Diário de Classe

É preciso ouvir a defesa antes de sentenciar? A dialética de Nucci versus Nucci

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21 de novembro de 2015, 7h01

Spacca
Lembram-se da juíza que revogou a lei da Física e presidiu duas audiências ao mesmo tempo na comarca de São José do Rio Preto no início desse ano? Caso negativo, leiam aqui. Pois bem. Prometi aos leitores que ficaria de olho e acompanharia o caso. Afinal, é este o papel da doutrina.

Em abril, a 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, presidida pelo desembargador Guilherme de Souza Nucci, denegou a ordem de Habeas Corpus. Ele votou junto com o relator Borges Pereira, para quem, “o que ocorreu é que a Magistrada já havia formado seu convencimento e, mesmo após leitura dos memoriais das partes, os argumentos ali constantes não tiveram o condão de alterar seu convencimento, razão pela qual manteve a sentença, que já havia elaborado”. Sobre tal decisão, juntamente com Lenio Streck, voltei à carga: Kill the lawyers: para que contraditório se já formei o convencimento mesmo?

Agora, o caso chegou, finalmente, ao Superior Tribunal de Justiça, por meio do RHC 62.623/SP, de relatoria do ministro Gurgel de Faria. O processo ainda aguarda julgamento na 5ª Turma. De todo modo, é importante destacar que, no dia do aniversário da Constituição, o Ministério Público Federal manifestou-se no sentido do provimento do recurso ordinário. Bingo!

Segundo o parecer da subprocuradora-geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, o ato da juíza causou claro prejuízo ao acusado, porque frustrou o seu direito ao contraditório e à ampla defesa:

“A ausência da Juíza de Direito da sala da audiência de instrução e julgamento, no momento da apresentação das alegações finais, e a prolação da sentença condenatória antes deste ato, contraria o disposto no art. 403-caput do Código de Processo Penal e prejudica o recorrente, que teve cerceado seu direito de defesa. Ante o exposto, opino pelo provimento do recurso ordinário para declarar a nulidade da sentença condenatória”.

O mais curioso de tudo é que, no referido parecer, a ilustre representante do Ministério Público Federal reproduziu, coincidentemente, o magistério do próprio Guilherme de Souza Nucci — que, na ocasião do julgamento no TJSP, acompanhou o voto do relator, no sentido da denegação do writ — para demonstrar que houve a inversão da ordem determinada no artigo 403 do CPP:

“Alegações finais orais: em homenagem à celeridade processual e ao princípio da oralidade, que traz consigo a concentração e a identidade física do juiz, devem as alegações finais ser feitas oralmente. Espera-se que, finalmente, as partes se libertem do velho e indevido ditado, feito ao escrevente de sala, reduzido a termo, dirigindo-se, diretamente, ao magistrado, que deve estar presente e disposto a ouvir. Esse relato oral, formulado pela acusação e pela defesa, não será reduzido a termo, pois não é escrito. Findas as alegações orais, constará do termo apenas o resumo (quem pediu o quê). O juiz deve, então, proferir a sentença” (Nucci, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado, 2014, p. 845).

Embora ainda fundada no princípio pas de nullité sans grief — categoria cuja origem remete ao processo civil francês do século XIX —, é importante destacar que, nesse caso concreto, a subprocuradora da República efetivamente exerceu o papel a ele atribuído dentro dos tribunais: fiscal da lei. É isso o que se espera do Ministério Público. E também do Poder Judiciário, sempre que se estiver diante de um caso que viole a Constituição! Se a conduta da juíza afrontou uma garantia fundamental, a sentença é nula. Levemos o processo penal a sério, pois.

Em suma: a juíza errou. E o TJ-SP também. Isso é o que sustentamos desde o início. As cortes superiores servem para corrigir esses equívocos. O interessante é que, quando julgar o caso, o STJ terá de dizer quem tem razão: o desembargador Nucci, que votou pela denegação da ordem; ou o doutrinador Nucci, para o qual, nos debates, o magistrado “deve estar presente e disposto a ouvir”. Parece pouco, mas é muito! Afinal, disso depende não apenas o desenlace do processo, mas o destino do réu.

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