Cabe Habeas Corpus contra decisão de ministro do Supremo, decide STF
26 de agosto de 2015, 20h04
O Habeas Corpus é “ação nobre sem qualquer limitação na Constituição Federal” e, portanto, pode ser impetrado contra ato de ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi o que decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira (26/8), por empate, ao conhecer Habeas Corpus impetrado pela defesa de um dos denunciados na operação “lava jato”.
A discussão foi interrompida no fim da tarde desta quarta, depois que cinco ministros votaram pelo conhecimento do HC e cinco pelo não conhecimento. Como em matéria penal o empate favorece o réu, ficou firmado o entendimento de que cabe Habeas Corpus contra decisão monocrática de ministro do Supremo. Venceu a tese do ministro Dias Toffoli, relator. O ministro Teori Zavascki está impedido de votar no caso, já que o HC foi impetrado contra decisão dele.
Com o resultado do debate nesta quarta, a sessão desta quinta-feira (27/8) vai discutir se a decisão de homologar o acordo de delação premiada do doleiro Alberto Youssef na “lava jato” foi válida ou não.
A questão foi levada ao Plenário pelo advogado José Luis Olveira Lima, que defende o executivo Erton Medeiros Fonseca, ex-diretor da empreiteira Galvão Engenharia e um dos investigados na operação — que apura denúncias de corrupção na Petrobras. O advogado afirma que a delação premiada de Youssef não poderia ter sido homologada pelo Supremo, pois ele descumpriu outro acordo de delação, assinado na investigação que deu origem ao famoso caso Banestado.
Oliveira Lima foi ao Supremo com Habeas Corpus por não ter outra opção. Seu cliente passou a ser investigado na “lava jato” por causa de informações prestadas ao Ministério Público Federal em delação premiada. O acordo de delação foi, depois, homologado pelo ministro Teori Zavascki.
Sem saída
A defesa do executivo da Galvão, então, viu-se emparedada. Entende que o acordo não poderia ter sido homologado, mas não tinha meios de questionar: não poderia agravar da homologação, já que Medeiros não está envolvido no acordo, e nem poderia impetrar HC, pois a Súmula 606 do Supremo impede a impetração contra decisão do próprio Supremo.
Oliveira Lima decidiu entrar com o HC mesmo assim, e forçar a discussão. Segundo ele, a Lei 12.850/2013 impede que quem já descumpriu um acordo de delação assine outro, mesmo que em outra investigação. No caso de Youssef, ele foi um dos delatores da operação que investigou lavagem de dinheiro e evasão de divisas para uma conta do Banestado em Nova York — o famoso caso também foi julgado pelo juiz federal Sergio Fernando Moro, que toca a “lava jato”.
Inicialmente, em decisão monocrática, o ministro Toffoli negou seguimento ao HC, com base na Súmula 606. A defesa de Erton, então, agravou da decisão e o relator decidiu levar a questão ao Plenário.
Erros do rei
Na sustentação oral feita na sessão desta quarta, Oliveira Lima ressaltou a importância de se conhecer do pedido. “Se não cabe o Habeas Corpus, qual a saída? Como posso me insurgir contra uma decisão que não encontra respaldo na lei nem na Constituição? Não admitir a possibilidade de discutir a questão por meio de Habeas Corpus é tornar uma decisão imutável, irrecorrível, inquestionável.”
O relator concordou com a tese do advogado. Para ele, o artigo 102 da Constituição, que define as competências do STF, é claro, no inciso I, alínea “d”, em permitir o uso de Habeas Corpus para questionar decisão monocrática de ministro do Supremo. “Como este paciente poderia acionar a Suprema Corte se não cabe HC? Como poderia agravar a decisão, se não é parte?”
Durante o voto do ministro Toffoli, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, pediu a palavra para reforçar o argumento: “Aquele ditado de que the king can do no wrong — o rei não pode errar — não subsiste mais no século XXI. Eu gostaria muito que meus erros fossem corrigidos por meus pares. O Agravo Regimental fica nas mãos do relator”.
