Precarização x Eficiência

Advogados têm opiniões divergentes quanto à regulamentação da terceirização

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6 de abril de 2015, 15h47

A Câmara dos Deputados planeja votar na próxima terça-feira (7/4) o Projeto de Lei 4.330/2004, que regulamenta a terceirização e permite que as empresas contratem funcionários terceirizados para executar suas atividades-fim. Na ausência de lei sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho vem aplicando a tese de que a medida só é válida para atividades-meio (como serviços de limpeza e segurança), conforme a Súmula 331.

Advogados ouvidos pela revista Consultor Jurídico têm opiniões divergentes quanto ao projeto de lei. Para o presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, Lívio Enescu, a proposta estimula a alienação dos terceirizados.

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Lívio Enescu diz que projeto cria "trabalhadores de segunda classe".

“Sou absolutamente contra a terceirização. Ela acaba com o empowerment, que é o empregado que ‘veste a camisa’ da empresa, se envolve com sua atividade e busca melhorá-la. A terceirização cria funcionários de segunda classe, que recebem salários mais baixos e menos benefícios do que seus pares. É precarização, e não podemos aceitar isso”, critica Enescu.

O presidente da AATSP aponta que a maioria dos ministros do TST é contra o PL 4.330/2004, e convoca o Judiciário a externar sua contrariedade à medida. Em 2013, 19 dos 26 ministros da corte enviaram um ofício ao deputado federal Décio Lima (PT-SC), então presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, manifestando oposição à regulamentação da terceirização — algo que, segundo eles, seria uma “gravíssima lesão social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários”.

No final de 2014, o presidente do TST, ministro Antonio José de Barros Levenhagen, defendeu a Súmula 331 por impedir a terceirização de atividades-fim, e alegou que a prática “se qualifica como fenômeno genuinamente econômico, em que o seu indisfarçável objetivo é o de proporcionar maior rendimento para as empresas, com a confessada redução dos custos de mão de obra”.   

Já o presidente da Comissão de Direito Processual do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Euclydes José Marchi Mendonça, reconhece que a terceirização é uma realidade econômica  da qual não há retorno e afirma que os terceirizados terão obrigatoriamente que ganhar menos do que os empregados diretos. Caso contrário, “a conta não fecha” para a tomadora dos serviços.

“Eles [os terceirizados] terão direitos diferentes, pois não receberão aqueles próprios daquela categoria principal ou dos trabalhadores daquela empresa, como, por exemplo, vales-refeição diferenciados, planos de saúde, prêmios e participações nos lucros. Nenhum destes direitos atingiria o terceirizado, pois ele tem direito ao que foi contratado com a sua empregadora, mas, na realidade, ele trabalha para outra, ao lado de colegas que, além de ganharem muitas vezes salário melhores, têm direitos que ele não tem”, destaca Mendonça.

O advogado entende ser necessário regulamentar a prática, mas Mendonça considera que o PL 4.330/2004 não cumpre satisfatoriamente essa função, por ser “genérico e unilateral” e, em geral, apenas repetir posições da jurisprudência sobre o tema.

Um dos pontos atacado pelo advogado é o artigo 14, inciso II, da proposta, que estabelece que o contrato de terceirização deve conter “o prazo para realização do serviço, quando for o caso”. Segundo ele, o dispositivo, que teve a pretensão de restringir o uso de tais contratos de forma mais ampla, “acaba por não limitar nada”, pois a expressão “quando for o caso” autoriza qualquer terceirização a ser por tempo ilimitado.

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Para Ulisses Sousa, PL não define claramente o que pode e o que não pode.

Ulisses Sousa, sócio do Ulisses Sousa Advogados Associados, também considera a medida insuficiente: “Precisamos de uma definição clara do que pode — e do que não pode — ser objeto de terceirização. Atividade-fim é um conceito elástico, que dá espaço a interpretações diversas. Entendo que o PL em debate é tímido. Poderia avançar mais e regular o assunto de forma mais detalhada”.

Regulamentação benéfica
Por outro lado, diversos advogados apoiam o PL 4.330/2004. De acordo com Márcia Conceição Alves Dinamarco e Samanta de Lima Soares Moreira Leite Diniz, respectivamente, sócia e advogada do Innocenti Advogados Associados, o projeto é bem-vindo, uma vez que a Súmula 331 do TST não é suficiente para disciplinar todas as questões referentes à prática.

Para elas, a terceirização das atividades-fim “não tornará precária a condição dos trabalhadores, considerando os critérios de fiscalização e os benefícios reconhecidos aos empregados contratados nessa modalidade”.

Como exemplo disso, Márcia e Samantha destacam os artigos 4º, parágrafo 1º, 7º e 8º da proposta, que determinam que a tomadora dos terceirizados não pode designá-los para atividades distintas daquelas para as quais foram contratados, e que deve garantir condições de saúde e segurança ao trabalhadores, inclusive fornecendo treinamento a eles quando a empresa prestadora dos serviços não o fizer.

Na visão de Glaucia Massoni, sócia do Fragata e Antunes Advogados, não se pode confundir terceirização com o descumprimento da legislação trabalhista: “As empresas cada vez mais buscam a mão de obra especializada, e a verdadeira terceirização se baseia nisso, gerando maior produtividade, redução de custos e maior lucratividade, aquecendo assim o mercado de trabalho, sem lesão aos direitos dos trabalhadores, preservando o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos dos trabalhadores previstos na Constituição Federal”.

Coordenadora da área de contencioso trabalhista do Ulisses Sousa Advogados Associados, a advogada Gislaine Andrade Pinheiro Camarão ressalta que a regulamentação da terceirização irá preencher lacunas e pacificar divergências de interpretação sobre o tema, gerando segurança jurídica aos trabalhadores e empresas e equilíbrio às relações entre eles.

Gislaine elenca como pontos positivos do PL 4.330/2004 a atribuição de responsabilidade subsidiária da empresa contratante pelas obrigações trabalhistas da prestadora de serviços com seus empregados, e a exigência que esta tenha qualificação técnica para a execução das atividades contratadas e capacidade econômica suficiente para isso.

Clique aqui para ler a íntegra do PL 4.330/2004.   

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