Medidas preventivas podem garantir proteção de segredos industriais
21 de outubro de 2014, 7h19
A sociedade do conhecimento tem como elemento central a informação. Mais do que nunca informação significa poder, premissa que se aplica tanto às relações entre indivíduos, empresas como também entre países. São rotineiras notícias que dão conta da apropriação indevida de informações de natureza pessoal, política e comercial, com o fim de obter algum tipo de vantagem.
Na indústria e no comércio, as novas tecnologias potencializaram a necessidade do controle de informações para que possam conferir efetiva vantagem competitiva àqueles que arcam com os custos para o seu desenvolvimento. Em outras palavras, os investimentos envolvidos na seleção de fornecedores de alta qualidade, tecnologia relativa ao desenvolvimento e fabricação de produtos, entre outros, só fazem sentido se os custos proporcionarem real vantagem competitiva, que impeça os demais competidores de se valerem das mesmas informações.
Embora a tecnologia seja uma das principais — senão a principal — vantagem competitiva que se possa ter nos dias atuais, também pode se converter em um instrumento extremamente eficaz para que segredos industriais sejam indevidamente obtidos por terceiros. É por esse motivo que, no mundo todo, aumentaram significativamente os litígios envolvendo segredos industriais.
Em um passado não muito distante, a chamada espionagem industrial dependia de máquinas fotográficas, gravadores, copiadoras e outros instrumentos que embora facilitassem, de certa maneira também limitavam o acesso a esses dados. As informações, no mais das vezes, só estavam disponíveis em papel e a realização de cópias de grande volume de informações não era uma tarefa fácil.
A situação mudou radicalmente. Informações sigilosas podem ser gravadas de forma remota, a partir de diferentes locais onde se encontram os servidores e através de tecnologias dificilmente rastreáveis. Isso pode acontecer diretamente na empresa que desenvolveu os segredos, como também nos computadores de fornecedores, funcionários e colaboradores que têm acesso a eles. Não é incomum que os próprios funcionários gravem as informações em pendrives de alta capacidade diretamente instalados em suas estações de trabalho ou mesmo as transmitam via internet. Os meios tecnológicos utilizados para esse fim são incontáveis.
No Brasil, a Lei 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial) protege segredos industriais, reputando concorrência desleal o seu uso desautorizado. A legislação impede, de forma ampla, o uso de dados de natureza confidencial que tenham sido obtidos durante relação contratual ou empregatícia, ou que tenham sido obtidos de forma ilícita ou fraudulenta (artigo 195, incisos XI e XII[1]).
As disposições da Lei da Propriedade Industrial estão em consonância com o Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados (TRIPS)[2], assinado no âmbito da Organização Mundial do Comércio — OMC, segundo o qual informações de natureza confidencial não devem ser utilizadas “de maneira contrária a práticas comerciais honestas” (artigo 39).
Temos, assim, uma legislação que oferece proteção aos segredos industriais e que permite que qualquer tipo de informação possa ser considerada como tal, desde que não seja pública, tenha relevância comercial e tenha sido objeto de medidas para resguardar a sua confidencialidade. Dentre as informações mais comumente incluídas nesse rol destacam-se listas de clientes, fornecedores, documentos contábeis, fiscais, financeiros, remuneração de funcionários, manuais, especificações de produtos, fórmulas, entre outros.
A caracterização de uma informação como segredo industrial varia em função do ramo de atividade da sua titular, bem como do grau de zelo empregado para restringir o acesso a ela. Há áreas da indústria em que praticamente não há informações desconhecidas pelas concorrentes, pois os principais fornecedores, clientes e até mesmo características dos produtos disponíveis no mercado são de conhecimento público. Em contrapartida, em atividades mais dinâmicas, em que a concorrência de desenvolve de forma mais acirrada, nas quais a inovação desempenha papel fundamental, é natural que o grau de zelo com informações seja maior, assim como aquelas consideradas confidenciais.
É imperativa uma análise do caso concreto para avaliar a natureza da informação, as medidas adotadas para protegê-la e o seu valor comercial. Esses três elementos conjuntamente analisados indicarão a possibilidade de a informação ser protegida como segredo industrial nos termos da Lei da Propriedade Industrial.