O voto que deixou mais clara a importância de se conhecer o HC, mesmo que substitutivo de recurso ordinário, foi o do ministro Marco Aurélio. “O Habeas Corpus de tão elogiado passou a ser execrado. E se desconhecendo a letra expressa da Carta da República quanto a essa garantia constitucional, se vislumbra uma série de obstáculos à impetração”, disse. E voltou a repetir: “Tempos muito estranhos”.
Marco Aurélio também voltou a repetir que “se arrependimento matasse, hoje seria um homem morto”. Isso porque, diante do que se avaliou ser um excesso de Habeas Corpus, o ministro propôs o entendimento que hoje serve de justificativa para se “execrar o HC”: quando for impetrado como substitutivo de recurso ordinário, o tribunal não pode conhecer do pedido; no entanto, caso a questão discutida envolva ameaça direta à liberdade do autor, a ordem deve ser concedida de ofício.
“Não podemos sacrificar o ordenamento jurídico constitucional para nos ver livres de um processo. Reconheço que estamos, no Judiciário, sufocados de processos, mas esse fato não pode conduzir a uma postura que leve à leitura equivocada pelos jurisdicionados em geral e pela academia, de que passamos a atuar no âmbito da autodefesa”, declarou o ministro.
De acordo com Marco Aurélio, o entendimento de que não cabe HC contra decisão do ministro do Supremo transforma o relator num “verdadeiro reizinho”. “Coloca-se o relator numa redoma, acima do próprio colegiado. Os atos que pratique não ficam sujeitos a impugnação mediante o Habeas Corpus?”
Outra opção
O ministro Gilmar Mendes lembrou que a discussão do caso concreto era de cabimento de HC contra decisão monocrática de ministro, não de decisão das turmas, ou do Plenário, “o que seria um non sense”.
De acordo com o ministro, restringir o manejo do Habeas Corpus nessa situação é criar “uma injusta medida contra o ideário de proteção judicial”. “A mim impressiona a possibilidade de quase se deixar uma pessoa que é molestada sem um remédio pronto e eficaz.”
O ministro Luiz Edson Fachin inaugurou a divergência para dizer que não estava em discussão a Súmula 606. Para Fachin, Erton Medeiros não é parte nesse caso e, portanto, não poderia impetrar HC. Deveria ter entrado com um agravo regimental na qualidade de terceiro prejudicado, aplicando a regra análoga ao artigo 499 do Código de Processo Civil.
Fachin foi acompanhado pelos ministros Luis Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber.
Avanço civilizatório
Lewandowski, último a votar, respondeu: “Não posso compreender que um recurso interno, como é o agravo regimental, de envergadura menor que um recurso ordinário, possa representar empecilho para ajuizamento desse remédio constitucional que existe desde o século XVII e foi um extraordinário avanço civilizatório”.
Um dos problemas apresentados pelo presidente é que, enquanto o HC tramita em regime de urgência, o agravo regimental “fica submetido ao alvedrio do relator”. O ministro Marco Aurélio lembrou, então, de “um episódio muito triste” que decorreu dessa realidade.
Foi o caso do advogado Luiz Fernando Pacheco, que defendeu o ex-deputado federal José Genoíno na Ação Penal 470 (mensalão), e acabou expulso do Pleno do STF pelo ministro Joaquim Barbosa, então presidente do tribunal e relator da matéria. Genoíno estava preso e Pacheco peticionava que ele pudesse trabalhar fora do presídio.
Joaquim Barbosa negou o pedido, e Pacheco agravou. Como Joaquim demorou para apreciar o recurso, o advogado, durante o julgamento de um caso não relacionado ao mensalão, foi à Tribunal do Advogado implorar ao ex-presidente que pautasse a questão. “Vossa Excelência deveria honrar essa casa e trazer a seus pares o exame da matéria”, disse o advogado.
Barbosa, inicialmente, mandou cortar o microfone da Tribuna. Pacheco continuou com o discurso e o ex-ministro mandou a segurança do tribunal retirar o advogado do Plenário.
O ministro Marco Aurélio lembrou nesta quarta que Barbosa evitava pautar o agravo de Genoíno “porque sabia que ele ia ser provido, ante o convencimento sobre a possibilidade de trabalho externo”.
Habeas Corpus 127.483
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