O sonho acabou

"O sindicalismo só se preocupa com o sindicato"

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6 de março de 2010, 7h25

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Nelson Mannrich - Spacca

O Tribunal Superior do Trabalho não representa mais a casa do trabalhador. Agora é a casa do trabalho – do empregado, do empregador e do Estado. Desde a reforma introduzida pela Emenda 45, em 2004, a Justiça do Trabalho não carrega mais a marca de ser favorável somente ao empregado. Para o advogado e professor de Direito do Trabalho Nelson Mannrich, o foco mudou. “O juiz do trabalho, hoje, é um profissional do direito que tem que saber um pouco acima daquilo que está na CLT, deve conhecer o direito mais amplamente”, diz.

Com quase 40 anos de experiência com as leis trabalhistas no Brasil, Mannrich é autor de três livros sobre Direito do Trabalho, sócio do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar Advogados, e livre-docente e professor titular da cadeira de Direito do Trabalho na Universidade de São Paulo e na Universidade Mackenzie. No próximo dia 12, ele tomará posse da presidência da Academia Nacional de Direito do Trabalho. 

Na década de 1970, ele foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, mesma ocasião em que o atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, ocupava o cargo de presidente do sindicado. “Daquela época, ficou a lembrança de um sonho que não se realizou, da transformação do sindicalismo no Brasil, a bandeira que o Lula utilizou para seguir a carreira que seguiu”, comenta.

Nesta entrevista, concedida ao site Podcast Rio Bravo e publicada no dia 26 de fevereiro, o professor declara que o sindicalismo não teve mudanças consideráveis, apenas se aperfeiçoou na tática do clientelismo. “Nosso sindicalismo leva em conta apenas os interesses do sindicato. Os interesses da empresa, do Estado e do próprio empregado são ignorados”. A entrevista foi concedida ao site Podcast Rio Bravo, publicada no dia 26 de fevereiro.

Leia a entrevista

O senhor foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema entre 1975 e 1979, período em que Lula foi eleito presidente daquele sindicato. Que lembranças guarda dessa época?
Nelson Mannrich — A lembrança de um sonho que não se realizou, da transformação do sindicalismo no Brasil, que foi a bandeira que o Lula utilizou para seguir a carreira que seguiu. Depois, ele abandonou todo aquele sonho que todos nós ajudamos a sonhar com ele, infelizmente.

O sindicalismo mudou muito de lá para cá?
Nelson Mannrich — Não mudou, apenas se aperfeiçoou na tática do clientelismo e de como se manter sem se mudar em nada. Porque vive de uma representação exclusiva e de arrecadação. Têm o monopólio da representação e a garantia da receita. Que empresário não gostaria disso?

Essa lógica que rege o sindicalismo não é assim no mundo todo?
Nelson Mannrich — Não é. Lá fora, prevalece o princípio da liberdade sindical. A Europa tem um modelo sindical revolucionário, que nós copiamos bastante. Ou seja, o trabalhador se reúne de acordo com a ideologia dele dentro do sindicato que ele entende que melhor o representa. Disso resulta a pluralidade sindical. É possível, por exemplo, que dentro de uma mesma empresa haja mais de um sindicato representativo dos trabalhadores, que gera dificuldades práticas.

O senhor acha que o Brasil tem o pior modelo sindicalista?
Nelson Mannrich — Nosso sindicalismo leva em conta apenas os interesses do sindicato. Os interesses da empresa, do Estado e do próprio empregado são ignorados. Porém, temos bons sindicatos. Escuto que muitos empresários preferem negociar com os sindicatos de que estar sobre a égide pura da CLT. Com a legalização das centrais sindicais, Lula colocou uma pá de cal na história do sindicalismo. Não há estímulo para mudanças, lamentavelmente. O Estado abriu mão de uma parte da receita. Hoje, são arrecadados mais de R$ 1 bilhão e não é necessário prestar conta de nada disso.

A proteção ao trabalhador, como é feita pela Lei de 1943, da CLT, ainda atende aos interesses do trabalhador e da sociedade em geral?
Nelson Mannrich — Não atende mais. Está ultrapassada. Aquela matriz ideológica sofreu uma alteração radical. Não existe mais aquele mundo do trabalho que havia naquela época. Hoje, o trabalhador, além de cidadão, é um ser humano. Essa dupla perspectiva praticamente está fora da CLT, que está desatualizada, defasada.

Existem projetos ou anteprojetos para mudar a CLT?
Nelson Mannrich — Muitos projetos, mas nenhum vai pra frente porque há um corporativismo muito grande. Os empresários não querem mudanças porque para eles é cômodo. Hoje, se a empresa não registrar o empregado, amanhã faz um acordo na Justiça do Trabalho e resolve o problema. O empresário acaba fazendo uma reforma unilateral e defende os interesses dele, já que não tem conversa nem com os sindicatos e nem com o próprio Estado. O empregado também não quer que mude. O mesmo acontece com o Estado.

A Justiça do Trabalho ainda tende a ser pró-empregado? Isso cria insegurança jurídica para as empresas?
Nelson Mannrich — A Justiça do trabalho nasceu com essa marca que permaneceu por muitos anos. Mas, não continua assim. Depois da reforma introduzida pela Emenda 45, em 2004, não é mais voltada somente para a questão do empregado coitadinho em face do empregador explorador. Também resolve problemas de multas administrativas, mandado de segurança envolvendo um fiscal do trabalho, ações que são movidas por trabalhadores que não são empregados. Mudou o foco. O juiz do trabalho, hoje, é um profissional do direito que tem que saber um pouco acima daquilo que está na CLT, deve conhecer o direito mais amplamente. O TST, por exemplo, não é mais a casa do trabalhador. Mas sim, a casa da justiça do trabalho, dos atores sociais, dos empresários, do Estado envolvido, dos trabalhadores. E isso vai se irradiando pelos tribunais regionais.

Hoje, qual é a maior fonte de insegurança jurídica para as empresas emanando do direito do trabalho?
Nelson Mannrich — Do excesso de leis que foram feitas para outra época, das interpretações que o tribunal vai dar por falta de uma lei específica e da atuação do Ministério Público, que tenta trabalhar nas lacunas para evitar injustiças concretas de verdade. Nós deveríamos fazer como alguns países: rever tudo isso.

Que exemplo internacional o senhor acha interessante?
Nelson Mannrich — A França está mudando a legislação, que é muito complexa. Existe um consenso para que aquela legislação toda seja alterada, se torne didática, clara e eficaz. A Itália, de alguma maneira, conseguiu em diversos momentos superar os conflitos e desafios trazidos pelas crises econômicas de outras modalidades contratuais, introduzir sistemas de trabalho que não nem autônomo e nem empregado. E Portugal também é um exemplo muito interessante. Em 2002, os portugueses apresentaram um código para substituir toda aquela legislação. Uma coisa fantástica, um código voltado para modernidade, revisto agora em 2009. Lá, estão previstas questões como direito de personalidade, se um empresário pode introduzir uma câmera dentro de um local de trabalho, se pode controlar um e-mail corporativo, etc. São exemplos não para o Brasil copiar, mas poderíamos olhar um pouco para refletir e avançar.

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