Alvo certo

Casos de aproveitamento de ágio estão no centro da operação zelotes

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10 de abril de 2015, 5h58

A recente divulgação de pedaços da operação zelotes vem mostrando que vitórias paradigmáticas dos contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) estão na mira dos investigadores. O maior deles é o do aproveitamento do ágio decorrente de uma operação de reestruturação societária pela Gerdau para abatimento da base de cálculo do Imposto de Renda.

Trata-se de uma discussão tributária cujo caso concreto envolve ao menos R$ 4 bilhões, e, por isso, tem sido merecedora de atenção especial por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. A operação zelotes está sendo promovida pelo Ministério da Fazenda, ao lado do Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal, para investigar denúncias de pagamento de propina e advocacia administrativa em decisões do Carf.

O Carf é um órgão do Ministério da Fazenda que serve como última instância administrativa para discussões a respeito de autuações fiscais. É um colegiado paritário, formado por conselheiros indicados pela Fazenda e por um conselho de contribuintes em igual número. Em caso de empate, o voto de minerva é da Fazenda.

No dia 4 de abril, o jornal O Estado de S. Paulo divulgou a gravação de um telefonema entre os advogados Paulo Roberto Cortez (também conselheiro substituto do Carf) e Nelson Mallmann que mostraria a existência de um esquema para decidir sobre a autuação fiscal da Gerdau. Nesse esquema, estaria o conselheiro do Carf Valmir Sandri, relator dos processos da Gerdau. Sandri nega a existência de qualquer irregularidade no caso.

Ele é um dos conselheiros representantes dos contribuintes. Foi sorteado relator dos processos da Gerdau, hoje em grau de recurso à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), a última instância dentro do Carf. Há dois processos. Em um, a empresa saiu vencedora. No outro, julgado um ano depois, a Fazenda é que ganhou — uma vitória de mais de R$ 1 bilhão.

No caso em que a Gerdau ganhou, a vitória se deu por meio do voto de qualidade do conselheiro Carlos Eduardo de Almeida Guerreiro. A recompensa oferecida a ele foi não ter sua indicação ao Carf renovada pela Receita Federal, que o transferiu para trabalhar no aeroporto de Porto Alegre.

O caso que a Fazenda ganhou foi julgado um ano depois do episódio de Guerreiro. Por quatro votos a dois, a 3ª Câmara da 1ª Turma Ordinária da 1ª Seção do Carf entendeu que não houve “propósito negocial” na reestruturação da empresa. A operação foi feita para dissimular lucros e renda e, com isso, pagar menos imposto. Ambos os casos foram alvo de recurso para o Conselho Superior, sorteados a Sandri.

Na conversa interceptada pela Polícia Federal, Cortez fala que Sandri contou que negaria provimento ao recurso da Gerdau e que pautaria o caso. “Interessante, né, já colocar em pauta?”, indaga o advogado. “Todo mundo sabe do esquema do Carf com a Gerdau.”

Esclarecimento
Valmir Sandri nega o envolvimento em qualquer irregularidade, e afirma que o comentário de Cortez “está desprovido de realidade”. Em nota de esclarecimento enviada à revista eletrônica Consultor Jurídico, Sandri remonta que ele recebeu os processo da Gerdau, junto com outros dez, no dia 17 de julho de 2014. E só no dia 26 de março de 2015 é que ele incluiu os casos da siderúgica em pauta.

Já a Gerdau afirma, também por meio de nota, que "não foi contatada por nenhuma autoridade pública a respeito da operação zelotes". A empresa explica que todos os seus processos administrativos do Carf ainda estão em trâmite e, por isso, "nenhuma importância foi paga, a qualquer título, a qualquer pessoa física ou jurídica por conta de sua atuação em nome da Gerdau junto ao Carf".

Sandri também explica que só decidiu por pautar os casos por causa de uma emenda regimental de fevereiro deste ano que determinava a perda do mandato do conselheiro que demorasse mais de seis meses para pautar um caso.

O conselheiro foi um dos votos vencidos na derrota da Gerdau, mas Cortez garante a Mallmann que Sandri negaria provimento aos recursos da empresa. Na nota de esclarecimento, Sandri afirma: "Naturalmente, com a divulgação por terceiros do meu posicionamento antes mesmo de iniciar o julgamento, estarei impedido de votar no caso concreto da Gerdau".

Cortez também dá a entender, em seu telefonema a Mallmann, que o então presidente do Carf, Otacílio Dantas Cartaxo, estaria preocupado com as denúncias sobre corrupção no órgão. Cortez fala de uma conversa com Sandri em que o conselheiro relata apreensão de Cartaxo em relação à imagem do órgão.

