A aceitação pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos Infringentes na Ação Penal 470 — o processo do mensalão — não aumenta a chance de prescrição dos crimes. "Com o acórdão proferido na ação penal, ocorre a interrupção da prescrição e volta-se à estaca zero na contagem do prazo. Seria necessário passar vários anos para ocorrer prescrição. Não acredito que o novo relator demore tanto para levar o processo a julgamento", explica o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal.
Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro falou sobre julgamento do mensalão e suas consequências. Ele aponta que se o Supremo vier a aceitar os embargos infringentes a Jurisprudência não será alterada, pois a corte nunca definiu o tema em processo penal de competência originária.
Marco Aurélio diz ainda que a credibilidade do tribunal pode ser afetada se estes recursos forem aceitos e gerar manifestações da sociedade. "As pessoas podem ficar decepcionadas, e isso pode levar a atos. A sociedade pode se manifestar, porque mostrou que não está apática. A manifestação pacífica é bem-vinda, é inerente à cidadania", diz.
Leia a entrevista concedida pelo ministro Marco Aurélio ao jornal O Globo:
O senhor acredita que a credibilidade do STF será afetada se os embargos infringentes forem aceitos?
Marco Aurélio — É uma responsabilidade enorme para o ministro Celso de Mello. É uma matéria que eu não tenho dúvida sobre a revogação do Regimento Interno. Mas, pelo visto, como tem cinco votos a cinco, é uma matéria polêmica. O tribunal, em termos de perda de credibilidade, está à beira do precipício. Para citar John Steinbeck (autor americano), quando uma luz se apaga, fica muito mais escuro do que se nunca tivesse brilhado. A sociedade começou a acreditar no STF e agora, com essa virada no horizonte de se rejulgar, há decepção.
O senhor teme que as pessoas tomem as ruas para protestar contra o tribunal?
Marco Aurélio — As pessoas podem ficar decepcionadas, e isso pode levar a atos. A sociedade pode se manifestar, porque mostrou que não está apática. A manifestação pacífica é bem-vinda, é inerente à cidadania.
Um novo julgamento de réus do mensalão pode gerar sentimento de impunidade na sociedade?
Marco Aurélio — A leitura que o leigo faz é péssima, de que realmente o forno está acesso.
O julgamento de um mesmo réu com a formação diferente da Corte é prejudicial?
Marco Aurélio — Prejuízo não tem, são capítulos distintos (do processo). Num colegiado prevalece o entendimento da maioria. O colegiado é um órgão democrático por excelência.
Como a composição do tribunal é outra, o senhor acredita em resultado diferente se houver novos julgamentos?
Marco Aurélio — Será que, se a composição do tribunal fosse a mesma (do ano passado), haveria tanta ênfase por parte da defesa no julgamento desses embargos? Não deveria ser assim. É claro que é possível evoluir. Agora mesmo, mudamos a concepção de o Judiciário cassar mandato no caso do senador Ivo Cassol. Mas mudar muito (a jurisprudência) gera insegurança, e a segurança tem que ser buscada.
Se o STF aceitar os embargos infringentes, estará mudando a jurisprudência?
Marco Aurélio — Não, é a primeira vez que definimos o tema em processo penal de competência originária.
Como os infringentes não estão previstos no STJ, haverá distorção no sistema jurídico com uma decisão favorável do Supremo?
Marco Aurélio — É um contrassenso, considerados os demais tribunais. O STJ, por exemplo, julga governador e não cabem embargos infringentes. O Tribunal de Justiça julga prefeito, e não cabem embargos infringentes. O Tribunal Regional Federal julga juízes federais, e não cabem infringentes. Mas cabe no Supremo. É interessante. O sistema não fecha. O Tribunal do Júri pode condenar por quatro votos a três, e não há revisão.
Um julgamento apertado deixa margem de dúvida quanto à culpa do réu?
Marco Aurélio — A divergência qualifica o julgamento. Esses acusados deveriam se sentir muito satisfeitos, porque as teses que veicularam ganharam quatro votos. E os outros que tiveram zero? Com escore apertado, o julgamento fica mais aprofundado.
O senhor se incomoda com os embates em plenário?
Marco Aurélio — Eu estou muito acostumado com a divergência. Aqui em casa mesmo, minha mulher é Fluminense, e eu sou Flamengo. A divergência para mim é salutar.
Com a aceitação dos embargos infringentes, há risco de prescrição dos crimes?
