Proposta de reforma tributária deve ir além do tradicional amontoado de regras
28 de agosto de 2014, 11h06
Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Discutir reforma tributária é quase como conversar sobre o clima: em ambos os casos, é comum verificar que fatores independentes (mas que, por vezes, interagem entre si) muitas vezes contribuem para resultados inesperados. Nesse sentido, este artigo propõe uma breve reflexão sobre a referida “imprevisibilidade do resultado” ser, talvez, um entrave relevante ao avanço de propostas de reforma nas últimas décadas.
De maneira geral, o raciocínio é o seguinte: se alguém decide participar de um jogo, mas desconfia que seu adversário poderá atuar de maneira desleal, seria melhor, para aquele que desconfia, (i) conhecer minimamente as regras e, assim, aumentar a sua chance de identificar ou impedir uma eventual artimanha do adversário, ou (ii) não se preocupar com detalhes, e confiar que será capaz de identificar e reagir adequadamente, se e quando o seu adversário for mesmo desleal?
Ou, por outra perspectiva, se fisco e contribuintes desconfiam uns dos outros — este por achar que as autoridades fiscais estão mais preocupadas em arrecadar do que em aplicar a lei de maneira justa e correta, e aquele por achar que os contribuintes distorcem as regras para escapar ao pagamento devido —, então, talvez, a manutenção de um sistema ruim, mas razoavelmente conhecido, seja, afinal, uma escolha menos arriscada do implementar um novo sistema que pode até ser melhor, mas cujas deficiências conceituais e interação entre as regras permanecerão, por algum tempo, pouco conhecidas.
Obviamente, considerar que fisco e contribuintes sempre se comportam como adversários, e que pressupõem a deslealdade um do outro, não é uma premissa crível, ou mesmo republicana, até porque fisco e contribuintes muitas vezes cooperam e se entendem, especialmente quando o assunto não é a arrecadação de tributos propriamente dita.
Entretanto, o ponto que se procura fazer neste texto é outro, pois está muito mais ligado à dificuldade de discutir reformas em um ambiente de razoável desconfiança mútua, no qual a manutenção de um status quo ruim, mas ainda administrável, possa ser percebido como algo preferível a um conjunto de regras com aplicação prática desconhecida.
Tal situação, se verdadeira, provavelmente seria agravada pela habitual ambiguidade (e consequente dificuldade de interpretação) que geralmente permeia as regras tributárias, bem como pela falta de certeza com relação ao resultado final de uma reforma, ainda mais quando se considera (i) o elevado potencial de alterações que um texto pode sofrer ao longo do processo legislativo, e (ii) os “ajustes e correções” que frequentemente constam de atos infralegais como decretos, instruções normativas, atos interpretativos etc.
Assim, é possível que a construção de uma proposta de reforma tributária viável demande algo além do tradicional encaminhamento ao Congresso Nacional de um amontoado de novas regras constitucionais, pensadas por poucos especialistas na clausura de seus gabinetes, e que às vezes são tão ambíguas como as próprias regras que visam esclarecer ou ajustar.
Talvez, a construção de uma proposta com chance real de aprovação demande um esforço mais amplo e colaborativo, a ser empreendido em um ambiente de transparência e publicidade, eventualmente por meio de consultas públicas (a exemplo do que fazem diversas agências reguladoras com relação às normas técnicas que editam), no qual fisco e contribuintes tenham a oportunidade de analisar e efetivamente discutir não apenas a matriz constitucional, mas, também, minutas das leis, decretos, instruções normativas e atos interpretativos que irão regulamentar a aplicação prática das novas disposições constitucionais que se pretende aprovar.
Claro, o resultado final de uma proposta de reforma tributária construída nesse contexto seria, assim como o clima, essencialmente imprevisível, ao menos em primeiro momento.
Entretanto, independentemente do texto a ser produzido, a instalação de um foro adequado para a realização de debates que poderiam aproximar fisco e contribuintes já seria, isoladamente, uma medida importante para mitigar algumas das incertezas e desconfianças que parecem contribuir para a manutenção do status quo.
Além do mais, em tempos de leis que privilegiam a transparência no trato entre agentes públicos e privados, esse seria, no mínimo, um bom começo.
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