Confusão de teorias

Mensalão não disciplinou regras para compliance

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4 de março de 2013, 18h11

Pense no caso de um diretor de uma instituição financeira que aprova e coloca no mercado um produto cuja regularidade foi confirmada pelo departamento jurídico interno e pelo setor de compliance e, posteriormente, o Ministério Público Federal e o Banco Central consideram aquele produto irregular. O diretor certamente afirmará que atuou com respaldo de um parecer técnico. Qual é a consequência jurídica dessa alegação?

“Essa situação é bastante grave e atual”, afirma o professor Alaor Leite, mestre em Direito pela Universidade Ludwig Maximilian, de Munique, que nesta segunda-feira (4/3) discorreu sobre "A Problemática do erro e concurso de agentes (autoria e participação)”, em palestra na Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, a DireitoGV, em São Paulo. No encontro, o professor abordou dois problemas ligados à criminalidade em empresas: a atuação conforme informações técnicas e a divisão de responsabilidade penal em estruturas empresariais complexas.

Segundo o professor, o primeiro caso é cada vez mais corriqueiro: alguém que em um escalão superior da empresa atua conforme um parecer técnico exarado por alguém ou por um órgão de um escalão inferior especializado — um departamento jurídico interno, por exemplo. Caso o parecer técnico seja posteriormente considerado "equivocado", aquele que tomou a decisão pode ser penalmente responsabilizado. E certamente afirmará que tomou sua decisão com base em um parecer.

Para o professor, nesses casos o critério fundamental para análise deve ser a confiabilidade do parecer. Segundo Alaor Leite, para uma fonte ser confiável, deve ter qualidades formais básicas, perceptíveis ao leigo que solicita a informação. Além disso, deve ser imparcial. “Imparcial não significa que a fonte não tenha nenhuma relação com aquele que solicita a informação. Imparcialidade deve ser compreendida como ausência de interesse próprio na decisão que se vai tomar.”

De acordo com Alaor, um dos problemas é a questão da confiabilidade de um setor jurídico interno. “Não há sentido em se estabelecer um departamento juridico interno se as informações repassadas não puderem ser objeto de confiança daquele que toma decisões.” Ele esclarece que pode acontecer de o alto escalão mascarar um projeto para ser aprovado ou então de um departamento jurídico dar um parecer como espécie de escudo para proteger o adminstrador. “Nesses casos, há que se pesquisar a responsabilidade de ambos. Mas, em princípio, não se pode negar a confiabilidade de um departamento jurídico interno.”

Em casos de desconfiança de manipulação ou compra de parecer para proteger o administrador, Alaor Leite propõe um terceiro critério. “Aquele que atua em um ambiente complexo é leigo em matéria jurídica, mas não é leigo sobre seu negócio. Caso uma informação repassada seja implausível e essa seja perceptível para o leigo, esse parecer não pode ser objeto de confiança.”

O professor ressalta que há no Brasil uma doutrina dominante que diz que basta que o sujeito saiba que o fato é proibido, sendo ou não punível penalmente. “Além de irrazoável, essa exigência é equivocada, especialmente em âmbitos especializados e complexos”, diz.

Caso mensalão
Nessa linha de raciocínio, o professor lembrou do caso do mensalão, julgado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo ele, a teoria de domínio do fato não é aplicável aos casos de corrupção. “Não é uma teoria aplicável a todos os delitos. O principal para o qual ela não é aplicável é o grupo de delitos de dever. E o maior exemplo é o de corrupção. Não se trata de um delito que se tem que avaliar o domínio do fato. Tem que se avaliar se um funcionário violou o seu dever. Para o caso de corrupção, o domínio do fato não é aplicável.”

Além disso, o professor considerou desnecessária a discussão sobre a teoria durante o julgamento. "A teoria de domínio do fato foi desenvolvida para distinguir entre autor e partícipe. Ela não decide sobre o ‘se’, ela decide sobre o ‘como’", afirmou. Ele lembrou que o artigo 29 do Código Penal sequer distingue entre autor e partícipe do crime. "Não há facilitação maior para imputação do que a adoção de uma teoria que sequer distingue quem é autor quem é participe. Era desnecessária a adoção de uma teoria que distingue diante de uma legislação que não distingue."

Para ele, não ficou claro, no julgamento do mensalão, se a imputação foi por ação ou por omissão imprópria. “O que se pode ver é que boa parte da argumentação se dá em função da posição que tal pessoa ocupava e se devia saber de determinado fato. Esse tipo de imputação deixa transparecer uma estrutura de omissão imprópria. A pessoa estava na posição de garantidora e deveria impedir o cometimento de delitos pelo escalão inferior.” Segundo o professor, é importante que se tenha claro qual foi a estrutura de imputação, uma vez que essa decisão vai balizar todas demais.

De acordo com Alaor Leite, também não ficou clara a posição sobre o compliance no caso do mensalão. “Ao que parece, foram autorizadas operações muito fora dos padrões permitidos pelas instituições financeiras. Nesse caso, tem-se possivelmente uma informação implausível, que aquele que atua no setor financeiro sabe os limites, e a questão é se aquele que oferece uma informação e que não tem o poder de decidir pode ser punido pelo repasse da informação”, explica. 

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