Supremo começa julgamento de planos econômicos na próxima quarta
23 de maio de 2014, 19h15
O Supremo Tribunal Federal pautou para a próxima quarta-feira (28/5) um dos julgamento mais esperados dos últimos 15 anos. É a discussão sobre a constitucionalidade da aplicação retroativa dos índices de correção monetária dos planos econômicos dos anos 80 e 90. A questão envolve valores vultosos e interesses poderosos. Põe de um lado poupadores que entendem ter direitos aos expurgos inflacionários decorrentes dos índices de correção e, do outro, os bancos, que aplicaram os mecanismos conforme descritos pelas leis que criaram os planos. Num terceiro flanco, está a União, que no processo defende seu direito de legislar sobre a moeda e de não arcar com as consequências de uma possível derrota dos bancos.
A discussão é um tanto complexa. Depois de o Supremo ter decidido que os planos econômicos foram constitucionais e de o Superior Tribunal de Justiça ter reconhecido a existência dos expurgos, falta o STF decidir se a aplicação dos índices nele descritos também foi. Os planos foram mecanismos usados pelo governo na tentativa de barrar a hiperinflação do fim dos anos 1980, que era calculada em níveis diários, e evitar que a moeda brasileira perdesse valor frente os altos índices inflacionários.
Toda a discussão vem ganhando contornos mais dramáticos com o desenvolvimento da jurisprudência do STJ em relação a ações coletivas, o tipo de ação que predominantemente pediu o reconhecimento dos expurgos inflacionários (leia mais abaixo).
Foram cinco planos: Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989) , Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991). Apesar de suas peculiaridades, o espírito de todos eles era o de derrubar a hiperinflação que marcou a história do Brasil naquele período. Entre as medidas propostas, estavam o congelamento de preços, de salários e aluguéis e o uso de um índice inflacionário artificial, diferente (menor) do que a inflação real apurada pelo IPC. São medidas chamadas de indexadoras da economia.
Parte importante desses planos foi a correção das cadernetas de poupança. Por meio de medidas administrativas, o governo criou índices de correção também menores que os da inflação real (os do IPC). É isso que está no Supremo: os bancos poderiam ter aplicado esses índices às poupanças já existentes na época dos planos, ou as regras se aplicavam apenas aos contratos novos?
Esse debate está sendo tratado em cinco processos, quatro recursos extraordinários e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). O julgamento já começou. Os ministros decidiram usar a ADPF, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, por tratar de todos os planos de forma mais ampla. Os relatórios já foram lidos e as sustentações orais já foram feitas, no fim de 2013. Os ministros decidiram deixar a discussão para 2014 e só agora o caso voltou à pauta.
Muitas razões
Há argumentos fortes de todos os lados. Os poupadores, representados nos autos pelo advogado Luiz Fernando Pereira, alegam que a aplicação retroativa dos índices da poupança às cadernetas já existentes na época da edição dos planos foi inconstitucional. Afirmam que isso violou ato jurídico perfeito (os contratos de poupança) e feriu o direito adquirido à correção da poupança de acordo com o IPC. Segundo eles, a aplicação dos novos índices os fez perder dinheiro — justamente a diferença entre a inflação e a nova forma de correção, daí o nome “expurgos inflacionários”.
A defesa dos bancos é a de que nada poderiam fazer. Os planos foram criados por leis federais que mudaram completamente o Direito Monetário brasileiro da época. Além disso, dizem, o cumprimento dessas leis era, e continua sendo, controlado pelo Banco Central, que tinha poderes sancionatórios de inclusive decretar o encerramento das atividades do banco.
O argumento mais duro veio do Banco Central, representado pelo seu procurador-chefe, Isaac Sidney Menezes Ferreira. Segundo ele, o que os poupadores alegam é uma “ficção jurídica”, pois “não existe direito adquirido a regime monetário”. Conceder os expurgos inflacionários, para o BC, seria admitir que existissem dois regimentos monetários simultaneamente no país, e que os cidadãos poderiam escolher entre eles. Isso, segundo Menezes Ferreira, atentaria contra a garantia da manutenção das cláusulas contratuais, ou o “sinalagma contratual”.
