Questões numéricas

STJ propõe ao Congresso restabelecer regras de admissibilidade de recursos

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14 de julho de 2015, 14h39

O Superior Tribunal de Justiça quer mexer no novo Código de Processo Civil antes que ele entre em vigor. Preocupado com a nova regra de admissibilidade de recursos especiais, o tribunal enviou ao Congresso uma proposta de alteração do novo CPC para restabelecer o sistema descrito no Código atual. No Supremo Tribunal Federal, o pedido é para que a entrada em vigor do CPC seja adiada. O novo Código está em período de vacatio legis e só passa a valer em março de 2016.

A redação do CPC em vigor diz que o juízo de admissibilidade de recursos ao STJ e ao Supremo deve ser feito pelo tribunal que proferiu a decisão contra a qual se está recorrendo. Ou seja, são os tribunais locais que decidem se os recursos poderão ser enviados ao STJ e o STF. Caso o tribunal negue a subida, cabe agravo da decisão, cuja análise cabe ao STJ ou ao Supremo.

Pela redação do novo CPC, não há mais esse juízo de admissibilidade e os recursos sobem automaticamente para Brasília. A preocupação dos ministros do STJ é com a multiplicação repentina da demanda. Quem defende a nova regra afirma que ela ajudará na consolidação na jurisprudência da admissibilidade. Pelo rito atual, cada tribunal pode estabelecer seu próprio entendimento a respeito da matéria. Com a nova regra, o entendimento vai se concentrar nos superiores, o que deve evitar variações jurisprudenciais.

A preocupação do STJ é numérica. De acordo com dados do tribunal, em 2014, 48% dos recursos especiais ajuizados contra decisões do tribunais locais morreram na origem — ou não subiram. Dos que subiram, a grande maioria foi por meio de agravo.

Em números absolutos, foram interpostos 452,7 mil recursos contra decisões das cortes locais. Desses, 78 mil foram admitidos e 146,8 mil tiveram a subida negada na origem sem agravo. Ainda assim, em 2014, o STJ recebeu  184 mil agravos contra decisões que denegaram a subida de recursos.

Ou seja, caso não houvesse o controle da subida pelos tribunais de origem, o STJ teria recebido, em 2014, 452,7 mil recursos, e não os 314,3 mil que recebeu. Para 2015, a estimativa é de crescimento de 40% na demanda apenas com a mudança na admissibilidade. Para a 2ª Seção, os ministros esperam que a distribuições dobre.

Segunda etapa
O STJ ainda conta com um mecanismo de resolução de processos em massa, que são os chamados recursos repetitivos. Por meio deles, o tribunal escolhe um caso que represente uma grande quantidade de demandas na Justiça e o julga. A tese definida pelo STJ deve ser, então, aplicada por todo o Judiciário do país.

Com os repetitivos, o tribunal consegue filtrar ainda mais os casos que chegam a ele, por meio da Secretaria Judiciária (SJD). Segundo o órgão, entre janeiro e maio deste ano, o STJ recebeu 135 mil recursos. E 45% foram rejeitados.

O filtro é feito em três etapas. A primeira é verificar os pressupostos recursais; a segunda se dedica apenas aos agravos e checa se eles atacam especificamente os fundamentos da decisão agravada, conforme manda o artigo 544, parágrafo 4º, inciso I do atual CPC. Já o terceiro filtro está em saber se aquele caso já não foi julgado pela sistemática dos repetitivos. Se foi, a jurisprudência é aplicada automaticamente e o processo não é distribuído.

Projeto de lei
A proposta de alteração do CPC consiste em adaptar a regra antiga ao quadro geral do novo CPC. Foi elaborada por uma comissão designada pelo presidente do STJ, ministro Francisco Falcão, para debater o tema. Fazem parte dela os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Rogério Schietti e Assusete Magalhães, mas também estão envolvidos nas discussões os ministros Luiz Felipe Salomão, Og Fernandes, Isabel Gallotti e Marco Aurélio Bellizze.

