Conselho de Enfermagem

Órgão ignora Justiça e mantém presidente afastada

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11 de junho de 2013, 11h25

A tensão que envolve o afastamento da presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Márcia Cristina Krempel, parece estar longe de arrefecer, mesmo após o caso parar na Justiça Federal de Brasília. Depois de a 6ª Vara Federal da capital determinar, no dia 23 de maio, que o Cofen não poderia prorrogar o afastamento cautelar de Márcia além do prazo previsto pelo regimento interno do órgão, a entidade decidiu, no dia seguinte, mantê-la afastada por mais 45 dias, com base em interpretação de suas normas internas.

De acordo com a decisão do plenário, o regimento dá margem para que o presidente interino prorrogue o prazo, mesmo vencido o limite de 120 dias previsto para afastamentos cautelares em processos administrativos da autarquia. Na sexta-feira, de 31 de maio, a defesa da presidente entrou com uma petição na 6ª Vara para fazer cumprir a antecipação de tutela garantida na Justiça, o que foi deferido na quarta-feira seguinte (5/6), determinando, assim, a recondução imediata de Márcia Krempel ao cargo.

Porém, no dia seguinte, apesar de a presidente afastada comparecer à sede do Cofen acompanhada de um oficial de Justiça para reassumir sua posição, não foi permitida a sua entrada sob a justificativa de o órgão estar fechado em virtude da realização de um seminário institucional. Na sexta-feira (7/6), também não houve expediente na sede do Cofen em Brasília.

Liderança em xeque
Márcia Krempel foi afastada da presidência do Cofen em 24 de janeiro de 2013, quando o plenário do conselho aceitou denúncia formulada a partir de indícios de infrações que teriam ferido o regimento interno da entidade. Foi aberto um processo administrativo disciplinar para apurar a acusação de que a presidente cometeu faltas disciplinares ao conduzir processos de licitações e ao contratar ou dispensar serviços terceirizados. Uma resolução do próprio conselho prevê que o afastamento cautelar se estenda por 60 dias, sendo prorrogável, no máximo, pelo dobro do tempo, ainda que não concluído o processo disciplinar.

A presidente afastada entrou com ação ordinária contestando o procedimento disciplinar aberto por decisão plenária do Cofen, alegando que o processo administrativo que pesa contra ela é irregular e não tem qualquer base legal. De acordo com Márcia, o enfrentamento a sua gestão se deu apenas porque ela teria passado a revisar e cancelar contratos e a reorganizar os processos de licitações levadas a cabo pela direção anterior.

Segundo os advogados da presidente, por ter tomado decisões contrárias ao grupo político que controlava, até então, o conselho, ela acabou tendo a governabilidade de sua gestão comprometida, com o contínuo e incisivo questionamento dos seus atos e decisões pela maioria do Cofen, desfavorável à sua gestão.

Em 14 de maio, a juíza Maria Cecília de Marco Rocha, da 6ª Vara Federal de Brasília, concedeu liminar determinando a volta de Márcia Cristina Krempel à Presidência, suspendendo ainda o processo administrativo conduzido pelo conselho até a decisão de mérito da Justiça sobre o caso. A juíza reconheceu vícios na condução do processo e exigiu que fossem adotadas medidas para saneá-los.

No entanto, no dia seguinte à decisão liminar que reconduziu a presidente afastada ao cargo, a mesma juíza responsável pela antecipação da tutela revogou parcialmente seu juízo por entender que a presidente do Cofen havia praticado litigância de má-fé, a fim de induzi-la ao erro. A juíza afirmou que havia decidido liminarmente a favor de Márcia a partir da informação prestada por ela de que não houve prorrogação do prazo de afastamento para mais 60 dias.

Contudo, como a Procuradoria-Geral do Cofen enviou à magistrada documento que informava que o prazo havia sido, sim, prorrogado por meio de uma decisão plenária de 19 de março, a magistrada entendeu que houve perda de fundamento para a recondução ao cargo, arbitrando ainda multa de R$ 5 mil ao concluir que a autora a induziu a erro. A juíza revogou também a suspensão do processo disciplinar, determinando, porém, que os vícios deste fossem saneados.

A defesa de Márcia entrou com uma petição, ainda no dia 15 de maio, informando à Justiça que nem a presidente afastada nem seus advogados foram comunicados da prorrogação. “A Márcia e nenhum de seus advogados tiveram ciência do ato de prorrogação do prazo, porque o mesmo deveria, obrigatoriamente, estar juntado nos autos do PAD, todavia não estava”, disse o advogado Michel Saliba à revista Consultor Jurídico. O advogado afirma que Márcia sequer foi intimada para a sessão que deliberou sobre se prorrogar o afastamento cautelar.

