Formas de cobrança de alimentos vão muito além da prisão civil
22 de novembro de 2015, 11h03
A internacionalização, contudo, é exigência da Universidade de São Paulo e revela que o modelo até então desenvolvido esgotou-se e precisa de urgente mudança. A rapidez desta mudança depende muito dos docentes e de “vocação” a aceitar os novos e melhores tempos.
Neste mês, um grupo de alunos de mestrado do programa de pós-graduação da USP – Largo São Francisco, coordenado por mim e pela professora Giselda Hironaka, esteve em Coimbra para um diálogo com os alunos de mestrado e doutorado daquela que é uma das mais antigas universidades do mundo. Do lado português, a coordenação dos trabalhos foi feita pelo professor Guilherme de Oliveira.
Os temas definidos para o debate entre os alunos da FDUSP e FDUC foram dois: i) poder familiar: exercício e titularidade. O que é guarda? ii) alimentos devidos a menor: cobrança forçada.
Sobre o primeiro tema falarei em outro momento, mas sobre a pensão alimentícia e sua cobrança cabem algumas linhas.
É sabido que a Constituição brasileira admite excepcionalmente a prisão civil (artigo 5º, LVII) sendo que a do devedor de alimentos é a única ainda possível depois de o Brasil ter ratificado o Pacto de São José da Costa Rica, sendo ineficaz a prisão civil do depositário infiel.
O Código de Processo Civil de 1973 prevê tal prisão no artigo 733 e o novo CPC mantém tal possibilidade. Esse é o texto do artigo 528 do CPC/15:
“No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em três dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 1o Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517.
§ 2o Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento.
§ 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de um a três meses.
§ 4o A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.
§ 5o O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
§ 6o Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.
§ 7o O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.”
A questão que se coloca é: realmente o modelo de prisão por inadimplemento da pensão alimentar é aquele desejável para o sistema?
Foi sem surpresa que li a decisão do Superior Tribunal de Justiça que permite a inscrição do nome do devedor de alimentos nos cadastros de mau pagadores. Aliás, em se admitindo a prisão, medida mais radical e onerosa que as demais[1], não há qualquer razão para não se admitir medidas menos gravosas e apenas de índole patrimonial. O novo CPC admite expressamente tal inscrição.
Há uma ideia recorrente no meio forense pela qual depois de decretada a prisão do devedor de alimentos, o dinheiro, até então inexistente, costuma aparecer rapidamente. Aliás, há ainda uma frase, com grande grau de malícia, pela qual a única prisão efetiva no Brasil é a do devedor de alimentos.
Se a prisão ou a simples ameaça é forma de coerção efetiva e eficiente, problemas evidentes dela decorrem. Dois são os mais óbvios.
O primeiro é o efeito nefasto à relação pessoal e afetiva entre o credor e o devedor. A prisão de um pai a pedido de um filho, ainda que representado por sua mãe, é, geralmente, o fim de qualquer relação pessoal entre eles. A raiva e mágoa que surgem deste meio de coerção é causa de deterioração ou rompimento das relações pessoais.
Ainda, se a prisão ocorre, o devedor fica impedido de trabalhar. Isso, por si, não é bom para o credor, pois, quanto menos o devedor trabalha, menos chance tem de pagar o que deve. Pior, se o devedor for demitido porque ficou 90 dias preso, a ruína financeira pode nascer exatamente em razão da prisão.
Em Portugal, o debate girou em torno de ideias para efetivar o pagamento dos alimentos sem se recorrer à prisão civil.
Em Portugal há um Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores que garante um pagamento mensal máximo de 419,22 euros por mês para o credor de alimentos. Este limite é o chamado IAS.[2]
Nos termos do artigo 48 do Regime Geral do Processo Tutela Cível, toda vez que houver pensão alimentícia em favor de menor prevista em sentença ou decorrente de acordo firmado na Conservatória (extrajudicial), que tem força de sentença, e o devedor não realizar o pagamento, a quantia deverá ser paga pelo fundo em questão.
O limite máximo de 419,22 euros se aplica a cada credor isoladamente. Se são dos filhos menores credores, e a pensão fixada em favor de cada um for de 300 euros, por exemplo, o Fundo garante o pagamento de 600 euros.
Para o menor fazer jus à assistência do Fundo, deve residir em território português e não ter rendimento mensal superior ao IAS[3].
Fato é que, feito o pagamento, o Fundo passa a ser credor do devedor dos alimentos, ou seja, ocorre o fenômeno da sub-rogação.
Sobre o Fundo, surgem indagações: de onde viriam os recursos para o fundo? Seria correto subsidiar a obrigação do devedor com dinheiro público?
Note-se que o tema merece uma pesquisa para se analisar sua viabilidade/interesse para a adoção no Brasil. É por essa razão que no ano de 2016 formaremos um grupo de pesquisa na FDUSP e outro na FDUC para se analisar formas de coerção, além da prisão civil.
[1] Essa é a opinião de Mario Delgado conforme publicação no jornal “O Estado de São Paulo” de 19.11.2015 (O devedor de alimentos e os cadastros de restrição ao crédito).
[2]O IAS é o Indexante de Apoios Sociais e foi criado em 2006 pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro estando em vigor desde o início de 2007. O IAs foi criado para desvincular o cálculo e as actualizações das contribuições e as prestações sociais do Salário Mínimo Nacional também conhecido por Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG).
[3] Desde 2009 o valor não sofre reajuste, ou seja, está em 419,22 euros.
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