Empréstimos consignados

Exigir juro em desacordo com a lei não é o mesmo que solicitar, diz TRF-4

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21 de março de 2015, 7h37

Exigir juro em desacordo com a lei justifica Ação Penal. Isso porque, o verbo ‘‘exigir’’, expresso no artigo 8º, da Lei 7.492/86, foi empregado no sentido de ‘‘impor’’, como condição à quitação, juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração em desacordo com a legislação. A solicitação, portanto, é suficiente para caracterizar o delito, pois não se requer ameaça ou violência.

O fundamento levou a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a negar Habeas Corpus a um dos executivos do Banco Matone — hoje, Banco Original S/A —, denunciado por ferir este dispositivo da lei que define os crimes contra o sistema financeiro nacional. Ele teria determinado que os funcionários do banco cobrassem ‘‘juros a maior’’ dos clientes que pretendessem antecipar a quitação dos empréstimos consignados.

A relatora do recurso na corte, desembargadora Claudia Cristina Cristofani, disse que mandar calcular juros em contradição com os parâmetros da legislação em nada se identifica com ‘‘solicitar’’.  ‘‘Pedir que alguém faça algo como condição a que um evento sobrevenha não é solicitar — característica da solicitação seria a sua graciosidade; vale dizer, a ausência do caráter de condicionamento’’, escreveu no acórdão.

Conforme a relatora, trata-se de norma aplicável apenas às instituições financeira regulares e não àqueles que praticam a agiotagem, atividade ilícita e clandestina, que faz da ameaça e intimidação seu modus operandi. ‘‘Não sendo a agiotagem (…) , por certo que a repressão visada pelo legislador é justamente a, não menos odiosa, prática consistente em embutir inúmeros encargos, comissões, juros, remunerações das mais variadas naturezas, e sob os mais variados pretextos, em desconformidade com a legislação, nas contas apresentadas aos clientes das instituições financeiras para quitação de suas obrigações’’, complementou.

Por fim, ela derrubou o argumento de que a ‘‘suposta violação’’ de Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) não caracteriza ‘‘agir em desacordo com a legislação’’, pois o texto do tipo penal não se refere à lei em sentido estrito, abarcando a norma infralegal. Assim, inexistindo ilegalidade que justificasse o trancamento da Ação Penal, mandou prosseguir o processo. O acórdão foi lavrado na sessão de 13 de janeiro.

A denúncia do MPF
O Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul denunciou o autor e outros quatro altos executivos ligados ao Banco Matone pela prática do delito previsto no artigo 8º da Lei 7.492/86. Diz o dispositivo: ‘‘Exigir, em desacordo com a legislação, juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários’’.

O caso aconteceu entre os anos de 2007 e 2011, quando os contratantes de crédito em consignação na folha de pagamento, interessados na quitação antecipada do empréstimo, procuraram o Banco Matone para obter o cálculo e viabilizar o pagamento do saldo devedor. O objetivo era tanto  exercer o direito à portabilidade da dívida quanto extinguir a obrigação.

Conforme a inicial do MPF, para impedir a portabilidade dos empréstimos para outras instituições financeiras, os executivos denunciados estabeleceram protocolo abusivo para o acesso ao saldo devedor. As exigências eram muito mais rigorosas do que aquelas previstas para a concessão do crédito.

Segundo apurou o Banco Central do Brasil, os denunciados determinaram as seguintes medidas para impedir a quitação antecipada dos empréstimos: a) não disponibilizavam o formulário (em branco) para solicitação do saldo devedor na internet nem por e-mail, impondo ao cliente o deslocamento até uma das lojas ‘‘Bem-Vindo Banrisul’’ só para pegá-lo ou submetendo-o à espera de alguns dias para a chegada do documento pelos Correios — caso não exista este tipo de loja na sua cidade; b) somente o próprio cliente (ou procurador com procuração com firma reconhecida) poderia pegá-lo, sendo que este continha apenas algumas instruções e campos a serem preenchidos. Conforme o MPF, não haveria de se cogitar sigilo bancário nessa etapa, pois nenhuma informação do cliente ou da operação constava do formulário em branco.

Vencida esta etapa administrativa, segundo a peça acusatória, os empregados da instituição financeira calculavam o desconto/abatimento nos juros em desacordo com a legislação vigente, cobrando valores ‘‘a maior’’ dos mutuários, justamente para impedir a quitação antecipada dos contratos de crédito consignado. Com isso, no efeito prático, tornavam pouco atrativo o pagamento integral da dívida antes do tempo contratado.

‘‘Assim, em uma operação cuja taxa contratual estivesse fixada em 2% ao mês, por exemplo, o cálculo para quitação antecipada (valor presente) corresponderia à incidência de uma taxa de deságio variável, fixada aproximadamente entre 20% e 85%, de acordo com o convênio firmado, resultando em um desconto pela antecipação limitado entre 0,4% a.m. e 1,7% a.m., de modo que quanto menor o resultado da referida equação, maiores os prejuízos aos mutuários’’, exemplifica a denúncia. Com essa prática, apurou o MPF, os denunciados não concediam aos seus clientes a redução proporcional dos juros na quitação dos contratos antecipadamente, como estabelece a  Resolução 3.516/2007 do CMN.

Trancamento da Ação Penal
Apresentada resposta à acusação protocolada na 7ª Vara Federal de Porto Alegre, a juíza-substituta Karine da Silva Cordeiro entendeu que não era o caso de absolvição sumária. Por isso, deu sequência à tramitação do processo. Para derrubar esta decisão, o advogado do autor ajuizou Habeas Corpus, com pretensão liminar, objetivando o trancamento da Ação Penal 5035732-57.2014.404.7100/RS.

A defesa sustenta a atipicidade da conduta do paciente, sob o fundamento de que o ato praticado não se enquadra no verbo ‘‘exigir’’, mas sim em ‘‘solicitar’’, o que não está previsto no tipo penal imputado na denúncia. É que a norma penal, salienta na peça defensiva,  em nenhum momento coíbe o comportamento de ‘‘solicitar’’, ‘‘pedir’’, ‘‘estipular’’ ou mesmo ‘‘requerer’’. Reitera que, na espécie, ‘‘não houve nenhum ato de ‘exigir’ juros ilegais, por parte do Banco Matone, muito menos do [autor denunciado]. O que houve foi o ato de ‘solicitar' juros fora da regulamentação infralegal — um irrelevante penal’’.

Argumenta também que o impedimento de quitação antecipada do crédito, mediante o pagamento de juros ‘‘a maior’’, em tese, não pode ser visto como uma ‘‘atitude coativa’’ a título de exigência. É que, caso questionado o pagamento deste montante, o cliente pode discuti-lo perante o Poder Judiciário.

Clique aqui para ler o acórdão.

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