Tramitação direta de inquérito viola processo legal
2 de abril de 2011, 5h01
Ao editar o Provimento 63/2009, que possibilita que o inquérito policial tramite diretamente entre a Polícia e o Ministério Público, sem a necessidade da atuação do Poder Judiciário competente, o Conselho Nacional de Justiça tinha a intenção de agilizar o rito processual. Mas, na prática, isso não acontece. Pelo contrário, a medida pode gerar descontroles e abusos, com claros prejuízos ao jurisdicionado.
O Provimento priva o cidadão do controle jurisdicional ao qual tem direito, caso seja alvo de investigação policial. Em São Paulo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu rejeitar a proposta que previa a tramitação direta dos inquéritos policiais entre a Polícia Civil e o Ministério Público, sem o devido acompanhamento da Justiça. Os desembargadores determinaram ainda que as comarcas do interior que tivessem adotado a prática revertessem o ato. Mas a Justiça Federal continua aplicando o Provimento no estado de São Paulo, inclusive criando portarias nesse sentido no âmbito de suas varas criminais.
Ao estabelecer o trânsito direto dos inquéritos policiais entre a Polícia Federal e a Procuradoria da República, o Provimento, reprisado nessas portarias, resguarda como exceções casos nos quais ocorram pedidos de medidas cautelares, ordens de prisão, interceptação telefônica e mandados de busca e apreensão. Mesmo com essas ressalvas, não se pode admitir tal procedimento.
A norma afronta a Constituição Federal e o Código de Processo Penal, inclusive no que estabelece que cabe também aos magistrados determinar diligências para apuração de delitos, cabendo ao juiz poder de dilatar o prazo de uma investigação policia, que é atribuição constitucional e exclusiva da Polícia Judiciária, cabendo ao Ministério Público acompanhar e requisitar novas diligências, se for o caso.
Suprimir o controle jurisdicional sobre a fase da investigação policial compromete garantias individuais, pois fica a cargo exclusivo do Ministério Público ditar e fiscalizar o andamento do inquérito, sendo que o MP é parte da dialética processual penal. Compromete-se, dessa forma a imparcialidade exigida nas investigações, por ser prenúncio de um modelo que deixa o cidadão ao desabrigo da tutela jurisdicional.
Fica patente que a tramitação do inquérito precisa do controle da Justiça e, na falta desse, pode ocorrer abusos e descontrole. Na vigência da Resolução 63, observamos que alguns inquéritos policias estão sofrendo um bis in idem, a comprometer o instrumento do devido processo legal, princípio fundamental sobre o qual se estruturam todos os demais princípios processuais constitucionais, que asseguram a todos os cidadãos proteção contra qualquer medida opressiva ou arbitrária do Estado.
Além de confrontar o direito do cidadão, o Provimento 63 viola as prerrogativas profissionais dos advogados ao dificultar o acesso aos autos, comprometendo a ampla defesa. Sem contato com o inquérito, o juiz não pode franquear vista dos autos para a defesa, passando indiretamente essa atribuição para o MP, o que é inaceitável porque o parquet tem atuação como parte, e a legislação veda que ele presida as investigações.
O Conselho Federal da OAB oficiou o CNJ contestando a Resolução 63 e pedindo providências para a revogação da norma para que seja restabelecido o dever dos magistrados de prestarem a tutela jurisdicional ao cidadão investigado. Também a Associação dos Delegados de Polícia Federal ajuizou Ação Direita de Inconstitucionalidade no STF na tentativa de derrubar a norma do CNJ. A OAB-SP vem impetrando mandados de segurança contra varas federais que reeditem a Resolução 63 por meio de Portarias.
Embora a iniciativa do CNJ possa ter sido bem intencionada, é necessário fazer cessar imediatamente os efeitos da Resolução 63 pelos danos ao devido processo legal, bem como ao próprio cidadão que se vê episodicamente investigado. Somente com a volta do controle jurisdicional sobre os inquéritos policiais, a cidadania estará devidamente protegida e as garantias constitucionais asseguradas.
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