Sigilo Profissional

Advogados não estão submetidos a nova lei de lavagem

Autor

  • Fábio Martins de Andrade

    é advogado doutor em Direito Público pela UERJ e autor da obra “Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF”.

26 de agosto de 2012, 7h00

A Lei nº 12.683, publicada em 10 de julho de 2012, altera a Lei 9.613/1998, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.

Dentre as modificações que a Lei 12.683/2012 traz se destacam as pessoas sujeitas ao mecanismo de controle previsto no artigo 9º (quem) em relação às obrigações de identificação dos clientes e manutenção de registros, bem como à comunicação de operações financeiras, referidas nos artigos 10 (como) e 11 (o que), respectivamente, sob pena das sanções administrativas estabelecidas no artigo 12, assegurados o contraditório e a ampla defesa, cujo procedimento será regulado por decreto, nos termos do artigo 13.

Na semana passada registramos nesse espaço que o elenco previsto no artigo 9º, “Das Pessoas Sujeitas ao Mecanismo de Controle” (quem), que já era enorme, ampliou-se ainda mais. As pessoas físicas foram incluídas de modo expresso no seu caput: “Sujeitam-se às obrigações referidas nos artsigos 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não: I — a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira; II — a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial; e III — a custódia, emissão, distribuição, liquidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários”.

Além das pessoas que praticam tais atividades, o inciso XIV do parágrafo único do artigo 9º acrescenta, dentre tantas outras, as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.

Ora, verifica-se, portanto, que o escopo das pessoas antes submetidas à lei agora foi sobremaneira ampliado para as pessoas sujeitas ao mecanismo de controle (quem), chegando mesmo a abranger várias situações e hipóteses que antes não estavam contempladas no diploma legal.

O Capítulo VI traz “Da Identificação dos Clientes e Manutenção de Registros” (como) e o seu artigo 10 prevê que as pessoas elencadas no artigo 9º (quem) deverão identificar seus clientes e manter cadastro atualizado e cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), observadas as instruções regulamentares expedidas pela autoridade competente.

O Capítulo VII prevê “Da Comunicação de Operações Financeiras” (o que) e o artigo 11 dispõe que as pessoas referidas no artigo 9º dispensarão especial atenção às operações que possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos na Lei ou com eles relacionar-se, bem como deverão comunicar ao Coaf e ao órgão regulador ou fiscalizador, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação, no prazo de 24 horas, a proposta ou realização de todas as transações referidas nos dispositivos legais anteriores, observadas as instruções regulamentares expedidas pela autoridade competente.

O Capítulo VIII cuida “Da Responsabilidade Administrativa”. O artigo 12 prescreve as sanções aplicáveis, cumulativamente ou não, às pessoas referidas no artigo 9º que deixem de cumprir as obrigações previstas nos artsigos 10 e 11. São elas: I — advertência; II — multa pecuniária variável não superior: a) ao dobro do valor da operação; b) ao dobro do lucro real obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação; ou c) ao valor de vinte milhões de reais (incluída pela lei nova); III — inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9; e IV — cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento. Em qualquer caso, o procedimento para a aplicação das sanções previstas no Capítulo VIII será regulado por decreto, assegurados o contraditório e a ampla defesa, cabível recurso das decisões do Coaf ao ministro de Estado da Fazenda.

Em 20 de agosto de 2012, o Órgão Especial da OAB aprovou parecer de sua Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, cujo objetivo foi responder a indagação do presidente nacional da OAB sobre a obrigatoriedade dos advogados prestarem informações dos clientes ao Coaf, em atendimento ao inciso XIV do artigo 9º da Lei 12.683/2012. A resposta foi negativa.

De fato,o entendimento expresso no parecer foi no sentido de que os advogados não se submetem às obrigações de identificação dos clientes, ou seja, os acréscimos perpetrados pela Lei 12.683/2012 não se dirigem aos advogados, nas suas relações profissionais com os seus clientes. Tal entendimento contém duplo fundamento jurídico.

De um lado, porque não foi expressamente previsto nos acréscimos perpetrados pela Lei 12.683/2012 (a despeito do rol exaustivo e minucioso que a novel lei trouxe). De outro, porque eventual inclusão nesse sentido afrontaria o dever de sigilo profissional. Ora, tal dever é assegurado tanto em sede constitucional (na medida em que o advogado é indispensável à administração da justiça, nos termos do artigo 133 da Constituição da República) como também no âmbito legal (vez que o sigilo profissional é prerrogativa assegurada ao seu livre exercício da profissão, nos termos do inciso II do artigo 7º da Lei 8.906/1994 — Estatuto da Advocacia).

Com efeito, considerando o plano constitucional, o artigo 133 assegura a imprescindibilidade do advogado na administração da Justiça, razão pela qual antes mesmo de um direito ou prerrogativa, o sigilo profissional é um dever decorrente de sua relação profissional com o seu cliente.

De fato, tal sigilo é essencial ao exercício rotineiro da advocacia e do próprio direito de defesa do cidadão, considerado em cada um dos seus desdobramentos previstos em sede constitucional, como o devido processo legal (previsto no inciso LIV do artigo 5º) e a ampla defesa (previsto no inciso LV do artigo 5º), dentre outros.

De igual modo, através de interpretação sistemática, invocando o artigo 7º do Estatuto de Advocacia, mencionado acima, o artigo 26 do Código de Ética e até o artigo 207 do Código de Processo Penal e o artigo 154 do Código Penal, chega-se à inevitável conclusão de que o sigilo profissional é inerente à prestação do serviço de advocacia.

Eis a ementa do referido parecer: “Lei 12.683/12, que altera a Lei 9.613/98, para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro. Inaplicabilidade aos advogados e sociedades de advogados. Homenagem aos princípios constitucionais que protegem o sigilo profissional e a imprescindibilidade do advogado à Justiça. Lei especial, Estatuto da Ordem (Lei 8.9.06/94), não pode ser implicitamente revogado por lei que trata genericamente de outras profissões. Advogados e sociedades de advocacia não devem fazer cadastro no COAF nem têm o dever de divulgar dados sigilosos de seus clientes que lhe foram entregues no exercício profissional. Obrigação das seccionais e comissões de prerrogativas nacional e estaduais de amparar os advogados que ilegalmente sejam instados a fazê-los”.

Reiteramos nossa conclusão anterior, no sentido de que é louvável a tentativa e o empenho dos nossos nobres congressistas, no sentido de coibir o flagelo que é a lavagem de dinheiro no Brasil. Tendo sido editada em 1998 a Lei 9.613, veio em boa hora a sua reforma (pela Lei  12.683/12) para tornar a persecução penal de tais crimes mais eficiente. Com o transcurso de tal lapso de tempo, é razoável e lógico incorporar na legislação as virtudes e afastar as vicissitudes verificadas com a experiência prática.

Contudo, é importante que no afã de coibir esse odioso crime, que tanto prejuízo causa ao Brasil, violações não sejam perpetradas contra a nossa Constituição da República, sob pena de os fins justificarem os meios, que não se coaduna com um Estado Democrático de Direito como o que queremos construído no nosso Brasil.

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