Sandri explica que, como é um dos decanos do Carf, tem uma “ótima relação de coleguismo e amizade” com todos os que lá circulam. “Inclusive com o conselheiro Paulo Cortez.”

Interesse da Fazenda
A palavra “esquema” usada por Cortez sobre o caso da Gerdau no Carf pode querer dizer uma porção de coisas. Por exemplo, que Sandri tem algum interesse no caso. Ou que a Fazenda tem algum interesse no caso.

Em se tratando de um processo envolvendo o chamado “ágio interno”, o interesse da Fazenda é conhecido e declarado. Logo que a Fazenda saiu vitoriosa das primeiras discussões a respeito do tema, o procurador-chefe da PGFN no Carf, Paulo Riscado, deu entrevistas falando de seu alvo principal, as operações tributárias com ágio. Ágio é o preço a mais pago por uma empresa quando da compra de outra. O ágio interno seria o usado em operações societárias dentro do mesmo grupo empresarial.

A discussão é técnica. A Lei 9.532/1997 autoriza às empresas abaterem o ágio da base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido. Foi uma lei aprovada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso para estimular as privatizações do fim dos anos 1990.

Já no governo Lula, a Receita Federal passou a promover a interpretação de que só poderia ser aproveitado o ágio de operações promovidas entre empresas independentes. Depois das vitórias no Carf, em 2013 o governo federal editou a Medida Provisória 627 promovendo a interpretação fazendária, mas falando em “goodwill”, e não em ágio.

A MP foi convertida na Lei 12.973/2014, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro deste ano. E a lei não trata de ágio interno, apenas em “ágio por rentabilidade futura”, ou “goodwill”.

Na mira
O conselheiro Valmir Sandri está no centro dos interesses da Fazenda já há algum tempo. E muito por conta de seu caminho ter cruzado o do “ágio por rentabilidade futura”. No fim de 2012, quando um ex-procurador da Fazenda ajuizou 59 ações populares contra decisões do Carf, Sandri era um dos seus alvos preferidos.

Em quase todas as ações, a argumentação era de que, ao decidir que determinado auto de infração fiscal era improcedente, o Carf estava fazendo com que a União deixasse de arrecadar. E como o Carf é um órgão do Ministério da Fazenda e, portanto, da União, o autor das ações alegava que a União estava sendo omissa em seu papel de arrecadar.

Na ação popular sobre a compra do Banespa pelo Santander, o nome de Sandri aparecia logo depois do nome do banco. Era mais um caso de ágio. Em 2011, a 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção do Carf declarou legítimo o aproveitamento de ágio de R$ 7,5 bilhões pelo banco espanhol, gerado na compra, em 2000, do Banespa. O Fisco cobrava R$ 4 bilhões em tributos não pagos entre 2002 e 2004.

Foi a única ação popular que andou no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por conta de um parecer favorável do Ministério Público Federal. A inicial da ação dizia que Sandri, por ser sócio de um escritório com atuação em contencioso tributário administrativo, não poderia ser conselheiro do Carf. Haveria conflito de interesses e uma infração ao Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil. A ação foi trancada sem resolução de mérito pelo TRF-1 e já transitou em julgado.

*Texto alterado às 16h30 do dia 10/4/2015 para acréscimo de informações.

Clique aqui para ler a nota de esclarecimento de Valmir Sandri.

Leia abaixo a nota de esclarecimento da Gerdau:

A Gerdau esclarece que, até o momento, não foi contatada por nenhuma autoridade pública a respeito da Operação Zelotes, da Polícia Federal, e que vem tomando conhecimento do tema pelo noticiário de imprensa.

Todos os processos administrativos de interesse da Gerdau se acham ainda em trâmite no CARF, pendentes de julgamento final de mérito. Portanto, a Gerdau não obteve qualquer ganho decorrente de decisões emanadas por aquele conselho. Com relação a estes processos, nenhuma importância foi paga, a qualquer título, a qualquer pessoa física ou jurídica por conta de sua atuação em nome da Gerdau junto ao CARF.

Ressalte-se ainda que, com base em seus preceitos éticos, a Gerdau não concedeu qualquer autorização direta ou indireta para que seu nome fosse utilizado em pretensas negociações ilegais, repelindo veementemente qualquer atitude que tenha ocorrido com esse fim.

A Gerdau reitera, portanto, que possui rigorosos padrões éticos na condução de seus pleitos junto aos órgãos públicos e que está tomando as medidas necessárias para proteger seus direitos e sua reputação. Além disso, reafirma que está, como sempre esteve, à disposição das autoridades competentes para prestar os esclarecimentos que vierem a ser solicitados. 

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