Reforma da LEP

Privatização de prisões transforma preso em mercadoria

Autor

  • José Danilo Tavares Lobato

    é pós-doutor doutor e mestre em Direito professor associado da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro professor visitante do programa de mestrado e doutorado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e defensor público do estado do Rio de Janeiro.

6 de maio de 2013, 7h00

Em 4 de abril de 2013, o Senado Federal instalou a Comissão de Reforma da Lei de Execução Penal. Se fizermos uma breve revista nos nomes dos integrantes dessa mais nova comissão de reforma da legislação penal, encontraremos, entre seus membros, pessoas cuja vida profissional vem se caracterizando pela defesa do direito de liberdade e das garantias constitucionais, além da crítica à cultura do punitivismo penal. No entanto, será que há motivos para esperançar a vinda de ventos mais democráticos, humanos e justos na execução penal brasileira?!

O presidente do Senado, em seu discurso de instalação, não deixou dúvidas de que a eficiência do sistema penal é uma de suas principais preocupações. De sua fala, extrai-se que o excessivo número de mandados de prisão não cumpridos, o alto grau de reincidência e o elevado custo do sistema carcerário brasileiro, que gira em torno de aproximadamente R$ 40 mil/preso, são as causas da ineficiência do atual modelo. O presidente do Senado instou, também, a Comissão a buscar novas alternativas nos temas: gestão prisional, direitos e deveres dos presos e reintegração do preso à sociedade. Se analisarmos criticamente o discurso de sua excelência, conseguiremos constatar que, talvez com exceção à rediscussão dos direitos e deveres dos presos, as forças políticas instituidoras da Comissão de Reforma da Lei de Execução Penal almejam que esta proponha um conjunto de soluções legislativas — na canetada — capazes de resolver uma série de problemas que fundamentalmente estão relacionados à organização e à gestão orçamentária e financeira do sistema carcerário. Ou seja, à Comissão cabe a missão de modelar um sistema mais eficiente e moderno.

No entanto, que sistema ideal seria esse? Ao que se denota do discurso oficial, o novo modelo carcerário brasileiro deverá ser mais efetivo no encarceramento, de baixo custo e sem reincidências. Inexiste preocupação, ao menos inicial, com a construção de um Direito de Execução Penal apto a concretizar direitos e garantias fundamentais. A política criminal proposta está clara: expansionismo penal com um amplo, prolongado e economicamente viável encarceramento populacional. Devemos nos questionar, desde já, se os membros da Comissão de Reforma da Lei de Execução Penal vão rejeitar essa proposta de expansionismo penal à Simão Bacamarte e, por consequência, evitar que nosso sistema carcerário se transforme na Casa Verde da literatura machadiana.

Um ponto nevrálgico a ser enfrentando pela Comissão reside na escolha do modelo de gestão do sistema prisional. Como o sistema prisional brasileiro é considerado extremamente caro e ineficiente, não se tenham dúvidas de que, nesse momento, serão congregadas diversas forças, formando um forte lobby político, em prol da defesa da privatização do sistema carcerário nacional. A eficiência do modelo norte-americano será a grande bandeira daqueles que buscam justificar a necessidade de se privatizar nossos estabelecimentos prisionais. O sistema norte-americano servirá como linha mestra a ser seguida, eis que é apontado como um sucesso. De fato, o modelo norte-americano é “exitoso”. Seu êxito está em sua capacidade de prender e custodiar em progressão geométrica, gerando lucros e dividendos. A prisão norte-americana não passa de um negócio, tal como é o comércio de petróleo, gás, automóveis etc… e como tal, depende de um massivo encarceramento populacional. Sem presos, não há lucros, de modo que quanto maior o número de presos mais elevados serão os lucros e os dividendos das companhias de administração prisional. Nada diferente de uma petrolífera que constantemente aumenta sua produção para obter mais negócios e majorar seus lucros. Se, porventura, esta Comissão de Reforma ouvir os anseios da presidência do Senado Federal, teremos, a médio prazo, um sistema penal e carcerário que resolverá em parte as preocupações de eficiência expostas por seu atual presidente, no entanto, afundaremos o modelo carcerário pátrio dentro da lógica capitalista de mercado e do lucro, ao transformarmos nossos presos em mercadorias. O pior está no fato de que esse modelo de gestão penitenciária trará os pilares de fundação de um sistema punitivo-penal, que funcionará como uma eficiente e insaciável máquina de encarceramento em larga escala da população brasileira — como de costume, dos grupamentos populacionais mais pobres e desfavorecidos.

Não se pode perder de vista que os problemas que o sistema carcerário brasileiro vive não serão e nem devem ser resolvidos a partir da criação de monstros. A bons resultados chegará a Comissão, caso seus membros se blindem a essas pressões e consigam se preocupar com as ineficiências reais do dia a dia carcerário e da execução penal. Esse é o momento para se pensar na abolição definitiva do exame criminológico, que ainda é exigido, por grande parte dos juízes, como um requisito geral para análise e julgamento dos direitos subjetivos previstos na LEP. Não raras vezes, os juízos da execução penal condicionam — sem fundamentação concreta — a análise dos pedidos de progressão de regime, livramento condicional etc… à vinda desses malfadados exames, que muitas vezes demoram meses a serem confeccionados em razão da ausência de estrutura adequada e suficiente das secretarias estaduais de administração penitenciária. Pontue-se que nem se está adentrando nos problemas e falibilidades do mérito técnico do exame criminológico. No mesmo sentido, seria muito benvinda a adoção de medidas destinadas a simplificar e a agilizar o processo de execução, tal como, por exemplo, a inversão do ônus da prova do bom comportamento carcerário. Com essa medida, evitar-se-iam os corriqueiros atrasos na análise e até os indeferimentos dos direitos subjetivos dos apenados por ausência de esclarecimento, pela defesa técnica, das anotações constantes na folha de antecedentes criminais dos condenados. Há muitos gargalos a serem revistos, como os não cumprimentos de alvarás de soltura, que ficam na dependência do horário de funcionamento e da avaliação discricionária dos “prejuízos” feitos pelos serviços de arquivo das polícias e das secretárias de administração penitenciária.

Não são poucas as necessidades de reforma da vigente Lei de Execução Penal, contudo, não é qualquer reforma que nos fará avançar na construção de sistema carcerário moldado segundo os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição de nosso incipiente Estado de Direito. Torçamos para que os membros da Comissão de Reforma da Lei de Execução Penal não façam como Porfírio, que, ao final, se alia a Bacamarte e passa a acreditar na importância existencial da Casa Verde.

Autores

  • é defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, professor adjunto de Direito Penal e Direito Público da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, pós-doutor em Direito Penal pela Universidade de Munique, doutor em Direito pela UGF, Mestre em Direito – Ciências Penais pela UCAM e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRJ

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