Horas extras

TRF-4 suspende desconto de servidores do Senado

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27 de março de 2012, 18h26

O dano irreparável que justifica a medida liminar não é o dano eventual e hipotético, mas o concreto e iminente. Com esse fundamento, a 3ª Turma do Tribunal Federal da 4ª Região deferiu pedido de efeito suspensivo a liminar que obrigava o Senado a descontar de um grupo de servidores as horas extras recebidas referente a janeiro de 2009, em pleno recesso parlamentar.

O desembargador federal Fernando Quadros da Silva, relator do Agravo de Instrumento interposto pela União Federal, destacou que, para manter a liminar, seria necessário haver prova inequívoca da suposta irregularidade do ato administrativo que mandou pagar as horas extras, ‘‘sem o qual, a verossimilhança do direito alegado milita a favor da Administração Pública, cujos atos possuem presunção de legitimidade’’. A decisão foi tomada em sessão de julgamento do dia 13 de março.

O caso teve início no dia 31 de março de 2009, quando os advogados gaúchos Irani Mariani e Marco Pollo Giordani, com escritório em Porto Alegre, ajuizaram uma Ação Popular contra a União, o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), o senador Efraim Moraes (DEM-PB) e contra os 3.883 funcionários do Senado que se beneficiaram do pagamento de horas extras em período em que não havia atividade legislativa na Casa.

Os autores, citando reportagens publicadas na imprensa local, sustentaram que o ato que autorizou o pagamento das horas extras — estimado em cerca de R$ 6 milhões — feria a moralidade administrativa e lesava os cofres públicos. Pediram a identificação dos beneficiários, a devolução dos valores pagos e a condenação solidária dos responsáveis pela edição da medida.

Adicionalmente, também pleitearam a redução do número de servidores por senador da República, bem como dos valores pagos; a redução dos cargos de 181 diretores; a revisão mensal do valor de custo de cada senador e a extinção do 14º e 15º salários. Na época, o Senado possuía 8.370 funcionários, entre contratados, comissionados e terceirizados, numa média total de cem funcionários para cada senador.

Pedidos abreviados
No dia 6 de abril de 2009, despacho do juiz federal substituto Gabriel Menna Barreto Von Gehlen indeferiu parcialmente o pedido de liminar e permitiu que a ação tivesse sequência apenas no que toca às horas extras pagas dos servidores no período de recesso. O magistrado autorizou a citação dos réus e deu prazo de 20 dias, após recebimento de intimação, para que a Secretaria de Recursos Humanos do Senado fornecesse a lista com nome e endereço dos servidores beneficiados.

A União, representando o Senado, contestou a sentença, encaminhando recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Nele, apontou a inépcia da inicial e acusou os autores de uso indevido da ação popular e a ausência de documentos indispensáveis para sua propositura. No mérito, a União informou que os servidores ‘‘têm, com frequência, muito trabalho para pôr em dia’’.

Embora os trabalhos legislativos estejam suspensos em janeiro, segundo a União, há uma série de tarefas a cumprir, como licitações, atividades de treinamento, fiscalização e controle, manutenção e o trâmite de processos administrativos. Alguns gabinetes continuam a receber prefeitos, a agendar compromissos e a responder contatos de cidadãos, além de dar andamento ao trabalho interno eventualmente atrasado. E mais: se havia serviço extraordinário a ser executado, e se ele foi efetivamente prestado, é devido seu pagamento, sob pena de incorrer-se em enriquecimento ilícito do Estado e na vedação constitucional ao trabalho gratuito.

Por isso, os advogados da União pediram o adiamento da citação dos servidores do Senado, com inversão na ordem de coleta de provas, em face dos prejuízos que poderiam advir pela condição de réus e afirmaram haber necessidade de prova mais robusta.

Os senadores Garibaldi Alves e Efraim Moraes também apresentaram defesa, em termos similares à tese da União. No mérito, justificaram o pagamento de horas extras pela necessidade de serviço. Foi juntada ao processo a relação nominal, em meio eletrônico e impresso, dos servidores que se beneficiaram com as horas extras. E também a relação dos servidores que devolveram integralmente os valores recebidos — R$ 531,4 mil.