Marco Aurélio — Não, não sei de onde estão tirando isso. Com o acórdão proferido na ação penal, ocorre a interrupção da prescrição e volta-se à estaca zero na contagem do prazo. Seria necessário passar vários anos para ocorrer prescrição. Não acredito que o novo relator demore tanto para levar o processo a julgamento.
O senhor gostaria de ser sorteado novo relator do mensalão, nessa nova fase, caso os embargos sejam aceitos?
Marco Aurélio — Brinquei com os colegas ontem no lanche que devíamos restringir a distribuição somente à corrente majoritária. Chega! Hoje estou muito cansado e tenho mais de 200 processos na fila para julgar. Se não, quando me aposentar, vou para casa em definitivo e não vai dar tempo de julgar.
Comentários de leitores
12 comentários
Dr.Sérgio
Observador.. (Economista)
Agradeço suas considerações ao(s) meu(s) comentário. Sei que o senhor é um democrata que leva à sério esta palavra. Não a toma como uma mera abstração para dela se utilizar.
Mas como nem todos são como o senhor (muito pelo contrário), torcerei para que sua visão de país seja mais apurada que a minha e nos saiamos bem, como nação, depois de todos estes acontecimentos que tem chamado atenção da sociedade.
Nosso país é muito diferente. Tem horas que o acho cansativo.Mas nasci aqui.E tenho esperança de que se torne um país melhor para gerações futuras.E não este eterno projeto de "nação do futuro",com o futuro sempre adiado , pois permanentemente sabotado que é no presente.
Caro Observador, (1)
Sérgio Niemeyer (Advogado Sócio de Escritório - Civil)
Li com atenção os seus comentários. Para logo, devo lembrar que o seu receio não tem razão de ser. Afinal, uma democracia de verdade, na qual impera a lei e a liberdade de expressão, aí incluída a liberdade ideológica, é o único regime que aceita no seu próprio seio o desenvolvimento de forças antagonistas que lhe sejam contrárias e têm por objetivo destruí-lo. Ou é assim, ou não será uma democracia de verdade.
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Em outras palavras, numa verdadeira democracia, o combate às forças ideológicas e políticas que visam depô-la deve ser feito por meio de instrumentos inerentes à própria democracia, ou esta não será digna do nome que carrega, ou melhor, não será uma democracia genuína.
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Portanto, quem nutre, como eu, o espírito democrático até suas últimas consequências, não deve temer o aparecimento e o desenvolvimento dessas forças antagônicas. Ao contrário, deve empenhar-se em combatê-las com os instrumentos que a própria democracia nos municia para tanto.
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Por mais paradoxal que possa parecer, são os riscos da democracia. Mas ainda prefiro-os a ser dominado ou tutelado por forças tirânicas subjetivas.
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No caso específico da AP 470, não creio que tais forças antagonistas de nossa ainda embrionária democracia possam tirar qualquer proveito de o STF admitir a interposição de embargos infringentes. Penso, ao contrário, que a própria ideia de democracia sai assim fortalecida, cumprindo suas promessas de igualdade (isonomia), ampla defesa, devido processo legal, etc.
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(CONTINUA)...
Caro Observador, (2)
Sérgio Niemeyer (Advogado Sócio de Escritório - Civil)
(CONTINUAÇÃO)...
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Afora isso, indago: será que a AP 470 teve o condão de inibir, ainda que minimamente, a verdadeira corrupção neste país? Arrisco minhas apostas numa resposta negativa. A corrupção, desde a eclosão do famigerado “mensalão” continua a campear pelos quatro cantos da nação, tanto no setor público como no privado, e seu combate só será eficiente com um choque educativo capaz de infundir na mente das gerações futuras maior comprometimento com a coisa pública sem esquecer que o que dá sustentação à coisa pública é a proteção da esfera privada do indivíduo, e que o limite entre a coisa pública e a particular está traçado pelos direitos fundamentais dos indivíduos, e que nem sempre o interesse público suplanta o interesse individual.
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O caminho, como pode ver, não curto, muito menos simples. Trata-se de uma longa estrada a ser percorrida, a qual será tão mais longa quanto mais se exaltar a própria democracia, porque esta pressupõe o debate, a divergência, a pluralidade de opiniões, a composição política dos interesses em jogo. Qualquer atalho somente pode ter chance de sucesso pela via autoritária, tirânica que sacrifica os direitos, a liberdade e a vida de várias gerações.
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Cordiais saudações,
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(a) Sérgio Niemeyer
Advogado – Mestre em Direito pela USP – sergioniemeyer@adv.oabsp.org.br
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