Crônica sobre prisões

Problema carcerário é sério não só no feudo dos Sarney

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10 de janeiro de 2014, 18h39

O Brasil vai mal em matéria de respeitar direitos humanos, nisto incluído, evidentemente, o vício, hoje rotineiro, de espionagem da intimidade alheia. O povo diz que quem usa sapato furado não pode criticar o vizinho em dia de chuva, pois os próprios pés se alagam. Aconteceu isso aqui quando a presidente criticou Obama pelas interceptações feitas nos segredos brasileiros. A moça, àquela altura, deveria enfiar a cabeça embaixo do travesseiro.

Vai daí, agora, o país é denunciado à Organização dos Estados Americanos por maltratar presos, principalmente no Maranhão, feudo dos “Sarney”. As imagens divulgadas mostram muito mais que isso. Exibem-se cenas de presos decapitados. Veem-se corpos de um lado e cabeças de outro, isso em cadeião denominado “Pedrinhas”. Um dos descabeçados mostra 180 perfurações no corpo. Dir-se-á que isso só acontece no Maranhão, num felliniano contraponto com os gastos milionários do Palácio em lagostas, caviar e acepipes outros.

Não se faça injustiça a Fellini quanto ao sadismo tragicômico. As coisas no potentado sarneyano só se assemelham a Hitchcock ou filmes terroristas de segunda classe. Far-se-ia, talvez, comparação com os Estados Unidos da América do Norte tocante a torturas prisionais (Guantánamo). Aquilo, perto do Brasil, é paraíso. E não se diga que São Paulo escapa a críticas. Um promotor de Justiça de nome Ferri (talvez Thales Ferri Schoedl), açodadamente, chamou o escriba de hipócrita enquanto este exibia a situação podre dos presídios e cadeiões paulistas. Levou troco na hora. Vai sonhar com presos sem cabeça. Ou então há de procurar um psiquiatra para esquecer o assunto. 

Aqui, funciona assim: censuras justas são recebidas, incorporadas e carregadas ao colo. O pai do cronista era bancário. Morreu cedo e pobre, coisa rara. Entretanto, era sábio. Ensinou ao filho que a caneta do poeta era mais perigosa que o florete do espadachim. Dentro do contexto, na medida em que hoje os instrumentos de escrita são os computadores, é bom pensar bem antes de digitar. Leva-se uma caçambada no retorno. Assim, ultrapassado o incidente gerado pelo jovem promotor público identificado, diga-se que a OEA há de receber as reclamações e talvez, daqui a uns 20 anos, mande saber onde estão as cabeças dos detentos porque, em última análise, é preciso identificá-los.

Mais que isso não se espere. Tocante ao resto, deixe-se bem claro que o Ministério Público brasileiro, federal ou estadual, tem do cronista enorme respeito, pois vem exercitando atribuições importantíssimas na recuperação ética da nação. Mas há duas particularidades pedindo realce, constituindo, sim, omissão séria da instituição: a primeira diz com uma devassa no Ministério da Educação a saber a razão pela qual o Brasil tem mais de 1.300 cursos de Direito. Faz 40 anos o cronista belisca o Ministério Público a respeito do tema.

A outra reivindicação diz, é claro, com os presídios brasileiros. O escriba leu em Antônio Damásio, dos maiores neurocientistas mundiais, um comentário conhecido por qualquer faxineiro de esquina: o ser humano é bicho e não tem comportamento muito diferente dos animais inferiores, exceção feita, é claro, à comparação com as minhocas, sabendo-se que estas têm 350 neurônios. O homem dispõe de 85 bilhões e faz as mesmas bobagens, guardadas as proporções. Dentro do contexto, seres humanos e outros animais se comportam de acordo com seus feromônios. Sentem cheiros. Assim, quando o transeunte passa a uma centena de metros de um desses apodrecidos cadeiões paulistas, sente o horror daquela mistura de batata cozida com creolina. Se não sente é porque se acostumou, valendo dizer que alguns dos presídios citados se encontram a poucos metros de fórum regional.

O problema penitenciário, no país, é extremamente sério. Quando o cronista era pequeno, achava que havia gente obrigada à impecabilidade. Em outros termos, o policial, o juiz, o promotor de Justiça enfim, eram impecáveis, porque quem prende não pode ter defeitos, quem persegue precisa ter comportamento mais imaculado de freira carmelita e quem julga precisa, todas as manhãs, fazer ato de contrição, para poder despir-se das pequenas ou grandes tentações.

Envelhecendo, o escrevinhador sabe que assim não é porque, procurando bem “todo mundo tem perebas, só a bailarina que não tem” (Edu Lobo). Mas é imprescindível, sim, o apefeiçoamento no combate terrível entre o bem e o mal, a assunção das obrigações na plenitude ou, em alternativa ruim, o perdimento da memória.

Nesse sentido, agora, o Maranhão de Roseana Sarney está mostrando as cabeças dos decapitados nas bandejas de prata do Palácio, concomitantemente aos lagostins encomendados. É exemplo sardônico, mas está na Bíblia. Basta lembrar Judith e Holofernes. Ela oferecera a cabeça do general grego numa enorme salva, durante festejos. Faltou champanhe mas, no Maranhão, tal bebida já foi encomendada.

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