Pena mais rígida para adolescente não reduzirá criminalidade
6 de novembro de 2013, 7h38
O endurecimento das punições aplicadas a adolescentes infratores não é solução para reduzir a prática de atos equivalentes a crimes por pessoas de 12 a 18 anos. A opinião foi consenso durante o seminário promovido pela comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa projetos de lei que modificam o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).
O principal texto analisado pela comissão é o PL 7.197/02, do ex-senador Ademir Andrade, que trata da aplicação das medidas socioeducativas previstas no ECA no caso de o infrator já ter atingido a maioridade penal (18 anos). Já o PL 5.454/2013, da deputada Andreia Zito (PSDB-RJ), aumenta de três para oito anos o tempo de reclusão dos adolescentes que cometerem infrações caracterizadas como crimes hediondos, podendo ficar internados até os 26 anos.
A proposta de Andreia Zito, que surgiu de sugestão do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tem sido contestada por parlamentares e entidades de defesa das crianças e dos adolescentes. No seminário, a matéria também foi objeto de críticas. A avaliação dos debatedores é que a recuperação de adolescentes infratores passa pela ressocialização, com investimentos em projetos de educação, profissionalização e saúde, por exemplo.
Para a presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Maria Izabel da Silva, os adolescentes não podem ser responsabilizados pela violência no Brasil. A opinião é a mesma de Pedro Paulo Guerra de Medeiros, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
“Os adolescentes que se envolvem com crimes são um percentual mínimo. Temos a falsa sensação de que os crimes no país são cometidos por menores de idade, porque são esses os crimes que têm a atenção da mídia”, criticou Guerra de Medeiros.
Ao traçar um perfil dos adolescentes internados no Brasil, Maria Izabel lembrou que a maioria é negra (60%), não tem emprego (50%) e faz uso de drogas (85%). Em vez de encarcerá-los, a presidente do Conanda sugeriu que se trabalhem políticas de educação e de combate do tráfico de drogas, por exemplo.
Apesar da recomendação, dados do governo mostram que o número de internações de adolescentes no Brasil tem aumentado, tendo passado de 19,8 mil em 2011 para 27 mil em 2012. Em 2011, a maior parte das internações (38%) teve como motivo a prática de roubo, seguida por tráfico de drogas (26%).
No entendimento do coordenador-geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), Cláudio Vieira da Silva, o ECA e as leis e modificações posteriores, inclusive a que regulamenta a aplicação de medidas socioeducativas no país (Lei 12.594/12), são suficientes para reverter o quadro atualmente marcado pela aplicação da punição em regime fechado.
A avaliação dos participantes do seminário é que três anos de internação é muito tempo na vida de um adolescente, que está em período de formação de sua personalidade. “Aumentar um prazo de internação só pode ocorrer mediante demonstração da extrema necessidade de que aquele adolescente não pode ser reintegrado à sociedade ainda. Há que se demonstrar, inclusive, que as outras medidas ressocializadoras não são suficientes”, disse Guerra de Medeiros.
Também o juiz da Vara Regional de Atos Infracionais da Infância e da Juventude do Distrito Federal, Lizandro Garcia Gomes Filho, é da opinião de que o tempo máximo de internação só seja aumentado se o adolescente cometer atos equivalentes a crimes hediondos, como homicídio qualificado e extorsão mediante sequestro.
Posicionamento do MPF
Para o Ministério Público Federal, as propostas de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente com sanções mais rígidas para os adolescentes que cometem ato infracional não vão reduzir a criminalidade. “As experiências com o agravamento de penalidades têm se mostrado insuficientes para combater a prática de crimes por adolescentes", disse o procurador da República, Jefferson Aparecido Dias.
Dias citou o exemplo da Lei de Crimes Hediondos — que aplica penas mais severas a crimes como tortura, tráfico de drogas e terrorismo — para dizer que mesmo após a sanção da lei em 1990, não houve a diminuição desses tipos de crimes. "Efetivamente não houve redução. Algumas pessoas dizem que o jovem não é punido e não é verdade. O que elas querem [com a mudança no ECA] é tornar a situação dos adolescentes pior que a dos adultos", disse.
Dados do Conselho Nacional de Justiça, de 2011, mostram que 70% dos adultos presos reincidiram na prática de crimes. Enquanto que o percentual de adolescentes reincidentes, em 2010, segundo o CNJ, ficou em 12,8%. “É prematuro desistir do ECA porque ele sequer foi aplicado como se deve e me parece contraditório descartar uma lei sem testá-la", argumentou Dias.
O MPF distribuiu uma nota técnica em que se posiciona contra a redução da maioridade penal e defende a aplicação integral do Sinase, aprovado em 2012 pela presidente Dilma Rousseff. Para o MPF, a internação de adolescentes tem tido mais caráter punitivo em detrimento do modelo socioeducativo. "Percebe-se que a lógica da punição sobressai à da educação e ressocialização do adolescente infrator", diz um trecho da nota.
Dias destacou que é preciso enfrentar a questão da dependência de drogas por parte dos adolescentes e oferecer um tratamento adequado aos adolescentes com transtornos mentais. Dados do CNJ mostram que 80% dos adolescentes que estão em unidades de internação são usuários de maconha, cocaína ou crack. "O governo internalizou que a questão da droga é mais uma questão de saúde pública, mas responde com medidas de segurança. É uma contradição", disse. Com informações da Agência Brasil e Agência Câmara.
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