Números gordos
Com tantos sólidos argumentos jurídicos de todos os lados, sobraram números díspares na discussão. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) vinha divulgando que, caso o Supremo desse razão aos poupadores, o prejuízo seria de R$ 149 bilhões. Esses números estão baseados em cálculos do Ministério da Fazenda, divulgados em 2008, de que a atualização resultaria num prejuízo de R$ 106 bilhões. Aplicada a Taxa Referencial (TR), o padrão atual de correção da poupança, esse número chega aos R$ 149 bilhões.
O Banco Central vem alegando que, caso os bancos sejam obrigados a pagar a dívida, quebrarão, pois não têm a quantia em caixa. Também afirmam que um terço dessa dívida corresponde aos contratos de poupança da Caixa Econômica Federal, banco estatal da União. E ainda há o Banco do Brasil. Segundo a Advocacia-Geral da União, a responsabilidade da União nesse caso pode chegar a quase metade do total a ser pago.
Números magros
Só que os poupadores desconfiam dessa conta. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que está nos casos do STF como amicus curiae, diz que na verdade a discussão gira em torno de R$ 18 bilhões, e não R$ 150 bilhões.
Um estudo levado aos autos feito pelo professor Roberto Luís Troster, ex-economista-chefe da Febraban, calcula o prejuízo dos bancos em R$ 24 bilhões. Algumas das instituições que estão como amigas da corte no Supremo creditam o estudo de Troster como o mais fidedigno dos apresentados no processo.
Essas contas foram feitas com base nos balanços financeiros dos bancos. Nesses documentos, os bancos são obrigados a divulgar a quantia que separaram por período para pagamento de indenizações decorrentes de ações judiciais. Nesse caso, são os provisionamentos para ações cíveis.
No STJ
Enquanto o Supremo não pautava o caso dos planos para julgar, o STJ trabalhava. E em casos que merecem (e mereceram) toda a atenção dos bancos e do governo federal. A decisão mais recente tomada pelo tribunal foi a de que os juros das ações coletivas começam a ser contados a partir da data da citação das partes no processo, e não da primeira decisão judicial, como queriam os bancos e o Banco Central.
Isso quer dizer que os juros, para todas as ações coletivas no país, passarão a ser contados por mais tempo, o que vai influenciar diretamente na conta a ser paga. Esse resultado ainda deve ser somado a um julgamento que está prestes a terminar no STJ, sobre a abrangência das ações civis públicas. A Corte Especial do STJ decidiu que todas as ações coletivas têm abrangência nacional, e não apenas do foro em que foram ajuizadas.
Na prática, as decisões judiciais tomadas em ações coletivas, portanto, deverão ser aplicadas no Brasil inteiro. E os bancos são constantes alvos de ações coletivas. Esse caso, entretanto, ainda está pendente de análise de Embargos de Declaração com modificação de conteúdo.
Recortando para o caso dos planos econômicos, a consultoria LCA calculou o tamanho do prejuízo. No caso de as ações serem só locais com os juros de mora contando a partir da citação, como decidiu o STJ, a dívida ficaria em R$ 64 bilhões. Caso prevaleça o entendimento de que as ações têm abrangência nacional, esse valor salta para R$ 341,5 bilhões.
Previsão pessimista
Claro que esse é o quadro que seria pintado caso todos os poupadores fossem pleitear seus direitos na Justiça, o que é improvável. A LCA, então, avalia que metade deles procurará o Judiciário para receber seus expurgos. O risco fica, então, em torno de R$ 170 bilhões.
Mas aí entra outra jurisprudência do STJ, essa benéfica aos bancos. Em 2010, o tribunal resolveu que o prazo para que particulares se habilitem em ações coletivas, com o novo Código de Processo Civil, passou a ser de cinco anos, e não mais 20, como previa a lei anterior. E seguindo voto do ministro Sidnei Beneti, o tribunal entendeu que esse prazo começa a contar a partir da data da propositura da ação.
E de acordo com Luiz Fernando Pereira, esse prazo terminou no primeiro trimestre de 2014, o que deixou os bancos numa posição “confortável”. Aliado a isso, avalia, é que, como os casos que tratam dos planos econômicos são recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, as discussões nas demais instâncias ficam sobrestadas. Isso, segundo o advogado, desestimulou os poupadores a buscarem a Justiça para reclamar os expurgos inflacionários.
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