Os autores também se manifestaram, requerendo a inclusão, no polo passivo, daqueles que respondiam pela Diretoria-Geral e pela Secretaria de Recursos Humanos do Senado: Agaciel da Silva Maia e João Carlos Zoghbi, na condição de responsáveis diretos pelos pagamentos. Com isso, argumentaram ser desnecessária a citação dos mais de três mil servidores, opinião compartilhada pelo Ministério Público Federal.

Devolução de valores
No dia 24 de novembro de 2011, a relatora do recurso na 2ª Turma do TRF-4, juíza convocada Vânia Hack de Almeida, proferiu sua decisão. Ao seu juízo, a União mencionou atividades que são realizadas no período de recesso. ‘‘No entanto, nenhuma das atividades citadas constitui-se em trabalho extraordinário. Ao contrário, o que disse a União é que os serviços administrativos não sofrem solução de continuidade. Mas nisso não há nada de extraordinário a justificar horário extra. Ao contrário, são atividades rotineiras que não autorizam a convocação extraordinária de servidores, até porque se é certo que essas atividades prosseguem no período de recesso, outras cessam, sem a realização de sessões plenárias. De outro lado, aduzir que no período há um considerável aumento de pedidos de férias, não é justificativa razoável, porquanto não significa que os pedidos devem ser deferidos. O gestor público não pode deferir férias se há trabalho a ser efetuado.’’

Assim, a magistrada entendeu que os servidores objetos da ação deveriam ser citados por edital, excluídos os que devolveram o valor das horas extras. Também determinou que o Senado desconte o valor das horas extras pagas em janeiro de 2009 do contracheque dos servidores. Os valores deverão ser depositados em conta vinculada na Caixa Econômica Federal, à disposição da Justiça. Em caso de descumprimento da decisão, a juíza convocada estabeleceu a multa diária de R$ 10 mil, com base no artigo 11 da Lei 7.347/1985.

Último round 
Derrotada, a União entrou com Agravo de Instrumento contra a decisão que deferiu, de ofício, a antecipação de tutela para obrigar o Senado e efetuar os descontos em folha de pagamento. Lembrou que a discussão dos autos se resume a atos praticados pela Administração Pública, sendo que os autores os combatem unicamente com base em informações colhidas na mídia. Ou seja, não apresentaram prova capaz de afastar a presunção de legitimidade desses atos, no que incabível a utilização do parágrafo 6º do artigo 273 do Código de Processo Civil para concessão da tutela de urgência, porquanto ausentes seus requisitos.

No mérito, a União defendeu a legalidade e a moralidade dos atos administrativos impugnados, por estarem ajustados às previsões dos artigos 61, 73 e 74, da Lei 8.112/1990 e às normas consolidadas no âmbito do Senado.

O relator do Agravo de Instrumento na 3ª Turma do TRF-4, desembargador federal Fernando Quadros da Silva, disse, inicialmente, que a antecipação dos efeitos da tutela é instituto jurídico que tem por fim a efetividade da jurisdição, nos casos em que existem provas inequívocas da verossimilhança do direito alegado e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Trata-se, portanto, destacou, de medida de urgência e necessária, para que o direito tutelado se exerça imediatamente, sob pena da ineficácia da prestação jurisdicional.

‘‘Ocorre que, no caso concreto, objetivando a Ação Popular desconstituir ato administrativo e, em consequência disso, a devolução dos valores recebidos pelos réus a título de horas extras, necessária prova inequívoca da suposta irregularidade do ato, sem o qual a verossimilhança do direito alegado milita a favor da administração pública, cujos atos possuem presunção de legitimidade’’, disse. O relator lembrou também que, caso julgada procedente a Ação Popular, a Administração possui meios processuais e administrativos adequados e céleres, conforme disposto nos artigos 47 e 47, da Lei 8.112/90, para garantir o ressarcimento dos valores que pagou indevidamente a seus servidores.

"Assim, em face da presunção de legitimidade dos atos administrativos, bem como diante da inexistência de risco de ineficácia de eventual sentença de procedência do pedido, deve ser reformada a decisão que antecipou os efeitos da tutela", concluiu.

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