Lei Seca

A independência de jurisdição na aplicação da pena

Autor

  • Ravênia Márcia de Oliveira Leite

    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

2 de novembro de 2010, 7h00

A Lei 11.705/2008, denominada popularmente de Lei Seca, estabelece a infração administrativa de dirigir embriagado no artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro que diz o seguinte: "Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência". Por outro lado, a dita lei, no artigo 306 do mesmo Código, prevê o crime de embriaguez na direção de veículo automotor.

Logo, verifica se que a lei estabeleceu infração administrativa e responsabilidade criminal em instâncias diversas, razão pela qual, os efeitos gerados pelos dispositivos são diferenciados. A absolvição na esfera criminal pode gerar efeitos na esfera cível e criminal, conforme nos ensina a doutrina majoritária encabeçada pelo ilustre e saudoso professor Hely Lopes Meirelles.

De fato a possibilidade existe, no entanto, há que se mencionar que, para sua produção real de efeitos, o julgador deve reconhecer a não ocorrência do fato ou negativa de autoria ou, ainda, o juiz de Direito deve mencionar, especificamente, na sentença, os efeitos não automáticos que a mesma irá produzir nos termos dos artigos 91 e 92 do Código Penal Brasileiro.

Os ensinamentos de José de Aguiar Dias, em comentários ao disposto no artigo 1.525 do Código Civil de 1916, correspondente ao atual 935 do Código Civil Brasileiro vigente, atestam:

Não cremos existir mais clara interpretação do artigo 1.525 do Código Civil, reduzida por Mendes Pimentel a esta fórmula: "o injusto criminal nem sempre coincide em seus elementos com o injusto cível; quando, reconhecidos, na instância penal, o fato e a autoria, ainda assim for o acusado declarado não delinquente, por faltar ao seu ato alguma das circunstâncias que o qualificam criminalmente (por não estar completo o subjektiv tatbestand, como dizem os alemães) o julgado criminal não condiciona o civil, para o fim de excluir a indenização, porque não são idênticos num e noutro direito os princípios determinantes da responsabilidade; no crime a responsabilidade por culpa é exceção, e no cível é a regra.

A posição jurisprudencial firmada pelo Superior Tribunal de Justiça segue o entendimento consagrado de que a jurisdição é independente. Senão vejamos:

RMS 18688 / RJ; RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2004/0106448-7-ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL – PRECEDENTES – INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL – PRESCINDIBILIDADE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA – RECURSO DESPROVIDO. I – Consoante entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, havendo regular apuração criminal, deve ser aplicada a legislação penal para o cômputo da prescrição no processo administrativo. Precedentes. II – A sanção administrativa é aplicada para salvaguardar os interesses exclusivamente funcionais da Administração Pública, enquanto a sanção criminal destina-se à proteção da coletividade. Consoante entendimento desta Corte, a independência entre as instâncias penal, civil e administrativa, consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração impor punição disciplinar ao servidor faltoso à revelia de anterior julgamento no âmbito criminal, ou em sede de ação civil, mesmo que a conduta imputada configure crime em tese. Ademais, a sentença penal somente produz efeitos na seara administrativa, caso o provimento reconheça a não ocorrência do fato ou a negativa da autoria. III – Recurso conhecido e desprovido.

O Código de Trânsito Brasileiro estabelece o seguinte, in verbis:

Artigo 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:
(…)
II – realizar, fiscalizar e controlar o processo de formação, aperfeiçoamento, reciclagem e suspensão de condutores, expedir e cassar Licença de Aprendizagem, Permissão para Dirigir e Carteira Nacional de Habilitação, mediante delegação do órgão federal competente;
(…)
Artigo 261. A penalidade de suspensão do direito de dirigir será aplicada, nos casos previstos neste Código, pelo prazo mínimo de um mês até o máximo de um ano e, no caso de reincidência no período de doze meses. pelo prazo mínimo de seis meses até o máximo de dois anos, segundo critérios estabelecidos pelo Contran.
Artigo 265. As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa.

Assim, verifica-se pela letra da lei que a suspensão do direito de dirigir em razão da infração administrativa prevista no artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro será aplicada pelos chefes dos Departamentos Estaduais de Trânsito do Estado a que resta vinculada a Carteira Nacional de Habilitação do cidadão e somente será afetada pela esfera criminal nos casos da não ocorrência do fato ou negativa de autoria ou se especificamente assim o decidir o juiz em análise específica do tema, ou seja, as esferas não se comunicam automaticamente.

Autores

  • Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais, bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

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