Investidura do cargo

OAB-RS julgará deputado acusado de ferir a ética

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10 de abril de 2012, 10h22

A OAB gaúcha tem de seis a oito meses para tirar uma dúvida ética que ronda o mundo jurídico local nos últimos 30 dias: Um deputado pode exercer plenamente a advocacia na investidura do cargo público? A questão seria simples demais para esperar tanto tempo por uma resposta, não fosse outro ingrediente adicionado à história: E se o deputado em questão votou contra o interesse dos trabalhadores em plenário e, do outro lado do balcão, seu escritório convocou-os, por carta, a buscar na Justiça os direitos que lhes foram negados na via política?

O dilema ético-moral está sendo protagonizado pelo deputado estadual Alexandre Lindenmeyer (PT), que criou todo este enredo, no final de março, ao votar com seu partido o valor do piso salarial do magistério. Com o seu voto, os professores gaúchos receberão um piso de R$ 1.280 em 2014, valor abaixo do atual piso nacional da categoria, de R$ 1.451. Detalhe: a promessa de pagar o piso nacional foi do próprio governador Tarso Genro, ex-ministro da Educação do primeiro governo Lula.

Depois da votação que frustrou as lideranças do magistério, o escritório Lindenmayer Advocacia & Associados, sediado em Rio Grande, na Metade Sul do estado, mandou uma carta a 200 professores. O seu teor: ‘‘O desrespeito à lei do piso nacional dá o direito de ingressar na Justiça para buscar os valores que lhe são devidos e não são pagos’’. O escritório anunciou que já vinha ajuizando ações nesse sentido.

A defesa
Procurado pela ConJur, o deputado esclareceu que não votou contra a instituição do piso nacional do magistério, pois o projeto de lei votado na Assembleia — nº 15/2012 — versava sobre incorporação de parcela autônoma e reajuste salarial. Logo, destacou, não estava em discussão o pagamento do piso, mas sim o reajuste de 23,5% na remuneração dos servidores do magistério estadual — o qual foi aprovado sem qualquer voto contrário.

‘‘Todos conhecemos como devido o piso nacional do magistério, ressaltando que o governo faz uma opção de criar as condições para o seu pagamento sem alterar o Plano de Carreira — diferente dos demais estados. O desafio assumido é o de pagar o piso com a brevidade possível, preservando o Plano de Carreira e não afrontando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)’’, disse o parlamentar.

Como advogado, afirmou que não incentivou os professores a buscar o piso na Justiça, uma vez que se encontra impedido de exercer advocacia contra o estado. Garantiu não ter participado de nenhuma reunião do escritório da qual faz parte, há 26 anos, que tenha determinado o envio da correspondência com tal teor àquele grupo de professores.

‘‘Posteriormente, tomei ciência de que haviam sido emitidas 204 correspondências com caráter informativo para professores cadastrados no escritório. Portanto, não houve captação de clientes; apenas, informação para quem já estava cadastrado. Sou contra a captação de clientes através desse expediente’’, garantiu o parlamentar petista.

Dilema ético
No âmbito político, até agora, a única ameaça a Lindenmeyer vem da iniciativa do ex-deputado estadual Mário Bernd, que pediu a seu partido, o PPS, que ingresse com um requerimento na Comissão de Ética. Em manifestação à imprensa, Bernd diz que o petista quebrou o decoro parlamentar: “Votar contra o piso e, depois, tentar auferir lucro de uma ação judicial, requerendo a implantação do piso, é inadmissível”, concluiu.

Alexandre Lindenmeyer, entretanto, se diz tranquilo, ressaltando que estará à disposição da Comissão de Ética da Assembleia — no qual tem assento com membro titular —, para os esclarecimentos que se fizerem necessários. A Comissão é formada por 13 parlamentares da base aliada, contra 10 da oposição.

A tranquilidade se estende ao ethos corporativo. ‘‘Eu não advogo e não recebo créditos decorrentes de possíveis ações propostas. Hoje, estou no exercício do mandato público. Por certo, mais adiante, estarei no escritório, exercendo a advocacia em sua plenitude. Não vejo que, para exercer o mandato legislativo, tenha que abdicar da minha condição de sócio para, amanhã ou depois, ter que recomeçar a advocacia que iniciei em 1986 e que consolidou um escritório que julgo de grande credibilidade na região Sul.’’

A dupla investidura do petista, com seus desdobramentos éticos, desembocou numa denúncia formal, que chegou à OAB no dia 28 de março. O próprio presidente da Ordem, Cláudio Lamachia, de ofício, encaminhou-a para o Conselho de Ética. O procedimento irá apurar se houve infração, ou não, à ética profissional. Lindenmeyer informou que irá apresentar documentos e argumentos para demonstrar que não praticou nenhum ato atentatório contra a dignidade da advocacia.

Faxina ética
Para Cláudio Lamachia, que está em seu segundo mandato, a OAB tem sido intransigente com questão ética. Para defender este princípio e respeitar a sociedade e os direitos do cidadão, a entidade tem cortado na própria carne. Nos últimos 12 meses, suspendeu as atividades de 2 mil advogados e excluiu de seus quadros 19 profissionais. Hoje, a seccional tem 84 mil advogados inscritos, dos quais 55 mil ativos.

Para fazer esta faxina ética, a gestão Cláudio Lamachia, a partir de 2007, começou a quebrar paradigmas. ‘‘Passamos a publicar nos principais jornais os atos de punição a profissionais que incorreram em infrações éticas. O Conselho do Pleno da OAB autorizou.’’

Por uma questão de sigilo, Lamachia não pode opinar sobre o caso do deputado Lindenmeyer. Só vai se manifestar depois que a denúncia seguir o devido processo legal, com amplo direito de defesa do denunciado. Este processo deve demorar entre seis a oito meses.

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