Adjetivo adequado

Chamar Joaquim Roriz de canastrão não gera indenização

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16 de abril de 2012, 18h42

“Vossa excelência é um fanfarrão”. O título da coluna Entrelinhas, publicada no jornal Correio Braziliense, fazia referência ao fato de o ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC), posar de salvador da pátria em meio à crise da operação Caixa de Pandora. No final de 2009, a operação deflagrou uma crise institucional sem precedentes na capital e fez o então governador José Roberto Arruma (ex-DEM) renunciar ao cargo, já em 2010, em meio a acusações de corrupção que envolviam os poderes Executivo e Legislativo e o Ministério Público no DF.

No texto, o jornalista Daniel Pereira, que assinou a coluna por um período, discorria sobre a propaganda eleitoral do PSC, estrelada por Roriz. “Com pose de estadista a mascarar o semblante de canastrão, ele discorre sobre a crise política na capital do país. Esbanja indignação”, escreveu. De acordo com Pereira, “tão vergonhoso ou escandaloso quanto o momento vivido por Brasília é o fato de Roriz se apresentar como vestal à sociedade”.

A coluna foi publicada em fevereiro de 2010. Joaquim Roriz entrou com ação de indenização por danos morais contra o jornalista com o argumento de que é pessoa de conduta ilibada e que não consta seu nome em inquéritos ou processos que o relacionassem com o escândalo conhecido como Caixa de Pandora. Pediu R$ 500 mil de indenização.

No mês passado, a juíza Magáli Dellape Gomes, da 19ª Vara Cível de Brasília, rejeitou o pedido de indenização. A juíza entendeu que o texto “traz dados objetivos e faz certas observações a partir de uma visão pessoal do jornalista, contudo sem que tenha violado os direitos da personalidade do autor (Joaquim Roriz)”. O jornalista foi representado pelo escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados.

Na coluna, Daniel Pereira lembra que Roriz renunciou ao cargo de senador em 2007 para fugir de um processo de cassação depois que conversas suas combinando a partilha de R$ 2,2 milhões com o ex-presidente do BRB Tarcísio Franklin de Moura foram divulgadas. O jornalista também escreve que Arruda cresceu na política pelas mãos de Roriz, depois de ser seu secretário de Obras e que o ex-governador responde a diversos processos judiciais: “A lista é extensa. Vai da negligência com a grilagem a supostos avanços sobre o erário”.

De acordo com a juíza, documentos juntados com a contestação mostram “quão extensa é tal lista de processos contra o autor, o que ele reconhece na inicial e réplica”. A sentença também afirma que é fato que Arruda cresceu na política graças a Roriz e que dizer que a digital do ex-governador na crise do Distrito Federal é facilmente identificada, como fez Daniel Pereira, “se trata de fato concreto, fundado na opinião do jornalista diante da proximidade do autor com Arruda e Durval, sem qualquer caráter pejorativo ou negativo à imagem” de Joaquim Roriz.

Por fim, a juíza decidiu que não ficou comprovada a ocorrência de abuso do direito por parte do jornalista, “eis que não foram ultrapassados os limites legais e constitucionais no tocante ao direito de informação, sendo certo que a simples veiculação dos fatos efetivamente ocorridos não configura o abuso para efeito de reparação de dano, porquanto a imprensa agiu dentro do seu legítimo direito de informar, sem conteúdo difamatório”. Joaquim Roriz pode recorrer da decisão.

Leia a sentença

Processo: 2010.01.1.024985-8
Ação: REPARACAO DE DANOS
Requerente: JOAQUIM DOMINGOS RORIZ
Requerido: DANIEL GUSTAVO SANTOS PEREIRA

Sentença

Trata-se de Ação de Indenização por Dano Moral proposta por JOAQUIM DOMINGOS RORIZ, em face de DANIEL PEREIRA, ambos qualificados nos autos.

Alega o autor que em 27/02/2010 o requerido publicou na versão impressa do jornal Correio Braziliense sua versão escrita, matéria jornalística intitulada “Vossa Excelência é um fanfarrão”, por meio da qual tenta induzir na mente da população mensagem negativa e caluniosa em desfavor do autor, tentando vincular o autor ao escândalo de corrupção vivenciado no DF.

Afirma que referida citação jornalística é indevida e muito grave, tendo causado danos de ordem moral ao autor, que é pessoa de conduta ilibada e que não consta seu nome em inquéritos ou processos que o relacione com o escândalo conhecido como caixa de pandora.

Requer a condenação em danos morais no valor de R$ 500.000,00 (fls. 02/15 e emenda de fls. 23/36).

Devidamente citado, fl. 41/verso, o réu ofereceu contestação (fls. 47/59) alegando que o nome do autor foi objeto de matéria jornalística na coluna “Nas entrelinhas” do Correio Braziliense em 27/02/2010. Afirma que o autor é pessoa pública conhecida na sociedade, tendo exercido cargo de governador do DF por três vezes, sendo que sua susceptibilidade não pode ser mantida no mesmo nível que uma pessoa mediana, eis que é objeto constante da imprensa. Em resumo, afirma que não extrapolou o seu direito de informar.

