Jogo perdido

Valor da condenação pode ser maior que o pleiteado

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16 de junho de 2011, 16h10

O valor da indenização pleiteado pelo autor do processo é meramente estimativo e, portanto, não se configura julgamento ultra petita a condenação em valor superior. Citando este entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o juiz José Paulo Camargo Magano, da 17ª Vara Civil de São Paulo, rejeitou Embargos de Declaração apresentados pela CBF e pela Federação Paulista de Futebol contra a sentença que os condenou ao pagamento de indenização milionária por danos morais coletivos.

Em fevereiro deste ano, o juiz condenou a CBF, o ex-árbitro de futebol Edílson Pereira de Carvalho e o empresário Nagib Fayad a pagarem R$ 160 milhões, solidariamente, por acusação de integrar o esquema de manipulação do resultado de 11 partidas do Campeonato Brasileiro de 2005, no escândalo que ficou conhecido como máfia do apito.

Pelos mesmos motivos, os árbitros Edílson Carvalho e Paulo José Danelon, o empresário Nagib Fayad e a Federação Paulista de Futebol foram condenados a pagar R$ 20 milhões. A ação foi proposta pelo Ministério Público de São Paulo.

Carvalho confessou ter recebido entre R$ 10 mil e R$ 15 mil por partida de um grupo de empresários de São Paulo e Piracicaba para fraudar resultados e favorecer apostas nos sites de loteria esportiva da internet. Após a descoberta do esquema, as 11 partidas do Campeonato Brasileiro apitadas por ele foram anuladas. Carvalho e Danelon foram expulsos do futebol.

Além do valor da indenização, os embargantes questionaram a competência da Justiça Estadual para analisar o caso, já que outro processo sobre os mesmos fatos tramita na 30ª Vara Federal do Rio de Janeiro. A condenação dupla de alguns dos réus na ação e a falta de nexo de causalidade entre a suposta conduta dos árbitros e de Nagib Fayad e o dano relativo ao Campeonato Paulista de 2005, uma vez que os resultados das partidas foram descartados, também foram levantadas nos embargos.

Na decisão, o juiz da 17ª Vara Civil de São Paulo afirma que em nenhum momento do processo a competência da Justiça Estadual para julgar a ação foi questionada. “O que faz a CBF, ao suscitar em sede de Embargos de Declaração matéria não arguida em momento processual adequado, é inovar, tumultuar o processo”, escreveu.

Em relação à alegação de bis in idem, o juiz simplesmente afirmou que manteve “a sentença congruente com os pedidos deduzidos na petição inicial”. Quanto à falta de nexo de causalidade entre a suposta conduta dos árbitros e de Nagib Fayad e a inexistente fraude ou qualquer dano relativos ao Campeonato Paulista de 2005, o juiz acredita que o assunto foi tratado de maneira suficiente na sentença, mas que nada impede o questionamento por meio de Apelação.

Leia abaixo a decisão na íntegra:

Fóruns Centrais Fórum João Mendes Júnior 17ª Vara Cível

583.00.2006.145102-5/000000-000 – nº ordem 641/2006 – Ação Civil Pública – MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO X CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL E OUTROS – Fls. 2111 – Vistos. Fls. 2.066/2.071: Trata-se de embargos de declaração opostos pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) da sentença de fls. 2.032/2.056, salientando que, sendo o dano causado de âmbito nacional, a competência para conhecer e julgar a demanda é da justiça federal, preventa a 30ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, onde está a recorrente sendo demandada, pelos mesmos fatos, mas pela mão do MPF, incompatibilidade entre o deferimento de danos patrimoniais a torcedores, desde que comprovados individualmente, e o acolhimento do pedido de danos morais difusos, cujo valor condenatório fixado foi absurdo e caracterizou- se como ultra petitum, e, por fim, dúvida tocante ao modo de cumprimento da obrigação de publicar a sentença em jornais de grande circulação. Fls. 2.073/2.083:

Trata-se de embargos de declaração opostos pela Federação Paulista de Futebol (FPF) da sentença de fls. 2.0322.056, alegando desrespeito ao princípio da adstrição, pois o valor fixado a título de danos morais foi muito superior ao pleiteado na petição inicial, bis in idem tocante a referidos danos, falta de nexo de causalidade entre a suposta conduta dos árbitros e de Nagib Fayad e a inexistente fraude ou qualquer dano relativos ao Campeonato Paulista de 2005. É o relatório.

