Segunda leitura

O desafio dos bens apreendidos nas ações penais

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  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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23 de outubro de 2011, 10h13

Spacca" data-GUID="coluna-vladimir.png">Nos dias 3 e 7 de dezembro de 1940 eram promulgados os novos Códigos de Processo Penal e Penal do Brasil. Francisco Campos, então Ministro da Justiça, apresentava os novos diplomas legais e agradecia aos que colaboraram na elaboração, entre eles Nelson Hungria e Roberto Lyra. O mundo estava envolvido na 2ª Grande Guerra Mundial e os alemães dominavam boa parte da Europa, sucumbindo a França em 22 de junho.

Dando asas à imaginação, é possível pensar como eram e agiam os juízes da época. Ganhavam modestamente, tinham grande prestígio social, talvez tivessem um carro usado, vestiam trajes formais, óleo de babosa nos cabelos e, nos momentos de lazer, deveriam dançar ao som das músicas de Cole Porter, com respeitáveis donzelas, no tradicional “um pra cá, dois pra lá”, quem sabe, até, “de rosto colado”.

Estes juízes, que administravam a Justiça para uma população de apenas 41 milhões de brasileiros, cuja maioria vivia na zona rural, para dar destino aos bens apreendidos nas ações penais utilizavam os artigos. 91, II, do CP e 118 a 124 do CPP.

Estamos em 2011, o Brasil tem quase 200 milhões de habitantes, um celular e meio por pessoa, milhões de carros nas ruas, jovens que saem para as baladas no horário em que se voltava, ninguém dança junto e quando se cola alguma parte do corpo, certamente não é o rosto.

E os juízes atuais (agora juízas também), que ganham bem melhor que os seus antecessores, possuem carros modernos que só faltam andar de lado e vivem como os jovens de sua geração, utilizam exatamente os mesmos artigos 91, II, do CP e 118 a 124 do CPP.

Eduardo Espínola Filho, no seu “Código de Processo Penal Brasileiro”, Ed. Borsoi, cuja primeira edição é de 1942, ensinava, solenemente, que: “É de se acentuar, outrossim, os objetos apreendidos se conservam nesse estado enquanto interessam à instrução da causa, pelo que, decidida por sentença definitiva, transitada em julgado, devem ter o destino competente” (5ª. ed., 1959, v. 2, p. 5).

Setenta anos depois, tudo é diferente. As pessoas, o Brasil, o mundo e os juízes. Só não mudou o destino a ser dado aos bens apreendidos. E esses, que em 1941 não passavam de espingardas, facas, revólveres e isto ou aquilo furtado de uma vítima desatenta, passaram a ser muitos e diversos.

O resultado é que não há mais lugar para tantos e tão variados bens. São milhares de automóveis apodrecendo nos pátios de Delegacias de Polícia, contribuindo para o aumento da dengue, armas em precários armários de Fóruns do interior, enormes redes de pesca, aviões usados para o tráfico de entorpecentes, caça-níqueis usados em cassinos clandestinos, máquinas de emissão de notas falsas, medicamentos contrabandeados e outros tantos.

Qual o tratamento que se dá a esses bens?

Continuam recebendo o mesmo tratamento jurídico de 1941, ou seja, aguarda-se o trânsito em julgado da ação penal, como recomendava Espínola Filho em 1942.

É óbvio que isto trouxe uma situação caótica às comarcas de porte médio ou grande. Falta de lugar, furto de bens apreendidos, deterioração, pagamento de aluguel para recebê-los, prejuízo aos proprietários, porque após anos de espera do trânsito em julgado o valor é menor, enfim, problemas para todos. Isto sem falar nos infelizes depositários, que muitas vezes têm que cuidar de algo que lhes foge do controle, como um elefante que sofre maus tratos em um circo.

Mas, por que não se dá solução a este tipo de situação?

A resposta é simples: a) o CPP e o CP continuam os mesmos e a tendência é cumpri-los da mesma maneira, esquecendo-se da interpretação histórico-evolutiva; b) os bens apreendidos não estão sob a vista direta do juiz e isso torna o problema distante, física e mentalmente; c) na aplicação da lei, os juízes colocam o interesse individual do réu acima do interesse público, invocando princípios constitucionais.

Para evitar a posição contemplativa de aguardar o trânsito em julgado, cômoda, já que não se assume qualquer risco, o CNJ, através da Corregedoria Nacional de Justiça, editou o “Manual de bens apreendidos”, dando-lhe publicidade (http://www.cnj.jus.br/images/corregedoria/MANUAL_DE_GESTO_DOS_BENS_APREENDIDOS_cd.pdf).

Podem, agora, os operadores do Direito, saber como proceder em casos de bens de pequeno valor, em situações de vítima não localizada, quais entidades para doar, que destino dar a equipamentos de radiodifusão, como promover arresto ou sequestro, enfim, toda a série de dúvidas e incidentes que surgem na rotina forense.

Não se trata de pomposa criação doutrinária, mas sim de soluções diretas e objetivas, com citações de normas legais ou regulamentares acompanhadas de modelos tirados da Justiça Federal e Estadual para os casos concretos. Algumas hipóteses merecem referência especial. Vejamos.

No caso de tráfico de drogas, desde a Lei 11.073/06 o juiz está autorizado a proceder à entrega de bens apreendidos para uso da polícia judiciária ou outra repartição pública ou a promover a alienação, promovendo o depósito em conta judicial dando destino após o trânsito em julgado da sentença (artigos 62 e 63).

Nos crimes ambientais (Lei 9.605/98), o juiz pode encaminhar os produtos e instrumentos, inclusive promover a venda destes últimos (art. 25). Neste sentido, oportuna a decisão do TJ de Rondônia, na ap. Criminal 100.501.2004.006687-3, Câmara Criminal, Rel. Des. Zelite Carneiro, j. 4.5.2006.

Nos delitos de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98), o ônus da prova de licitude dos bens é do réu (artigo 3º, parágrafo 2º), daí porque não tem sentido nomear o acusado como depositário, mas sim proceder-se à alienação.

Finalmente, para os delitos de rotina, que são a grande maioria (v.g., bens furtados de vítima desconhecida), a Recomendação 30/2010 do CNJ é clara ao estimular a alienação antecipada, inclusive em leilão unificado. E isto já vem sendo feito por muitos juízes e com vantagem para todos, inclusive para o acusado. Imagine-se um veículo apreendido que aguarda, por 5 ou mais anos, o desfecho da ação penal. Se absolvido o imputado, receberá algo deteriorado e desvalorizado. Se vendido antecipadamente o bem, a devolução far-se-á em dinheiro, corrigido monetariamente.

Em suma, exposto o problema e apontada a solução, agora é dar destino, alienar antecipadamente, os bens apreendidos, inclusive valendo-se de leilão eletrônico. Não há o que esperar. Evidentemente, obedecido o contraditório e o princípio da publicidade. Adeus 1941.

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