Os problemas do sistema prisional brasileiro são conhecidos: superlotação, violência, ausência de saneamento, doenças e criminalidade organizada estão presentes em quase todos os ambientes de privação de liberdade do país. A manutenção desse sistema institucionalizado de violações de direitos se dá por equívocos de cada um dos poderes democráticos e pela sociedade como um todo. Alguns deles se originam da alta cúpula do Judiciário. O adiamento da votação da proposta de súmula vinculante 57 — que trata da progressão de regime fechado para o regime aberto — é um desses casos.
O papel do poder Judiciário é crucial para garantir direitos, ainda que eles não pareçam convenientes para parte da população. Ainda que a sociedade ignore de modo geral o problema do cárcere como uma questão geral e em resposta o Legislativo amplie os tipos penais e aumente penas, e o Executivo invista muito mais em repressão do que na prevenção de crimes, cabe ao Judiciário tentar romper com esse ciclo de inércia e violência. Porém muitas vezes o Judiciário tem contribuído com o agravamento da situação, já que em geral o abuso de força policial não é responsabilizado, utiliza-se a prisão provisória de forma indiscriminada (ao invés de aplicar medias cautelares) e, especialmente, deixa-se de aplicar súmulas e precedentes de tribunais superiores sem maiores justificativas.
Por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm fixado há anos que os condenados que tiverem preenchido os requisitos para migrar do regime fechado para o semi-aberto poderão usufruir do regime aberto caso não existam vagas em estabelecimento prisional adequado para o regime semi-aberto. No mesmo sentido, os condenados inicialmente a regime semi aberto devem ir para o regime aberto e não para o fechado. Mesmo se tratando de uma orientação clara e que visa garantir que ninguém esteja sujeito a um regime mais grave do que aquele imposto na sentença, os juízes e tribunais tendem a ignorá-la. É por este motivo que o Defensor Público-Geral Federal propôs ao STF, em 2011, que esse entendimento fosse aprovado como enunciado de súmula vinculante.
Após quase quatro anos a proposta foi levada para julgamento no Plenário, mas a votação foi suspensa pelo pedido de vista do ministro Roberto Barroso, com a justificativa de apreciá-la após julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral sobre o mesmo tema. No debate que os ministros travaram, deixou-se de analisar o que era de responsabilidade do Judiciário para imiscuir-se nas tarefas dos outros. Ao invés de decidir de forma célere a regra para impedir que presos cumpram pena em regime mais gravoso, dando um recado claro às instâncias judiciárias inferiores, preferiu debater os custos de medidas alternativas, como as tornozeleiras eletrônicas e “medidas mais amplas sobre o sistema prisional”. Não é ruim que o Judiciário seja um espaço para a resolução de problemas complexos, como são as políticas criminais, mas desde que promova a interlocução entre os diferentes atores institucionais. Isolado, poderá pouco.
Caso este tema não retorne em breve e não tenha solução mais ampla do que oferecida pela proposta de súmula vinculante 57, a nobre intenção terá favorecido a continuidade de um “estado de inconstitucionalidade” em nossas prisões. Parte essencial de sua função é dar respostas adequadas quando solicitado, as mais justas possíveis e de forma célere. O julgamento foi adiado e todos aqueles inconstitucionalmente privados de liberdade em regime mais gravoso permanecem como estão. Ao calçar os sapatos dos administradores, deixou de oferecer justiça.
Comentários de leitores
2 comentários
encruzilhada
Servidor estadual (Delegado de Polícia Estadual)
O que ocorre é que os juízes de primeira instância se vêem diante do dilema de aplicar as doutrinas "humanitárias", condenando a inúmeras penas alternativas, e aplicando medidas alternativas igualmente inócuas e serem responsabilizados pela explosão de criminalidade em suas cidades, ou aplicar a pena de prisão e ver sua Comarca tranquila. Simples assim. As ditas penas alternativas são falacias, as medidas alternativas como fiança igualmente não servem para quase nada no combate à criminalidade, ao contrário só faz crescer o sentimento de impunidade.
Matéria do portal do CNJ
isabel (Advogado Assalariado)
do blog do juiz Rosivaldo Toscano : " Em 2013, o conselho Nacional de Justiça- CNJ- realizou um mutirão carcerário no Rio Grande do Norte. O ministro Joaquim Barbosa, que presidia o STF e o CNJ, em louvável iniciativa, foi pessoalmente verificar as condições dos estabelecimentos prisionais potiguares. Segundo ele, tal sistema prisional era "muito desumano" e "caótico". Matéria do Portal do CNJ descreve o cenário.... "
Portanto, Suas Excelências sabem perfeitamente que o Pacto de São José da Costa Rica, que define que as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados " subscrito pelo Brasil, e que portanto , o obriga sob as normas de Direito Internacional está sendo desrespeitado.
Mais uma vez, se espera, somente que se cumpra o Direito.
Comentários encerrados em 25/03/2015.
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