação, mas o cartório pode atender três, cinco ou dez varas. Tudo isso sem contratar novos funcionários, com o uso da informática. Passei por todas as fases do processo eletrônico aqui no tribunal. No primeiro momento, ele é terrivelmente perturbador. É uma inovação que altera toda a rotina de trabalho. Todo mundo resiste. Depois nós evoluímos e começamos a aceitar. Mesmo assim, sempre há resistências, principalmente dos mais velhos. E há pessoas que realmente não conseguem acompanhar. Hoje, estamos numa fase intermediária, no meio termo. Daqui a pouco vamos utilizar a informática e diminuir o número de servidores nos cartórios. Aumentar o número de cargos é retroceder.

ConJur — Todos os servidores terão de ser capacitados para essa nova fase?
Eros Piceli —
Esse é um plano que tenho também. Criar uma força de trabalho de técnicos em informática para poder assessorar permanentemente os cartórios.

ConJur — Quantos cartórios do futuro já foram instalados?
Eros Piceli —
Temos dois no Fórum João Mendes. O primeiro atende a cinco varas cíveis e dez juízes, porque cada uma delas tem dois juízes. Com o processo eletrônico, não é mais necessário juntar papéis, grampear, numerar páginas, bater carimbos. Do que precisamos? Decisões. Esse trabalho de um cartório só faz com que diminua o trabalho braçal e permite que alguns escreventes ajudem os juízes.

ConJur — Aumentou a equipe dos juízes?
Eros Piceli —
Exatamente. Mas nós ainda estamos em uma fase intermediária, em que nem todos têm condições de ajudar o juiz nas sentenças, de fazer minutas. Nem todos têm facilidade nesse trabalho, que é complexo. E também temos colegas que ainda não conseguem e preferem o processo em papel. É natural. Isso não é uma crítica.

ConJur — O tribunal tem oferecido cursos de capacitação para os servidores que passam de uma função para outra?
Eros Piceli —
Nós temos uma escola para os servidores hoje, a Ejus. Foi um grande avanço. São oferecidos aos servidores não apenas cursos de informática, mas de gestão também. A minha ideia, se eu for presidente, é tentar fazer com que todos trabalhem para o fim comum, que é o tribunal, que é a sociedade.

ConJur — Há uma previsão de quando os novos cartórios atenderão em todos os fóruns?
Eros Piceli —
Vai demorar, porque temos problemas no orçamento. Para transformar os andares do Fórum João Mendes, tivemos que mexer em toda a estrutura, montar novas salas. Está totalmente diferente. Então, é difícil avaliar em época de crise, se teremos dinheiro suficiente para fazer. Se tivermos, acredito que em um ano poderíamos resolver o Fórum João Mendes. Mas está difícil fazer previsões por causa da crise econômica, que acredito ser mais política, pela qual atravessa o país.

ConJur — A primeira instância é quem recebe mais processos e tem menor estrutura. A mudança nos cartórios deve aumentar a estrutura das varas, mas até que a iniciativa seja expandida para todo o estado, há outras alternativas para os juízes?
Eros Piceli —
Tenho a ideia de fazer um levantamento real sobre a situação das regiões que nós temos no estado de São Paulo. Começaríamos pelas regiões e depois chegaríamos às circunscrições judiciárias. Com isso, conheceremos a situação do trabalho dos juízes, do volume de trabalho, assim como o número de funcionários, as dificuldades de cada um. Antes de tomar qualquer decisão, é preciso fazer esse levantamento. E, para isso, a presidência tem de trabalhar diretamente ligada à corregedoria. O presidente e o corregedor têm de trabalhar de braços dados. Juntos, eles podem decidir como auxiliar uma vara que tem problemas. Podem mexer na estrutura, tirar as execuções fiscais de uma vara que está cheia de processos para outra que esteja em melhores condições, por exemplo. Ou mesmo verificar que uma vara tem muito mais servidores que outra e, a partir daí, equacionar o tamanho das equipes.

ConJur — Como o tribunal enfrenta os processos repetitivos?
Eros Piceli —
Cada uma das seções, de Direito Privado, Público e Criminal, além da vice-presidência, tem um núcleo para acompanhar as decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Quando há decisão, o processo volta para o relator aplicar o entendimento ou fundamentar a divergência. O grande problema que enfrentamos hoje é que o volume de matéria repetitiva e de repercussão geral está muito grande e os ministros não estão decidindo. Se eles decidissem esvaziaria muito o tribunal. Veja a questão da poupança. Agora surgiu um impasse maior ainda, porque o STF não tem quórum para decidir. E nem permitem que se decida. Não tem sentido. Agora, o novo CPC permite que na segunda instância se estabeleça temas e recursos repetitivos. Vamos ter de definir quem vai ser a turma competente para dizer o que é repetitivo.

ConJur — Nesse caso, a decisão será vinculante?
Eros Piceli —
Sim. Isso será muito bom. Com o tempo, acredito que esse mecanismo vai resolver muitas discussões, principalmente na área de Direito Público, onde há mais matérias repetitivas. No Direito Privado, podemos encontrar matérias repetitivas em contratos, por exemplo. Mas, prestação de serviço, é muito peculiar. Família é muito peculiar. Por isso é difícil você encontrar uma repetição.

ConJur — Enquanto esse mecanismo não entra em vigor, a edição de súmulas tem servido para uniformizar os entendimentos na corte?
Eros Piceli —
As súmulas não têm poder vinculante. Então, o juiz se sente livre para aplicar o seu próprio entendimento. Mas as súmulas ajudam muito. Na Câmara Especial, que tem competência para julgar casos que envolvam o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], editamos súmulas e o julgamento fica muito mais fácil.

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