Verificada a prática do ilícito, a Lei da Propriedade Industrial oferece os instrumentos necessários para fazer cessar imediatamente a violação, como também para obter reparação pelos danos sofridos. A possibilidade de que haja uma decisão liminar para impedir ou coibir tal prática é expressamente prevista, bem como a respectiva indenização pelos prejuízos causados (artigos 209 e 210).
No entanto, a realidade é que, no mais das vezes, a adoção de medidas para obter ressarcimento pelos prejuízos causados ou mesmo impedir a continuidade do ato ilícito não devolvem ao lesado a vantagem competitiva que desfrutava quando a violação não havia ocorrido. Trata-se de uma típica situação em que a melhor alternativa é se cercar de medidas preventivas que evitem ou mitiguem drasticamente a possibilidade de obtenção indevida dos segredos industriais. E mesmo na eventualidade de o ilícito ocorrer após a adoção de precauções, tais medidas conferem ao lesado a possibilidade de adotar medidas judiciais de uma maneira mais efetiva, com elementos com maximizam as chances de êxito.
Do ponto de vista prático, as medidas preventivas mais eficazes são:
- Assinatura de termos de confidencialidade com fornecedores, empregados e colaboradores que tenham acesso aos segredos, estabelecendo claramente a confidencialidade das informações e as práticas vedadas pela empresa;
- Adoção de ferramentas tecnológicas que limitem o acesso às informações, bem como identifiquem rapidamente qualquer acesso indevido. É importante que se mantenha o registro (back-up) dos acessos por períodos longos, pois não raro o ilícito se dá de forma contínua. A repetição da conduta pode constituir elemento importante para comprovar a intenção de apropriação indevida;
- Treinamento constante de fornecedores, funcionários e colaboradores, para que adotem práticas aptas a proteger os segredos a que têm acesso. É importante ter em mente que o vazamento pode ocorrer não só em vista de indivíduos imbuídos de má-fé, mas também em decorrência de condutas inadequadas que permitam o acesso às informações tanto interna quanto externamente. É o caso de compartilhamento de dados através de e-mails, mídias sociais, dispositivos móveis, publicações acadêmicas ou até mesmo locais de frequência pública sem os cuidados necessários;
- Treinamento da equipe envolvida em pesquisa e desenvolvimento (P&D), para que seja avaliada se a proteção mais efetiva de determinada tecnologia deve se dar como segredo industrial ou patente. Tal escolha depende de uma série de variáveis, que implicam vantagens e desvantagens dependendo da situação, devendo a opção por uma forma ou outra de proteção ocorrer em decorrência de uma análise técnica e estratégica; e
- Adoção de uma política interna que permita não só avaliar constantemente as medidas adotadas para a proteção de informações, como também identificar eventuais atos ilícitos. É importante que sejam rapidamente adotadas medidas extrajudiciais e judiciais, a fim de evitar ou mesmo mitigar os prejuízos causados pela violação. Tal política também tem como efeito positivo desencorajar novas práticas dentro da estrutura.
Gerar conhecimento, assim, é apenas uma face da moeda. Comercialmente, ele só se converterá em efetiva vantagem competitiva se forem adotados meios para protegê-lo, controlá-lo e coibir o seu uso indevido, evitando que seja indiscriminadamente utilizado por terceiros. Ignorar a importância dos segredos industriais, deixando de adotar medidas que os protejam, pode comprometer de forma irreversível o futuro da empresa.
[1] “Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (…).
XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude;(…)
§ 1º Inclui-se nas hipóteses a que se referem os incisos XI e XII o empregador, sócio ou administrador da empresa, que incorrer nas tipificações estabelecidas nos mencionados dispositivos.
§ 2º O disposto no inciso XIV não se aplica quanto à divulgação por órgão governamental competente para autorizar a comercialização de produto, quando necessário para proteger o público.”
[2] Inserido no sistema legal brasileiro por meio do DECRETO No 1.355, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1994
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