A terceirização já existe; só falta dizer como ela pode ser legal
30 de abril de 2015, 8h35
Tanto trabalhadores quanto empresários entendem que um marco regulatório para a terceirização é fundamental para estabilizar as relações de trabalho. Sem que esteja claro quais são os direitos e deveres de empresas e terceirizados, os conflitos tendem a se multiplicar, sem qualquer previsão de como o Judiciário poderá se manifestar nos processos trabalhistas.
O exemplo mais citado de terceirização bem sucedida e bem comportada é o da indústria automobilística. Já faz um bom tempo que as fábricas de automóveis deixaram de ser fábricas e passaram a ser montadoras. Pelo simples fato de que elas terceirização a fabricação das peças para os fabricantes de autopeças. Em consequência disso, a fábrica da Wolkswagen em São Bernardo do Campo, que já teve mais de 30 mil trabalhadores, hoje, como montadora, não tem mais que 13 mil. Os outros 17 mil estão trabalhando para a Volkswagen, não como terceirizados, mas como contratados das fábricas que fornecem autopeças para a montadora. O modus operandi da indústria automobilística é amplamente aceito hoje em dia.
Não não é disso que trata o Projeto de Lei 4.330/2014, já aprovado pela Câmara dos Deputados e em tramitação agora no senado. O texto aprovado pelos deputados permite a terceirização de mão de obra praticamente sem restrições, num formato que os opositores do sistema definem como de total precarização das condições de trabalho.
No Senado, ainda não há previsão para a proposta entrar em pauta, mas o presidente Renan Calheiros já se posicionou em relação ao projeto. “Não podemos permitir uma discussão apressada de modo a revogar a CLT. No Senado, essa matéria terá uma tramitação normal. É fundamental regulamentar os terceirizados existentes, mas não podemos regulamentar apenas a atividade-fim, isso seria uma involução, significa revogar a Constituição, os direitos e garantias individuais”, afirmou o senador. O resultado da votação não é previsível.
O texto geral foi aprovado com uma significativa diferença de votos: 324 a favor x 137 contra. Mas sua aprovação causou tal perplexidade que, duas semanas depois, na votação dos destaques que detalham o texto, os votos foram mais equilibrados: 230 a favor x 203 contra. Muitos deputados voltaram atrás. Entre as modificações introduzidas no texto original está a previsão de responsabilidade solidária da empresa contratante quando direitos trabalhistas e previdenciários forem descumpridos. E não mais subsidiária, como no texto original.
Para o ministro, antes de regulamentar a terceirização, os parlamentares precisariam de coragem para enfrentar a questão da liberdade sindical. “Foi um processo desleal de aprovação da terceirização, porque não mudaram onde tinham medo de mudar, que é mexendo nas representações sindicais”, critica. Quando o trabalhador puder escolher o seu representante, entende, os dirigentes dos sindicatos serão obrigados a ter mais comprometimento com a sua base e, de fato, lutar por seus direitos. Enquanto houver obrigatoriedade de filiação e contribuição sindical compulsória, avalia o ministro, as empresas vão continuar fortes, haverá sindicatos acomodados e trabalhadores sem representação
O procurador-geral do Trabalho, Luís Antônio Camargo de Melo, admite que pode e até deve haver terceirização. O que não pode e não deve haver é a precarização das condições de trabalho. Faz um cálculo simples para mostrar que o Projeto de Lei 4.330 “é o começo do fim do Direito do Trabalho”. Em um país com 45 milhões de trabalhadores formais, existem 12 milhões de terceirizados. Para ele, em vez de fazer com que esses 12 milhões tenham os mesmos direitos garantidos pela lei aos demais trabalhadores, a proposta quer que os outros 33 milhões percam direitos. “Estamos regredindo”, afirma e cita dados que mostram que o número de acidentes de trabalho, doenças profissionais e mortes é maior entre os terceirizados (clique aqui para ler a entrevista do procurador-geral do Trabalho).
O procurador critica empresários e parlamentares que justificam a terceirização como uma forma de reduzir o alegado alto custo do trabalho formal no país. Para ele, é muito “mais fácil, mais rápido, mais eficaz” retirar direitos sociais dos trabalhadores do que enfrentar o fisco e tentar reduzir a carga fiscal e tributária.
Ele teme que “o atropelamento de se querer a ferro e fogo passar esse projeto” pode ser uma reação ao ultraprotecionismo que entende existir hoje entre os seus colegas de tribunal. De acordo com o ministro, muitas vezes, a corte vai além da proteção prevista e chega a ir contra a própria lei. Cita a jurisprudência definida em relação à Lei de Telecomunicações (Lei 9.472/1997). No seu entendimento, vencido, a lei permite “com todas as letras” a terceirização de serviços, inclusive na atividade-fim. Para a maioria, ou a terceirização não é possível ou a lei não se aplica à Justiça do Trabalho (clique aqui para ler a entrevista do vice-presidente do TST).
Pontos de vista
Roberto Barroso, ministro do STF, é o relator da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) que discute a terceirização na corte. Diz que estava se preparando para julgar o caso, mas “vejo com felicidade o fato de que o Congresso Nacional está reocupando alguns espaços e sendo capaz de produzir consensos e decisões”. Para defender os direitos fundamentais, destaca, há o Supremo Tribunal Federal. “O que significa que até para o legislador democrático existem limites.”
Em relação ao argumento de que o projeto abriria as portas para o fim do concurso público, afirmou que nenhuma lei pode criar alternativas de contratação diferente do que prevê a Constituição Federal. “Não que a preocupação de garantir a funcionalidade das relações de trabalho no âmbito da atividade principal da empresa, da atividade econômica, não tenha de ser observado e garantido”, diz. Mas se o texto aprovado permitir a terceirização de todo o poder público, entende que deve ser considera inconstitucional.
A ministra Delaíde Arantes, reconhecidamente contrária ao projeto de lei, é assertiva na sua justificativa: a proposta precariza ainda mais as relações de trabalho e cria uma subcategoria. Portanto, não é possível ser favorável. “Nós estamos trabalhando para cumprir a Constituição Federal no que se refere à dignidade da pessoa humana, um dos pilares da democracia.”
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