Argumento órfão

Julgamento do Obamacare pode se adiado até 2015

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6 de abril de 2012, 7h46

Uma lei de 1867 poderia manter a Suprema Corte dos Estados Unidos longe do caso sobre a constitucionalidade do chamado Obamacare, novo sistema de saúde do país, não fosse o fato de que nenhuma das partes do litígio estava disposta a sair em sua defesa. A argumentação sobre a procedência da lei no Plenário da Suprema Corte, na semana passada, foi uma mera formalidade, mas como o advogado que a sustentou se saiu de forma brilhante, muitos comentaristas da TV americana se apressaram em avaliar que havia uma chance de a corte consentir em adiar o julgamento histórico.

Mais de uma semana depois da realização das sessões de argumentação oral na Suprema Corte sobre a reforma do sistema público de saúde do país, os norte-americanos ainda especulam sobre como irão decidir os juízes do alto tribunal. Bem ao modo da mídia do país, comentaristas e analistas disputaram espaço em mesas redondas e programas jornalísticos tentando antecipar a sorte do futuro da saúde pública americana.

Naquele momento, contudo, a atenção era toda dos advogados que atacaram ou defenderam a nova lei da saúde diante do Plenário da corte. Dois deles, Paul Clement e Donald Verrilli Jr., este último atual procurador-geral dos EUA, eram antes conhecidos apenas no meio jurídico, mas tiveram, depois da semana passada, sua reputação projetada junto à opinião pública.

Outro dos pesos-pesados que tomou parte no litígio histórico foi Robert Long, sócio da banca Covington & Burling. Long não é tão conhecido quanto os outros dois, mas, no julgamento do Obamacare, o advogado cuidou do aspecto da discussão jurídica, digamos, mais "peculiar" do julgamento: se uma lei de 1867 deveria interromper a discussão sobre a reforma do sistema de saúde.

Em um país onde a Constituição tem mais de 200 anos, assim como algumas de suas mais conhecidas — e vagas — leis, era de se esperar que uma lei ancestral, além, claro, do conjunto de disposições presentes na própria Constituição, fosse complicar ainda mais a já espinhosa discussão.

Robert Long foi convocado pela Suprema Corte norte-americana para se pronunciar sobre a ideia de que nem mesmo o próprio alto tribunal teria autoridade para decidir sobre a Lei da Saúde Acessível (Affordable Care Act) do governo Obama. Ou melhor, a lei estaria fora da jurisdição da Suprema Corte até que entre em plena vigência.

Coube a Long convencer os juízes de que a Lei Anti-Embargo (Anti-Injunction Act), de 1867, também se aplica ao caso do Obamacare. A lei proíbe contestações judiciais sobre impostos que ainda não foram pagos. Como uma das saídas dos opositores da nova lei da saúde foi questionar aspectos sobre a nova carga tributária que subsidiará o Obamacare, logo foi posto que a Lei Anti-Embargo barraria qualquer discussão judicial sobre os impostos referentes à implantação da nova lei.

Contudo, o que era apenas um forma de frear uma avalanche de contestações sobre os tributos arrecadados para o patrocínio da nova lei da saúde acabou levantando a tese jurídica de que qualquer contestação judicial sobre a lei poderia ser barrada até sua aplicação. Uma vez que tanto os impostos quanto as multas fiscais previstas para aqueles que se recusarem a adotar a cobertura de um plano de saúde — público ou privado — não serão pagos até 2015, antes disso, não há como avaliar a lei no conjunto da obra.

O que parecia vago e improvável ganhou relevância jurídica até o ponto de a Suprema Corte ter de chamar um advogado para defender a tal ideia. Caso fique entendido que a Lei Anti-Embargo também se aplique ao caso do Obamacare, nem mesmo a Suprema Corte poderá entrar no mérito de sua constitucionalidade até sua implantação. Só a partir do devido recolhimento de impostos para seu subsídio e da aplicação de multas fiscais para aqueles que a desrespeitarem.

No entanto quase ninguém acredita que uma lei de 1867 possa adiar o julgamento mais importante da Suprema Corte desde Gore x Bush, em 2000. Nem o próprio Robert Long. Em palestra realizada no início desta semana no Centro de Justiça da Georgetown University, em Washington D.C., Long disse que aparentemente nenhum dos juízes da Suprema Corte parecia convencido de que a Lei Anti-Embargo pudesse manter a Corte longe da ação até 2015.

Até mesmo a administração Obama havia desistido de insisitir neste argumento. Long estava lá apenas por uma tradição legal nos EUA: a dos argumentos órfãos (orphan arguments), quando o juiz é obrigado a nomear um advogado para se ocupar da defesa de uma posição jurídica que nenhuma das partes está disposta a apoiar.

Como Long fez uma defesa brilhante, elogiada até mesmo pelo discreto presidente da Suprema Corte, John Roberts Jr., comentaristas da TV americana avaliaram que um novo obstáculo surgira no caminho dos opositores da nova lei. Porém, o próprio Robert Long foi o primeiro a desmerecer, fora do Plenário, que a decisão do tribunal, seja qual for, seja adiada até 2015.

Questionado sobre a expectativa do fracasso de sua argumentação, Long disse à imprensa dos EUA que “não havia cliente para dar a má notícia”.

“Não tenho cliente neste caso, não tenho a quem dar a má notícia”, brincou Long. “A função ali era apenas iluminar todos os lados juridicamente válidos da questão”, explicou.

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