Advogados divergem sobre vinda de médicos de Cuba
27 de agosto de 2013, 10h14
O acordo firmado pelo Ministério da Saúde que permite o envio de médicos cubanos para regiões remotas e áreas periféricas dos municípios brasileiros divide opiniões entre advogados. Especialistas ouvidos pela ConJur abordaram o tema sob os aspectos da terceirização de mão de obra, da classificação desse tipo de contratação pelo poder público e da legalidade do ato que autorizou o convênio.
A vinda dos estrangeiros é questionada por entidades de classe. Na sexta-feira (23/8), a Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o programa. Elas alegam que a medida do governo retira dos conselhos regionais de Medicina a competência para avaliar a qualidade profissional do médico intercambista.
Assinado na última quarta-feira (21/8) com a Organização Panamericana de Saúde, o termo de cooperação prevê a vinda de 4 mil profissionais de Cuba para as vagas que não foram escolhidas por brasileiros e estrangeiros no programa Mais Médicos.
Para o advogado especialista em Direito Administrativo Fabio Martins Di Jorge, do escritório Peixoto e Cury Advogados, o acordo com a Opas é incompatível com a Constituição. Di Jorge chama atenção para o que classifica de “contratação estranha” do médico intercambista prevista na MP 621/2013, que instituiu o programa Mais Médicos.
“O convênio não se amolda à contratação excepcional por necessidade e interesse públicos, não é emprego público e, muito menos, de acordo com expressa vedação legal, geraria vínculo de emprego de qualquer outra natureza, de modo que poderá desencadear na Justiça Especializada um passivo a ser discutido e arcado pela União, com consequente reflexo na carga tributária”, afirma.
Di Jorge considera que o acordo se assemelha a uma terceirização de mão de obra final, o que é vedado à administração pública. “O Brasil pagará à Opas, que por seu turno repassará a Cuba que, por fim, repassará os valores ao médico intercambista, uma cadeia de processamento de difícil compatibilidade com a dignidade da pessoa humana, neste caso exteriorizada pela figura do trabalhador.”
Também crítico ao acordo, o professor Claudio Pinho, da Fundação Dom Cabral, diz que a contratação deve ser feita apenas por concurso público. “Mais do que médicos, faltam condições para que eles trabalhem. Essa intervenção feita pelo governo é claramente ilegal, em que pese ser justa a alocação de profissionais para a população que sofre. Os fins não justificam os meios”.
Já na opinião do professor Clèmerson Merlin Clève, da UFPR, a vinda dos cubanos está de acordo com a Constituição brasileira. “Não há ilegalidade ou inconstitucionalidade na prática, especialmente quando ato normativo com força de lei o autoriza expressamente”, afirma.
O professor diz ainda que, desde que autorizado por lei, os médicos estrangeiros podem exercer a Medicina sem necessidade do Revalida — Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos. “O legislador brasileiro poderia, querendo, reconhecer automaticamente, para efeito de exercício da profissão no Brasil, os diplomas de Medicina conferidos por universidades estrangeiras. Isso não implicaria inconstitucionalidade”.
Ele também descarta a possibilidade de enquadrar o programa como terceirização de atividade. “Não se pode falar em terceirização porque não supõe substituição de médicos diretamente contratados por outros terceirizados. Ao contrário, neste momento, essa é a única forma de levar médicos aos lugares onde eles não estão presentes.”
Ponto em comum
Em um ponto, porém, os especialistas concordam. Caso algum médico cubano peça asilo político, o governo brasileiro não é obrigado a aceitá-lo, pois trata-se de ato privativo da presidente da República. "O médico cubano pode pedir asilo ou mesmo ser recebido na condição de refugiado nos mesmos termos que os demais estrangeiros. Cumpre verificar, em cada caso, se há razões para a concessão desta ou daquela medida", diz Clève. “O asilo é um ato discricionário e privativo do presidente da República”, complementa Pinho.
Na semana passada, o advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams, afirmou que os médicos cubanos que tentarem permanecer no país para além dos termos do acordo não terão direito a asilo e serão forçados a retornar a Cuba.
Também na última semana o Ministério Público do Trabalho informou que iria pedir à Advocacia-Geral da União mais informações sobre o programa. O órgão disse que, enquanto não tivesse acesso ao termo, não seria possível avaliar sua legalidade. A ConJur pediu ao Ministério da Saúde e à Opas a íntegra do acordo, mas até o fechamento desta reportagem o documento não foi enviado.
Decreto
Nesta segunda-feira (26/8) foi publicado no Diário Oficial da União decreto da presidente Dilma Rousseff com as regras para o pedido de inscrição do registro provisório dos médicos estrangeiros que aderirem ao Mais Médicos. Entre os documentos exigidos estão cópia do diploma expedido pela instituição em que o médico se formou.
O decreto diz que a declaração de participação no Mais Médicos, acompanhada dos documentos exigidos, é "condição necessária e suficiente" para a expedição de registro profissional provisório e da carteira profissional. O documento contém mensagem expressa quanto à vedação ao exercício da Medicina fora das atividades do Projeto Mais Médicos para o Brasil.
Clique aqui para ler o Decreto.
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