Réplica às fls. 94/97.

Instadas à produção de provas, o autor juntou documentos, fls. 103/104 e fls. 116/117, dos quais o autor foi intimado, fls. 113 e 121, transcorrendo os prazos in albis, fls. 119 e 123.

É o relatório. Decido.

Como se depreende do relatório desta sentença, cuida-se de ação indenizatória, sob o rito especial da Lei de Imprensa, pretendendo os autores a reparação por suposto dano moral sofrido em virtude de matéria veiculada no dia 27/02/2010, no jornal Correio Braziliense, noticiando que:

Está no ar uma propaganda do PSC. É estrelada por Joaquim Roriz, quatro vezes governador do Distrito Federal. Com pose de estadista a mascarar o semblante de canastrão, ele discorre sobre a crise política na capital do país. Esbanja indignação. “É tão vergonhoso, é tão escandaloso, meu Deus do céu, como pode chegar nisso aí?” Não há nada de excepcional no desabafo do ex-governador. Declarações parecidas são ouvidas em conversas de botequim, gabinetes ministeriais e nos intervalos das peladas de fim de semana. São uma espécie de senso comum. Passariam despercebidas não fosse um detalhe: tão vergonhoso ou escandaloso quanto o momento vivido por Brasília é o fato de Roriz se apresentar como vestal à sociedade. Como se nada tivesse a ver com o quadro de falência institucional no DF. Coisas de um fanfarrão, diria Capitão Nascimento.
 

Primeiro governador preso em meio a um processo de corrupção e afastado do cargo por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), José Roberto Arruda (ex-DEM) cresceu na política pelas mãos de Roriz. Entre outras funções, foi seu secretário de Obras. Responsável pelas gravações que provocaram a queda de expoentes do Executivo e do Legislativo, Durval Barbosa presidiu a Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central (Codeplan) entre 1999 e 2006, quando Roriz estava à frente do Palácio do Buriti. A digital do ex-governador é facilmente identificada nesta crise. Mais importante: aparece em outras denúncias de desvio de recursos públicos e afronta à legalidade.

A lista é extensa. Vai da negligência com a grilagem a supostos avanços sobre o erário. Em 2007, por exemplo, Roriz renunciou ao mandato de senador para fugir da cassação de mandato e não perder o direito de disputar eleições até 2022. Tomou a decisão depois da divulgação de conversas telefônicas nas quais aparecia negociando a partilha de R$ 2,2 milhões com o ex-presidente do BRB Tarcísio Franklin de Moura.

Com um currículo desses, não seria mais razoável submergir e assistir aos desdobramentos da novela do panetone nos bastidores? Não seria recomendável “trabalhar em silêncio”, como dizem os políticos, do que sair a campo para tripudiar do cidadão brasiliense? Tachado de jeca pela oposição, Roriz não é um grande orador nem dotado de capacidade gerencial para resolver os problemas da população. Mas tem tino para aproveitar as oportunidades.

Com a propaganda eleitoral do PSC, faz uma aposta de alto risco. Ao mesmo tempo em que tira um sarro daqueles que conhecem seu passado, ciente do risco de ser atacado por isso, ocupa o vácuo da política no Distrito Federal. Emerge como opção de salvação da capital. Apresenta-se como solução num momento em que seus adversários tradicionais — PT, PSB e PCdoB — batem cabeça e estão à margem do páreo. E deixa claro para os distritais que está pronto para ser aclamado governador em eventual eleição indireta, dando a cara a tapa em nome da preservação da engrenagem que montaram nos últimos anos.

De quebra, o ex-governador ainda reforça sua condição de favorito na eleição direta prevista para outubro. Avança a passos largos favorecido pelo encolhimento dos adversários. Nessa toada, só será barrado por uma intervenção: federal, da dobradinha Justiça-Polícia Federal ou do próprio eleitor. Não custa torcer para que isso ocorra. Afinal, como bem dito na propaganda, haverá punição aos culpados. “Por um lado, eu fico com uma profunda decepção. Por outro, cheio de esperança que a Justiça cumpra seu dever”, afirma Roriz na televisão. A esperança também é nossa, governador.

Até logo. Depois de dois anos e meio, deixo o Correio — desculpem-me o clichê — em busca de novos desafios. Aos colegas de redação, um abraço pelo companheirismo ao longo da caminhada.

Afirma o autor que a matéria jornalística em questão seria falsa, o que lhe causou máculas. Por outro lado, o réu alega que a matéria jornalística em questão está adstrita ao direito de informação da imprensa, não tendo havido qualquer abuso deste direito ou invenção de fatos, conforme documentos de fls. 60/90.

A matéria posta em julgamento está adstrita à questão de direito, eis que sobre o fato não houve controvérsia, já que os réus confirmam a responsabilidade pela publicação da matéria noticiada na inicial.

Passo a análise, pois, do direito aplicável ao caso concreto.

