Exportação de produtos

Projeto que tenta combater guerra fiscal é inconstitucional

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26 de abril de 2012, 7h19

Na denominada Guerra Fiscal ou Guerra dos Portos, em que se discute a competitividade entre os estados, deve prevalecer o bom senso. Antes de mais nada é preciso colocar as coisas em perspectiva. Uma das razões, senão a principal, foi a forma como foi feita a desoneração das exportações. Com a aprovação da denominada Lei Kandir (Lei Complementar 87/96), os estados brasileiros perderam importante fonte de arrecadação, que era exatamente o ICMS incidente sobre os produtos exportados. Havia, na época, um compromisso da União em ressarcir os estados exportadores pela perda da arrecadação através do repasse de, no mínimo, 50% dos valores que cada estado perdia.

Com essa desoneração, as empresas exportadoras passaram a ter saldos credores do ICMS, ressarcíveis pelos estados. Com os repasses da União, a situação se acomodava e os estados conseguiam transferir esses saldos credores. No entanto, com o passar dos anos, os repasses da União foram diminuindo, chegando já em 2003, a aproximadamente 20% dos valores devidos.

A partir daí, começou a agravar-se a situação das empresas exportadoras. Elas passaram a implorar para que os estados lhes transferissem os valores devidos. E os estados, exauridos em suas finanças, buscavam, cada um à sua maneira, a melhor forma de repassar, com recursos próprios, os valores que legitimamente pertenciam àquelas empresas que estavam colaborando sobremaneira com a meta nacional de aumentar as exportações. E, paradoxalmente, elas passaram, então, a ser punidas por cumprirem com um objetivo nacional.

Também com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, LC 101/2.000), os estados passaram a ter mais um motivo para buscarem o aumento da arrecadação própria, já que o não cumprimento da LRF implica penas gravíssimas para os responsáveis, que devem, portanto, cumprir integralmente aquelas normas, entre as quais o comprometimento de gastos com Saúde, Educação, limitação de gastos com a folha de vencimentos etc. E nessa hora, onde podem os governadores e secretários de Estado da Fazenda buscar adequar essas contas públicas senão na arrecadação do ICMS — a principal fonte de receita dos estados? Como o governo federal, desde 1989, não tem demonstrado vontade política de aprovar uma reforma tributária, os estados vão à luta, procurando sanar suas finanças, ou, pelo menos, minorar sua situação financeira, atraindo novos empreendimentos através de isenções e benefícios fiscais, entre outras medidas. Não apenas isso, mas também com a implantação de um programa de profissionalização da gestão.

Lembro que durante o ano de 2003, no âmbito do CONFAZ, foram exaustivamente discutidas fórmulas para aprovação da reforma tributária, pelo menos no tocante ao ICMS, porém, sem sucesso, dada a já mencionada ausência de vontade política da União em aprovar a reforma. E sem o empenho da União, a reforma, que não saiu nos últimos 10 anos, também não sairá nos próximos.

Então, foi a partir de 2003 que os estados mais se empenharam em melhorar suas finanças através de uma política de incentivo à criação de novas empresas e de busca de novos recursos. E conceder benefícios fiscais através do ICMS — inclusive nas importações — foi uma das alternativas. E por que não? Afinal, está bem claro na Constituição Federal que o Brasil é uma república federativa, e, como tal, os estados desfrutam de ampla autonomia político-administrativa, legislando concorrentemente, inclusive em matéria financeira, e podendo conceder isenções e benefícios fiscais naquele que é um imposto de sua competência.

Nem se diga que os estados não fazem outros esforços para melhorar sua gestão e eficiência. Diversos deles têm implantado programas de gestão a partir de 2003. Posso citar o exemplo de Santa Catarina, que de 2003 em diante procurou evitar ao máximo os aumentos de alíquotas do imposto. Até, pelo contrário, houve inúmeras reduções de alíquotas e o resultado foi um aumento na arrecadação pela diminuição da sonegação e incremento da base de contribuintes, e também pela concessão de benefícios fiscais nas importações. Mas esse benefício não significa que esteja havendo um incentivo a uma importação de bens supérfluos, pois, pelos dados oficiais, quase 90% das importações brasileiras são de produtos intermediários e bens de capital. E a atividade têxtil do estado de Santa Catarina — que é a que mais gera empregos — cresceu, como informa o atual secretário da Fazenda do Estado de Santa Catarina, Nelson Serpa.

Então, relativamente ao Projeto de Resolução 72, do Senado Federal, se este for aprovado, resultará num prejuízo estimado em 1 bilhão de reais para Santa Catarina, e mais ainda para alguns outros estados, como Espírito Santo e Goiás. Mas tudo indica que realmente prevalecerá o bom senso, analisando o Senado, previamente, a constitucionalidade do projeto. Aliás, ele me parece flagrantemente inconstitucional (dentre outras) pelas seguintes razões: primeiro, porque trata de incentivos fiscais — e aí deve ser aprovado por Lei Complementar e não por resolução do Senado; segundo, porque contraria o princípio da anterioridade; e terceiro, porque faz distinção entre bens em função de sua origem — o que contraria o artigo 152 da Constituição. O melhor mesmo é que os estados tenham um prazo apropriado para discutir o assunto em conjunto e, aí, apontar as soluções. Ou, melhor ainda, que se inicie logo a discussão para a aprovação da tão esperada reforma tributária.

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