DECIDO. Relendo a contestação de fls. 641/664, não se infere, em qualquer momento, ter CBF suscitado a incompetência absoluta da justiça comum estadual para conhecer e julgar a demanda. O que faz a CBF, ao suscitar em sede de embargos de declaração matéria não argüida em momento processual adequado, é inovar, tumultuar o processo. Nesse tópico, portanto, os embargos de declaração são absolutamente inadequados, pois a sentença, obviamente, não tratou da questão da incompetência absoluta (aliás, não é questão que embargante suscitou no recurso oposto em órgão jurisdicional de sobreposição).

A outra questão suscitada diz respeito à alegação de que a sentença arbitrou condenação (em danos morais difusos) em valor superior ao pleiteado na petição inicial. Como se trata de questão igualmente suscitada pela FPF nos embargos declaração (fls. 2.073/2.083), seu exame será feito em tópico único da presente decisão. Com efeito. A indenização por danos morais é arbitrada no momento da publicação da sentença, vale dizer, somente em tal momento é que se estabelece a liquidez, além da própria certeza, da obrigação. E a parte dispositiva da sentença traduz exatamente isso. Também é no momento da sentença que se faz o arbitramento dos danos morais difusos, aferindo-se a condição social e econômica dos envolvidos e demais aspectos observados para a fixação de valor. No contexto, carece de razoabilidade imaginar arbitrar um valor sugerido (em relação a danos morais, está sedimentado entendimento que a parte faz alvitre de valor a que o magistrado não está adstrito) em 26 de abril de 2006 (data da petição inicial, fls. 41, com menção a que se dá o valor por questão de alçada) em 14 de fevereiro de 2011 (data da publicação da sentença).

As embargantes falam em desrespeito ao princípio da adstrição, o que, como salientado, inocorreu. Mas é possível falar no princípio da adstrição. O STJ, em acórdão da lavra do Min. Luiz Fux, tratou de questão semelhante (embora em sede de desapropriação), entendendo ser meramente estimativo valor pleiteado, não configurando julgamento ultra petita condenação em montante superior (REsp 875.256/GO, 1ª Turma, j. 16.10.2008). A doutrina não discrepa disso, revelando José Roberto dos Santos Bedaque que o que importa é a preservação do contraditório, e que os fatos tenham sido discutidos (Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório, em obra coletiva coordenada pelo ilustre jurista e magistrado de referência, em conjunto com José Rogério Cruz e Tucci, pp 13/52, ed. RT). Os fatos postos na petição inicial foram discutidos, respeitou-se o contraditório. A alegação de julgamento ultra petita não tem o menor fundamento.

A questão dos danos morais difusos, assim, foi abordada na sentença, devendo outro tipo de discordância ser objeto de apelação (Sem prejuízo, consulte-se, com proveito, Dano Ambiental, Do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática, 3ª ed. RT, em que o autor, José Rubens Morato Leite faz amplo estudo do tema). O último argumento dos embargos de declaração da CBF prende-se à fase, por assim dizer, de cumprimento de sentença, suficiente, portanto, o acolhimento do pedido na parte dispositiva, estabelecendo a obrigação de publicação em jornal de grande circulação. Com relação aos embargos de declaração opostos pela FPF, não houve bis in idem, mantendo-se a sentença congruente com os pedidos deduzidos na petição inicial. Por fim, o outro ponto destacado nos embargos de declaração da FPF (falta de nexo de causalidade entre a suposta conduta dos árbitros e de Nagib Fayad e a inexistente fraude ou qualquer dano relativos ao Campeonato Paulista de 2005), foi tratado de maneira suficiente na sentença, sem qualquer vício, a remeter a embargante a discussão a apelação. Conheço e rejeito os embargos de declaração. As apelações de Nagib Fayad (que faz requerimento de gratuidade processual) e de Paulo José Danelon (fls. 2.090/2.100 e 2.102/2.110) ficam, por força do julgamento dos embargos de declaração, suscetíveis de ratificação ou retificação, oportunamente. Ciência da manifestação do Ministério Público (fls. 2.084/2.088). Int. – ADV CARLOS EUGENIO LOPES OAB/SP 131335 – ADV ILDA HELENA DUARTE RODRIGUES OAB/SP 70148 – ADV EDUARDO SILVEIRA MELO RODRIGUES OAB/SP 48931 – ADV CARLOS MIGUEL CASTEX AIDAR OAB/SP 22838

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