Em mensagem enviada ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), os ministros afirmam que “a simplificação de subsistemas, ritos, fases e atos processuais deve ser concebida em adequado alinhamento com a realidade dos tribunais pátrios (não podendo ser estabelecida a qualquer custo”.

De acordo com a mensagem, esse “sistema de compartilhamento de competências”, além de influenciar nos números da demanda, também é uma “importante fase procedimental, na medida que filtra a remessa de recursos manifestamente inadmissíveis ou em confronto com a jurisprudência consolidada dos tribunais de superposição”.

A exposição de motivos também afirma que, como ainda é previsto o agravo aos superiores, há uma participação de todas as cortes na admissibilidade dos recursos. Segundo o texto, a regra ainda em vigor “impõe exercício de vinculação dos órgãos da jurisdição ao patrimônio hermenêutico formado pelos tribunais superiores”.

Tramitações
Na Câmara, quem acompanha o tema é o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Advogado de formação, ele foi o relator do novo CPC na Casa quando ele ainda era projeto de lei e teve o trabalho bastante elogiado por quem acompanhou o tema.

O deputado afirma que está em conversas com os tribunais para que se veja o que é possível fazer. “Acho estranho os tribunais abrirem mão de poder desse jeito. Não é algo comum”, comenta. Teixeira aponta duas razões para que a regra que consta do novo CPC seja mantida. A primeira é o alto índice de agravos e o fato de a nova forma de juízo de admissibilidade “mantém com os tribunais superiores o controle sobre o tema. São eles é quem vão estabelecer os parâmetros”.

A segunda razão é que não haverá a catástrofe prevista, segundo o deputado. “É simples estabelecer uma estrutura para a filtragem. Os tribunais superiores podem fazer convênios com as cortes de origem, seja para que o segundo grau continue fazendo o juízo, mas sob a batuta dos superiores, seja por meio da requisição de servidores.”

“Estamos certos de que isso é um grande ganho para os tribunais, e me pergunto por que eles querem abrir mão de poder. Para eles é uma economia, até jurisprudencial e de controle das decisões. Vão conseguir reduzir o número de agravos. Eles podem implementar isso de maneira tranquila”, afirma o deputado.

Origem
O novo CPC foi elaborado por uma comissão de juristas presidida pelo ministro Luiz Fux, hoje no Supremo, na época no STJ. O grande objetivo do grupo era valorizar a jurisprudência e os precedentes, como forma de trazer mais segurança jurídica ao país.

A questão da admissibilidade trouxe críticas ao ministro por parte dos colegas de STF. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, acredita que “fazer uma reforma no CPC para agravar a situação já grave das cortes supremas é algo que não se recomenda”, conforme disse à Folha de S.Paulo. Para o ministro Marco Aurélio, é um “retrocesso”.

O que tem circulado em Brasília é que o pai da ideia é o ministro Sidnei Beneti, aposentado do STJ. Mas o que consta do novo CPC é uma simplificação do que Beneti propôs.

O ministro tentou traduzir para a realidade brasileira o sistema do tribunal alemão equivalente ao STJ, o Bundesgerichtshof, ou BGH. Lá, quando os tribunais de segunda instância decidem num processo, os julgadores decidem se o processo trata de tese nova para aquela corte.

No caso de ser discussão nova, o recurso sobe automaticamente. Se não for tese nova, abre-se um prazo para a interposição de agravo e quem decide se esse caso deve subir ou não é uma comissão de análise composta por três membros do BGH. Basta um voto para que o caso seja admitido.

“Do jeito que está, é uma catástrofe”, comentou o ministro Beneti ao Anuário da Justiça Brasil 2015. “Mas tem o lado bom e o lado ruim. É péssimo do ponto de vista da aplicação: imagine a quantidade de recursos que vão chegar ao STJ de repente. Mas é bom no sentido de criar essa necessidade nos tribunais de solucionar o problema. Força o enfrentamento da questão.”

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