Ocupação de escolas em São Paulo opõe
1ª e 2ª instâncias da Justiça
2 de dezembro de 2015, 9h31
Um conflito de entendimento entre a primeira e segunda instâncias da Justiça de São Paulo vem marcando a disputa pelas quase 200 escolas públicas ocupadas no estado, em protesto contra fechamentos anunciados pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB).
O Tribunal de Justiça decidiu no dia 23 de novembro, por unanimidade, que não deveria haver nenhum tipo de reintegração de posse. O entendimento do TJ-SP é que o objetivo das ocupações não é tomar posse do prédio público, mas promover um diálogo com o Estado.
Porém, a decisão não tem poder vinculante em outras ações e só é válida para as escolas citadas no processo (todas da capital). Em seis cidades do interior, os juízes locais já decidiram no sentido contrário e ordenaram a reintegração, inclusive com autorização do uso de força policial contra os estudantes.
A comarca local não é obrigada a seguir a decisão do TJ-SP. Ela toma a decisão, e as partes afetadas, caso se sintam prejudicadas, podem recorrer à instância máxima do estado. Como o Tribunal de Justiça se posicionou, a Defensoria Pública (que tem atuado na defesa dos interesses dos estudantes contrários ao fechamento) entrou com recursos em varas locais anexando a decisão do TJ como argumento.
A estratégia surtiu efeito: em seis cidades onde ocorrem ocupações das escolas, os juízes de primeira instância suspenderam as reintegrações após ter sido juntado no processo a decisão do Tribunal de Justiça por via recursal. São elas: Diadema, Santo André, Jundiaí, Piracicaba, Osasco e Guarulhos.
Na cidade de Sertãozinho, o juízo de primeiro grau indeferiu liminarmente o pedido de reintegração, tendo inclusive citado parte da decisão relatada pelo desembargador Coimbra Schmidt no TJ-SP: “Inadmissibilidade, por não se ver claramente presente a intenção de despojar o Estado da posse, mas, antes, atos de desobediência civil praticados no bojo de reestruturação do ensino oficial do Estado objetivando discussão da matéria”.
Estratégia política
As liminares para reintegração de posse no caso das escolas, pedidas pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB), foram concedidas por juízes de primeiro grau em Campinas, São José dos Campos, Caieiras, São Carlos, Santos e Santa Cruz das Palmeiras. Em alguns casos, ainda há recurso pendente da Defensoria Pública e do Ministério Publico.
“Os mandados de reintegração com força coercitiva já foram expedidos e geram preocupação com relação à integridade física e psicológica das crianças e adolescentes que ocupam de forma legítima essas escolas”, avalia Karina Quintanilha, advogada que atua na defesa de direitos humanos.
Karina tem acompanhado de perto as questões processuais envolvendo as escolas ocupadas e afirma que a Procuradoria teve uma estratégia política definida ao entrar com pedido de reintegração das escolas por meio de processo pré-existente contra o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeosp), que é contra o fechamento das escolas.
Porém, segunda ela, “o tiro saiu pela culatra, pois o Tribunal de Justiça reconheceu que não se trata de posse, mas sim direito dos estudantes de reivindicar direito a educação de qualidade. A dificuldade maior encontra-se nas ações da Procuradoria contra as escolas fora da capital, onde em geral é necessário acionar a Defensoria Pública para recorrer ao TJ-SP para reverter as decisões”.
“Recurso absurdo”
Após perder a ação sobre escolas na capital no TJ-SP, o governo estadual buscou reverter a decisão entrando com mandado de segurança na mesma corte. A estratégia seguiu um caminho processual: o MP pediu que os desembargadores que negaram a reintegração não participassem da análise do MS, pois já teriam demonstrado sua posição quanto ao tema.
O pedido foi negado em decisão desta terça-feira (1º/12). “Em uma decisão histórica, o desembargador que julgou a liminar do mandado determinou que não é possível passar por cima da decisão anterior do próprio TJ-SP e que as ocupações devem continuar pelo direito a educação e gestão democrática”, afirmou Karina.
Motivos do TJ
No julgamento do agravo no último dia 23, o TJ-SP afastou a hipótese de que as ocupações teriam como objetivo a posse das escolas. Os desembargadores entenderam que a questão na realidade abrange a falta de diálogo da Secretaria de Educação sobre o projeto de reorganização das escolas e atinge um problema de política pública, já que não houve discussão prévia com as comunidades escolares atingidas pela medida, como prevê o artigo 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e diversos tratados internacionais de direitos humanos.
Em seu voto vencedor, o desembargador Magalhães Coelho defendeu a legitimidade do movimento. “Esse estado está vinculado aos vetores axiológicos da Carta Republicana, dentre os quais o respeito à dignidade humana, o pluralismo e à gestão democrática das políticas públicas. Não será com essa postura de criminalizar e ‘satanizar’ os movimentos sociais e reivindicatórios legítimos que o Estado alcançará os valores abrigados na Constituição, a saber, a construção de uma sociedade justa, ética e pluralista.”
Pertence ao estado
O entendimento do TJ-SP é que as ocupações não têm por objetivo tomar posse do prédio público, mas promover um diálogo com o estado. Já para o juiz Silvio José Pinheiro dos Santos, da 1ª Vara da Fazenda Pública do Foro de São José dos Campos, a movimentação tem, sim, como meta tomar posse.
“O imóvel em disputa pertence ao estado de São Paulo e se destina à prestação do serviço público de ensino. De outra parte, está suficientemente demonstrada a ocupação, sem prazo de duração, e a impossibilidade de manutenção das atividades regulares, ou seja, a interrupção de serviço essencial e relevante”, escreveu Santos.
Em Sorocaba, que está com 22 escolas ocupadas, a instância local optou por um meio termo: estabeleceu a reintegração, mas antes pediu que um oficial de Justiça vá às escolas para checar se elas de fato estão ocupadas. O pedido feito pela Defensoria Pública no processo é que, caso haja reintegração forçada, seja apresentado antes um plano de ação da Polícia Militar para evitar abusos.
Poderes limitados
O poder de guiar as decisões de instâncias anteriores é do Superior Tribunal de Justiça por meio de recurso repetitivo e do Supremo Tribunal Federal em decisões de repercussão geral. O TJ não tem essa premissa, mas, no recente caso da substância feita pela USP e tida como possível cura do câncer, a Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo abriu apuração preliminar contra uma juíza de São Carlos por ela ter continuado a emitir liminares em entendimento contrário ao do Tribunal de Justiça.
O presidente do TJ-SP, desembargador José Renato Nalini, afirma que ela “desconsiderou” um despacho no qual ele decidiu suspender o fornecimento da fosfoetanolamina.
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