Em vias de encerrar o prazo máximo de afastamento, de 120 dias, o Cofen entrou com ação cautelar incidental à ordinária, pedindo para obter decisão liminar para afastar Márcia dos cargos de conselheira federal e presidente da entidade, justificando o pleito em razão de a presidente poder interferir na apuração da denúncia e na condução do processo. A juíza, porém, negou provimento, por não reconhecer dano irreparável ou de difícil reparação no fato de a presidente voltar ao posto.

A juíza lembrou ainda que a resolução do Conselho Federal de Enfermagem, que rege o processo administrativo disciplinar, prevê que o afastamento não pode ser estendido por mais de 120 dias, mesmo que não concluído o processo disciplinar. “Como a norma que rege os processos administrativos disciplinares do Cofen estabeleceu prazo para o afastamento mesmo que o processo administrativo não se haja concluído, admitiu que o denunciado pudesse influir na apuração da irregularidade após o decurso desse prazo”, disse a juíza em sua decisão.

Para a juíza, diante da previsão normativa, apenas em hipóteses extremas caberia a interferência do Judiciário, “sob risco de indevida intromissão na competência do conselho”.

Novo afastamento
Apesar de a Justiça negar a prorrogação do afastamento, o plenário do Cofen, em deliberação ocorrida no dia seguinte ao indeferimento da juíza, em 24 de maio, decidiu por afastar Márcia por mais 45 dias. O conselheiro Osvaldo Albuquerque Souza Filho assumiu interinamente a Presidência do conselho. De acordo com o plenário, o artigo 27 da Resolução 155 concede competência ao presidente de “elastecer” o prazo além do previsto regimentalmente.

Para a defesa da presidente afastada, trata-se de desobediência à decisão judicial. “Decidiram pelo afastamento por mais 45 dias, desobedecendo à ordem judicial e, mais uma vez, a presidente afastada sequer foi intimada para apresentar a defesa quanto à ilegalidade do ato de prorrogação”, disse o advogado Michel Saliba. Os advogados de Márcia sustentam ainda que se o conselho realmente achasse que cabia proceder com o afastamento além do que prevê o regimento, a entidade não teria ido à Justiça e decidido por estender o prazo somente depois do pedido de liminar ser indeferido.

Para os conselheiros, porém, o afastamento é justificável. “Como a Comissão precisa de prazo para concluir a instrução processual, o plenário do Cofen determinou a reintegração da Dra. Márcia Krempel ao quadro de Conselheiros Federais e manteve o afastamento do cargo de presidente por até 45 dias em função de julgar presentes os motivos que ensejaram o primeiro afastamento”, declarou o conselho por meio de nota oficial.

“O afastamento se dá quando existe possibilidades ou razões de que a parte interessada envolvida tenha capacidade de influenciar no andamento normal do processo”, disse à ConJur o conselheiro federal Antônio Marcos Freire Gomes.

Na decisão em que desautoriza a prorrogação do afastamento, a juíza da 6ª Vara observou que o Cofen reconheceu as falhas na condução do processo disciplinar, garantindo, assim, que os atos viciados seriam corrigidos, dentre os quais permitir que sejam apreciadas questões preliminares, o pedido de prova feito por Márcia e o agendamento de um novo interrogatório.

A juíza, no entanto, reconhece a “gravidade dos fatos” que levaram a abertura do processo administrativo disciplinar contra a presidente Márcia Cristina Krempel, mas afastou as chances desta interferir no novo processo, por estar sob forte escrutínio público. O Cofen interpôs agravo questionando a decisão liminar.

Os conselheiros que se opõem à presidente afastada alegaram que ela teria se servido de meios escusos para arregimentar apoio, inclusive contratando um dos seus advogados para assessorá-la na direção do órgão. A juíza afirmou, porém, na decisão liminar, que buscar votos entre os conselheiros para reverter a decisão é legítimo e que não há provas que as demissões efetuadas pela presidente foram irregulares.

Ainda segundo a juíza, é natural que a presidente se cerque de pessoas de sua confiança ao retomar o cargo e que não há quaisquer evidências de que os honorários particulares do seu advogado foram pagos por meio da remuneração de seu cargo no Cofen.

Em nova decisão liminar, de 5 de junho, em resposta a petição da defesa de Márcia, a juíza Maria Cecília de Marco Rocha, além de determinar a recondução imediata da presidente, autorizou o Cofen a proceder com o processo administrativo até a decisão final pela Justiça. Contudo, a juíza determinou que a condução do processo observe algumas “balizas” enumeradas por ela na decisão liminar.

“O Cofen reconheceu o equívoco no curso do processo, tanto que se dispôs a refazer alguns atos. Como o réu já se dispôs a sanar seus erros antes mesmo do provimento final do presente feito, não há razão para que o processo administrativo continue suspenso”, disse na decisão do dia 5 de junho. A juíza decidiu também que irá se pronunciar apenas na sentença final sobre reconsiderar a imposição de multa a Márcia por litigância de má-fé.

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