Crítico da jurisprudência, Fachin tem a chance de transformá-la
17 de abril de 2015, 16h11
Em seu papel de simplificar as coisas para que o maior número possível de pessoas consiga compreender, a imprensa sintetizou o currículo do recém-indicado para ocupar cadeira do Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin, de forma singela: trata-se de um petista ligado ao MST. Para a elite da comunidade acadêmica e jurídica, contudo, o perfil do jurista é muito maior que isso.
A principal polêmica apontada até agora nos jornais envolvendo o virtual ministro do STF é um vídeo em que ele defende a eleição de Dilma Rousseff para presidente, no lançamento de um manifesto assinado por juristas brasileiros. A relevância política disso é indiscutível. Na área jurídica, no entanto, não há quem saiba dizer como isso afetou pareceres do advogado ou aulas do professor.
Na verdade, a polêmica que deve caracterizar Fachin é de ordem técnica — não política. Ele defende a teoria de que “não existe jurisprudência no Direito brasileiro”. A frase, quando tirada de seu contexto, gera discussões intermináveis entre juristas. Seu significado, de forma simplificada, é o seguinte: os operadores do Direito no Brasil, em vez de agrupar as decisões sobre determinado assunto para, da análise dos julgados, apontarem a jurisprudência, invertem a lógica. Primeiro, propõem um entendimento e, posteriormente, coletam decisões que comprovem seu entendimento.
A análise, em última instância, mostra a preocupação do professor com a segurança jurídica do país. Em entrevista — que é usada como texto de referência teórica para estudos no Centro Universitário de Brasília (Uniceub) —, Fachin explica: “Precedente não se confunde com jurisprudência. O que existe entre nós é um conjunto de precedentes elevados ao patamar de teses, ou colocados, em certos assuntos, no âmbito de um recurso especial repetitivo ou até mesmo de uma eventual súmula, mas isso não tem dado a estabilidade e segurança jurídica que se espera de uma verdadeira jurisprudência. Carece o Brasil de uma assentada cultura hermenêutica”.
A crítica à falta de jurisprudência nas decisões judiciais se estende à doutrina. Na mesma entrevista, Fachin afirma que “o ‘direito dos juízes’ pouco dialoga com o ‘direito dos professores’”, no que seria “uma incompletude de mão dupla”. Na maior parte das vezes, a doutrina não leva realmente a sério a jurisprudência, enquanto os tribunais não raro buscam a doutrina apenas como suporte das conclusões a que já chegaram. Assim, conclui, a doutrina é usada apenas como suporte para uma premissa já pensada.
As críticas à doutrina não vêm de alguém afastado da academia. Muito pelo contrário. Nascido em 1958, Fachin começou a dar aulas antes de completar 30 anos, no Centro Universitário Curitiba. Atualmente é professor titular de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná, já tendo atuado como diretor da instituição. Fez pós–doutorado no Canadá e foi professor pesquisador do Instituto Max Planck, em Hamburgo, na Alemanha.
Posições definidas
Civilista e professor, Luiz Edson Fachin é dono de posições definidas. É um dos grandes defensores da posição acadêmica de que o Direito Civil se submete à Constituição e deve ser uma realização da vontade constitucional, e jamais o contrário. Quando da aprovação do Código Civil de 2002, por exemplo, contestou o dispositivo que equiparava a união estável ao casamento para fins jurídicos. Defendeu que o Estado deve ter poder de intervir em certas esferas das relações privadas “até para conseguir traçar políticas públicas”. Sua tese de doutorado está relacionada a essa interpretação.
O texto é de 1991, três anos depois da promulgação da Constituição Federal, mas mais de dez anos antes da aprovação do Código Civil hoje vigente. E ele diz que a Carta de 1988 acabou com as distinções feitas pelo Código Civil de 1916 entre filhos legítimos, ilegítimos naturais, ilegítimos espúrios e adotivos. Legítimos seriam os nascidos de pai e mãe casados. Ilegítimos naturais são aqueles cujos pai e mãe não são casados entre si e nem com terceiros. Espúrios, portanto, são os filhos de relações extraconjugais. Fachin afirma em sua tese que a Constituição Federal acabou com essa diferenciação ao dizer, no artigo 227, parágrafo 6º, que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias”.
Fachin usa o termo “paternidade presumida” para argumentar que pai não é só quem concebe, mas também “aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação psico-afetiva”. Em seu livro Teoria Crítica do Direito Civil – à luz do novo Código Civil Brasileiro, afirma que “o filho é sujeito na mesma medida que o outro (o adotivo, ou o extramatrimonial) também o é; acaba a percepção ilhada da definição a priori da filiação, abrem-se as portas da revelação do liame genético, mediante reconhecimento voluntário ou forçado”.
Com 42 livros publicados, o professor e advogado — que atua principalmente como parecerista, na área consultiva e em arbitragens — contabiliza em seu currículo oficial mais de 140 artigos completos publicados em periódicos. A alta produção pessoal dele se reflete no núcleo de pesquisas que coordena na UFPR, que tem um curioso nome: Virada de Copérnico.
O grupo que leva o nome dado à mudança de entendimento, quando Nicolau Copérnico declarou que a Terra não era o centro do Sistema Solar, tem como foco as pesquisas do Direito Civil Constitucional, segundo o qual o Código Civil não é a lei máxima do Direito Civil. Em edital para seleção de pesquisadores para o grupo, publicado em julho de 2013, fica clara a preocupação que perpassa a produção de Fachin: “candidatos deverão associar o tema de sua pesquisa com um enfoque/mote comum a todo o grupo, que será ‘a análise da jurisprudência brasileira: teoria crítica dos casos concretos’”.
Quem passa pelo grupo, ou pela sala de aula do professor, percebe-o como entusiasta da ciência do Direito. Quem envereda a carreira pela pesquisa acostuma-se a receber ligações, e-mails e até visitas do professor apenas para perguntar como está o trabalho e quais os avanços recentes. Seu gosto pela pesquisa levou-o a protagonizar situações pitorescas. Quando estava na Alemanha, como pesquisador do Instituto Max Planck, lembrou-se da história de que o jurista brasileiro Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda havia conhecido o maior físico do mundo: Albert Einstein. Como era também matemático, Pontes de Miranda gabava-se de ter discutido a Teoria da Relatividade com o pai da ideia. Desconfiado, o professor Fachin passou a usar seu tempo livre — e o de alguns estagiários —para buscar nos arquivos alemães informações sobre as palestras de Einstein nas quais ele poderia ter encontrado Pontes de Miranda. E achou! Nos registros de um evento sobre a Teoria da Relatividade, lá estava o registro de presença do físico alemão e do jurista brasileiro.
Agora, Fachin aguarda sua sabatina pelo Senado. Se pesquisarem a vida e o trabalho do sabatinado com o afinco com o qual o próprio faz suas pesquisas, certamente os parlamentares terão pouco a contestar e muito a aprender.
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