Prevê a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso X, que são “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

E no artigo 220, a Constituição garante que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, bem como no inciso IV garante que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Para a interpretação de tais preceitos constitucionais, inicialmente contraditórios, é necessária a utilização de instrumentos como a Ponderação de Interesses e o Princípio da Proporcionalidade.

Por um lado, o direito à informação e o direito de informar são imprescindíveis no Estado de Direito Democrático em que se encontra o Brasil, devendo o seu exercício ser realizado dentro de parâmetros adequados e proporcionais, haja vista tratar-se de trabalho de utilidade pública e essencial à democracia.

Tal parâmetro encontra-se fixado no capítulo III da Lei de Imprensa, Lei nº 5.250/67, que cuida especificamente do abuso no exercício da liberdade de pensamento e da informação. Assim dispõe a lei:

“Art. 12. Aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da Liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem”.

O abuso do direito, segundo Sílvio Rodrigues, “ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo e, ao utilizá-lo desconsideradamente, causa dano a outrem. Aquele que exorbita no exercício de seu direito, causando prejuízo a outrem, pratica ato ilícito, e fica obrigado a reparar. Ele não viola os limites objetivos da lei, mas, embora os obedeça, desvia-se dos fins sociais a que esta se destina, do espírito que a norteia” (Da culpa ao risco, São Paulo, 1938, p. 83, apud Gonçalves, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, Saraiva 2005, p. 58).

Assim, a manifestação do pensamento somente terá o condão de gerar abuso do direito se ofender a dignidade da pessoa humana, a sua imagem e intimidade, passíveis de ensejar a responsabilidade civil. O caso em julgamento cinge-se em saber se causou abuso de direito a matéria jornalística publicada pelo réu.

Com efeito, não há que se falar em abuso de direito quanto à reportagem objeto da demanda, haja vista que foi apenas o relato da situação política do Distrito Federal nos idos de 2010, fundada em provas documentais acostadas às fls. 60/96. Para tanto, passo à análise dos trechos da notícia veiculada.

“O semblante de canastrão”, trata-se de opinião pessoal do autor, que não tem o condão de ferir os direitos de personalidade do autor.

“Tão vergonhoso ou escandaloso quanto o momento vivido por Brasília é o fato de Roriz se apresentar como vestal à sociedade” é a conclusão a que se quer chegar com o texto, sem que isso reflita qualquer depreciação à imagem do autor.

“José Roberto Arruda (ex-DEM) cresceu na política pelas mãos de Roriz. Entre outras funções, foi seu secretário de Obras”, trata-se de afirmação verdadeira e auto-explicativa, devidamente reconhecida pelo autor em sua inicial.

“A digital do ex-governador é facilmente identificada nesta crise”, se trata de fato concreto, fundado na opinião do jornalista diante da proximidade do autor com Arruda e Durval, sem qualquer caráter pejorativo ou negativo à imagem do autor.

“A lista é extensa. Vai da negligência com a grilagem a supostos avanços sobre o erário”, conforme documentos juntados com a contestação, é possível verificar quão extensa é tal lista de processos contra o autor, o que ele reconhece na inicial e réplica.

“Tomou a decisão depois da divulgação de conversas telefônicas nas quais aparecia negociando a partilha de R$ 2,2 milhões com o ex-presidente do BRB Tarcísio Franklin de Moura”, trata-se de fato notório e real noticiado na mídia do Brasil, sendo natural a conclusão do repórter a partir da sequência dos fatos, mais uma vez, sem qualquer caráter de ultrajar a imagem do autor.

“Tachado de jeca pela oposição, Roriz não é um grande orador nem dotado de capacidade gerencial para resolver os problemas da população”; “Ao mesmo tempo em que tira um sarro daqueles que conhecem seu passado”; e “Não custa torcer para que isso ocorra. A esperança também é nossa, governador”, também se referem à opinião pessoal do réu, que é apresentada sem que haja qualquer violação aos direitos de personalidade do autor, porquanto se trata de figura pública que é naturalmente objeto de reportagens nem sempre favoráveis à sua atuação.

Enfim, o que se pode concluir da reportagem objeto da demanda é que traz dados objetivos e faz certas observações a partir de uma visão pessoal do jornalista, contudo sem que tenha violado os direitos da personalidade do autor.

Destarte, não ficou comprovada a ocorrência de abuso do direito, eis que não foram ultrapassados os limites legais e constitucionais no tocante ao direito de informação, sendo certo que a simples veiculação dos fatos efetivamente ocorridos não configura o abuso para efeito de reparação de dano, porquanto a imprensa agiu dentro do seu legítimo direito de informar, sem conteúdo difamatório dirigido aos autores. O direito constitucional de imprensa foi exercido, pois, com responsabilidade, não havendo que se falar em ato ilícito. Desta forma a improcedência do pedido indenizatório é medida que se impõe.

Diante do exposto, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO deduzido na inicial.

Em face de sucumbência condeno o autor no pagamento das custas finais e ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), consoante o art. 20, §4º do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília, DF – 16/03/2012.
Magáli Dellape Gomes
Juíza de Direito Substituta

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